Eudoro de Sousa (HC:56) – Parmênides – Revelação do Ser

56. O Ser, conceba-se como unidade dos contrários, ou como paradigma do continuum do mundo sensível, que não deixa lugar para o nada, tinha, pois, de ser revelado. O «Proêmio» relata as circunstâncias da revelação; e o que mais desperta o nosso interesse é o facto de nele reencontrarmos a maior e melhor parte da «mitologia do horizonte». Tudo nos leva a crer que não se trata da simples casualidade de um artifício literário e, portanto, que, não só a «Verdade», como também a «Doxa», tinham de ser reveladas onde, como e por quem Parmênides pretende que o tenham sido. Onde? Além do horizonte! Como? Atingindo esse além pelo único veículo que visivelmente ultrapassa o horizonte! Por quem? Uma deusa inominada! O mais tenaz obstáculo a uma correta interpretação do «Proêmio», que era o de considerá-lo como alegoria (Diels, 1897; Bowra, Frankel, 1961; Deichgräber, 1959), caiu diante dos argumentos persuasivos, que constam de três publicações recentes (Tarán, Mansfeld, Burkert, 1969): a tendência predominante é a de interpretá-lo literalmente (Mansfeld) ou a de «não lhe atribuir um significado que não seja o diretamente expresso pelas próprias palavras» do filósofo (Tarán). É claro que esta exigência preliminar não obriga a que se chegue necessariamente a idênticas conclusões; mas já meio caminho percorremos ao encontro de um acordo final, recusando-nos a admitir, como Dreichgráber (op. cit., p. 41), que nos trinta e dois primeiros versos do poema, «tudo é alegoria», mediante a qual Parmênides quisesse dizer, por exemplo, que, «toda vez que refletia sobre seus grandes pensamentos, sentia-se elevado até um reino da luz, para além de todas as coisas terrenas» (Frankel, op. cit., p. 399). Não escrevemos os trinta primeiros parágrafos deste ensaio no propósito de introduzir o leitor no pensamento do grande Eleata, mais particularmente, para descobrir, por antecipação, o verdadeiro sentido do «Proêmio»; no entanto, é certo que a codificação mítica do mistério do horizonte preludia à codificação lógica do mistério do Ser, e não precisamos seguir o admirável estudo de Burkert (1969) até à conclusão de que uma catábase de Pitágoras seria o pressuposto ou o antecedente da catábase de Parmênides: a mitologia do horizonte, tal como a expusemos, dispensa qualquer outra hipótese. Ver, no «Proêmio», uma catábase de Parmênides — uma catábase, no mais amplo sentido da palavra —, uma viagem aos confins da Terra, tal como a empreenderam Gilgamesh e Héracles, seguindo o diurno caminho do Sol, é a única maneira de evitar a cilada do alegorismo. Na imediata sequência, verificaremos que o texto suporta esta interpretação; mais: que a exige, enquanto não se proponha outra, pelo menos tão verosímil. E, sinceramente, duvidamos que tal venha a acontecer.

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