Marion (2008) – Três momentos da busca do si em Agostinho

Seja o primeiro momento: a questão de acessar a si mesmo nunca consiste em provar minha existência, mas em testar minha identidade: «Quis ego et qualis ego? – E eu, quem sou eu e qual ego?» (Confessiones, IX, 1, 1, 14, 70). Minha existência e meu acesso a ela estão, de fato, amplamente garantidos pela minha facticidade; pois essa garantia, embora certa, não me proporciona nenhuma segurança: ou, melhor dizendo, ela apenas me assegura o lugar onde descubro e experimento com plena dor que não sei quem sou, nem qual eu me pertence como meu próprio: «Factus eram ipse mihi magna quaestio. – Eu mesmo havia me tornado uma grande questão para mim mesmo» (IV, 4, 9, 13, 422), «Mihi quaestio factus sum. – Tornei-me uma questão para mim mesmo» (X, 33, 50, 14, 232). Porque sei, em minha facticidade, que existo, sei sobretudo, ou mesmo exclusivamente, que não me conheço radicalmente (ver c. II, § 10 e § 12). A aporia – não sei quem sou, não sou eu mesmo – torna-se meu lugar, mas um lugar onde o eu permanece inacessível. Portanto, meu eu torna-se um não-lugar, o meu, mais eu mesmo do que qualquer lugar acessível. – O segundo momento consiste em medir a aporia desse não-lugar: «Ubi ergo eram, quando te quaerebam? – Onde, então, eu estava, quando te procurava?» (V, 2, 2, 13, 464). Se não estou em lugar algum, de onde posso começar uma busca? Na verdade, encontro-me em lugar nenhum, em nenhum lugar de onde eu possa encontrar um – sem lugar, como um apátrida que, ao perder seu solo, acaba por perder também seu eu. «Ego mihi remanseram infelix locus, ubi nec esse possem, nec inde recedere. Quo enim cor meum fugeret a corde meo? Quo a me ipso fugerem? Quo non me sequerer? – Eu havia permanecido para mim mesmo um lugar de infelicidade, onde não podia ficar, e de onde não podia sair. Para onde meu coração poderia fugir do meu coração? Para onde poderia fugir de mim mesmo? Para onde não me seguiria sempre a mim mesmo?» (IV, 7, 12, 13, 428). Pois Santo Agostinho tem essa lucidez ou essa coragem (que muitas vezes falta aos modernos) de não «contar histórias»: se não tenho um lugar porque não tenho acesso a mim mesmo, ao eu, então também não posso ir a outro lugar para encontrar um novo e perfeitamente meu, já que nem mesmo tenho um ponto de partida, um lugar para deixar: apenas poderia partir aquele que já habita em si mesmo; sem um lugar próprio no início, sem um ponto de partida, ninguém pode mudar de lugar ou de si. Portanto, não posso fugir de mim mesmo, nem me localizar, eu que não parto de lugar algum.

O terceiro momento revela-se decisivo, porque não consiste precisamente em resolver e, portanto, dissolver a aporia, mas em colocá-la e pensá-la como tal. Se não estou em mim mesmo como um eu idêntico a si, nem tampouco fora de mim como partindo de si, mas sim sem lugar, posso ao menos concluir, com justeza, que a questão do meu lugar não pode encontrar uma resposta por mim, que não tenho lugar. Se, portanto, algo como um eu permanece possível para mim, nunca o encontrarei no meu não-lugar próprio, mas apenas onde existe um lugar, mesmo que ele não esteja em meu domínio. Esse lugar sem mim, antes de mim, mas assim somente para mim, que permaneço essencialmente estrangeiro e exterior a ele, só Deus ali se encontra: como criador do céu e da terra, somente Ele abriu a possibilidade de lugares para o que difere d’Ele e, portanto, também de si. Ou, melhor dizendo, diferir de Deus consiste em receber um lugar, que, assim, só pode se abrir fora de Deus a partir da tomada de lugar, da propriedade de se apropriar em uma localidade, mais exatamente da localização, que só pode ser concedida a outro por Aquele que, Ele mesmo, permanece absolutamente em um lugar, porque permanece si mesmo ao ponto de ter lugar em si, Deus. A aporia – minha utopia, o fato de que não tenho lugar algum, portanto, nenhum acesso a mim mesmo, a um eu meu – não se dissolve, mas se torna justamente aquilo que devo encarar, conceber e, finalmente, habitar: sou esse eu que não tem outro lugar senão permanecer exterior ao lugar, que, em outro lugar e já, se encontra, no entanto, aberto. Meu lugar se define como não-lugar e não como outro lugar, como aquilo que permanece fora do lugar, ou seja, mais dentro de mim do que eu. Pois o meu não-lugar não apenas me deixa fora de mim mesmo, mas, ao me alienar, também me fecha todo interior possível: «Intus enim erat [lumen]; ego autem foris. – A luz estava, de fato, no interior, mas eu no exterior» (VII, 7, 11, 13, 604), «Ecce intus eras et ego foris […]. Mecum eras et tecum non eram. – Eis que tu estavas no interior e eu no exterior […]. Tu estavas comigo, e era eu que não estava contigo» (X, 27, 38, 14, 208). A aporia do lugar torna-se, a partir de agora, justamente aquilo que é preciso habitar como um lugar. Lugar paradoxal, mas de um paradoxo no qual, no entanto, encontro o meu único lugar possível. «Tu eras interior intimo meo et superior summo meo. – Tu estavas mais interior do que o mais íntimo em mim e mais elevado do que o mais elevado em mim.» O que eu sou não se encontra em mim, mas em um lugar que oferece uma dupla característica. Por um lado, enquanto lugar, ele está mais em mim do que eu mesmo, portanto, mais dentro de mim (ou eu nele) do que eu, que estou fora de lugar (exceto nele). Por outro lado, enquanto lugar que me escapa absolutamente, enquanto interior que me falta, ele se revela superior à minha mais alta compreensão. O mais íntimo em mim, meu lugar, encontra-se em outro lugar que não em mim, superior. Portanto, encontro meu lugar íntimo apenas fora de mim. Se verdadeiramente «… ibi est locus quietis imperturbabilis, ubi non deseritur amor, si ipse non deserat. – … o lugar de repouso imperturbável está onde o amor não é abandonado, desde que ele mesmo não abandone» (IV, 11, 16, 13, 436), então o eu só encontra seu lugar – ou seja, a si mesmo – onde ama, segundo o princípio de que «… talis est quisquis, qualis ejus dilectio est. – … cada um é tal qual o seu amor»1. Assim, só me torno eu mesmo (si mesmo) ao ir em direção a outro e ao encontrar nele o meu primeiro lugar.

(MarionSoi)

  1. Homilies on the First Letter of John II, 14, PL 35, 1997.[]
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