Lingis: comunidade na morte

nossa tradução

A comunidade é usualmente concebida como constituída por vários indivíduos que têm algo em comum – uma linguagem comum, uma estrutura conceitual comum – e que constroem algo em comum: uma nação, uma polis, uma instituição. Comecei a pensar naqueles que estão deixando tudo – que estão morrendo. A morte vem singularmente para cada um; cada um morre sozinho, disse Heidegger. Mas, nos hospitais, eu tinha muitas horas para pensar da necessidade, entre os vivos, de acompanhar os que estão morrendo. Isso não é verdade apenas para os médicos e enfermeiras, que fazem tudo o que podem, mas para quem fica com o moribundo até o fim e fica quando não há mais cura possívelquem sabe em seu coração ele ou ela tem que ficar. É a coisa mais difícil que existe, mas sabemos que é o que devemos fazer. Não apenas porque é um parente ou alguém que se ama que está morrendo, alguém com quem alguém viveu a vida; alguém ficará quando há, na cama ou no quarto ao lado, alguém que nunca conheceu, morrendo sozinho.

Esse é apenas o ponto crítico da moralidade individual? Cheguei a pensar que uma sociedade que abandonaria os moribundos a morrer sozinhos, seja em hospitais ou nas sarjetas, prejudicar-se-ia radicalmente.

Não há uma convicção crescente, mais clara hoje entre inúmeras pessoas, que a morte de pessoas com as quais não temos nada em comum – sem parentesco racial, sem linguagem, sem religião, sem interesses econômicos – nos concerne? Sentimos obscuramente que nossa geração está sendo julgada, em última análise, pelo abandono dos cambojanos e somalianos, e os párias sociais nas ruas de nossas próprias cidades.

Voltando a estes pensamentos, entendi que o que nos preocupa em um outro é precisamente a sua alteridade – que nos atrai e nos contesta quando se depara. O ensaio “The Intruder” circunscreve essa alteridade. O ensaio “Faces, Idols, Fetishes” explica como os valores reais não são o que temos em comum, mas o que individualiza cada um e o torna outro. Em “The Murmur of the World”, propus-me mostrar que a linguagem não é simplesmente um código estabelecido por convenção entre humanos, que nivela nossas experiências de modo que elas possam ser tratadas como equivalentes e intercambiáveis, mas que a linguagem humana precisa ser vista como surgindo do murmúrio da natureza – dos animais e, finalmente, de todas as coisas que são e que ressoam. Na sonoridade de nossos códigos, nos comunicamos não apenas com decodificadores humanos, mas com o canto, a queixa e a cacofonia da natureza. “The Elemental That Faces” estuda a situação em que o que é dito é essencial; o essencial é que eu esteja lá e fale. “Carrion Body Carrion Utterance” preocupa-se com a tortura, que surge em uma situação linguística específica: a vítima está sendo forçada a dizer que tudo o que disse ou acreditou é mentira, que é incapaz da verdade. Finalmente, “Community in Death” aborda a comunidade que se tem com os que estão morrendo.

Original

(LINGIS, Alphonso. The community of those who have nothing in common. Bloomington: Indiana University Press, 1994)

Abellio, Raymond (31) Agamben, Giorgio (19) Antiguidade (969) Arendt, Hannah (16) Baader, Franz von (19) Barbuy, Heraldo (46) Berdyaev, N A (29) Bergson, Henri (16) Bioética (119) Brun, Jean (22) Byung-Chul Han (17) Cassirer, Ernst (15) Deleuze, Gilles (38) Descombes, Vincent (16) Escola de Frankfurt (21) Espinosa, Baruch (47) Faivre, Antoine (23) Fernandes, Sergio L de C (80) Ferreira da Silva, Vicente (21) Ferreira dos Santos, Mario (49) Festugière, André-Jean (38) Gaboriau, Florent (16) Henry, Michel (82) Jaspers, Karl (26) Kant, Immanuel (21) Kierkegaard, Søren Aabye (43) Lavelle, Louis (35) Merleau-Ponty, Maurice (23) Nietzsche, Friedrich (63) Ortega y Gasset, José (47) Outros Pensadores (93) Pensadores Atuais (16) Pré-socráticos (167) Rosenstock-Huessy, Eugen (17) Rosenzweig, Franz (26) Saint-Martin, Louis-Claude de (28) Schelling, Friedrich (34) Schopenhauer, Arthur (99) Schérer, René (20) Sloterdijk, Peter (17) Sophia Perennis (123) Sousa, Eudoro de (36) Vallin, Georges (31) Weil, Simone (15) Wittgenstein, Ludwig (24)