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Schopenhauer (MVR2:755-756) – não existimos para sermos felizes

segunda-feira 7 de junho de 2021

  

Há apenas UM erro inato, o de que existimos para sermos felizes. Ele é inato em nós, porque coincide com a nossa existência mesma, e todo o nosso ser é justamente apenas a sua paráfrase, sim, o nosso corpo é o seu monograma: nada somos senão justamente Vontade de vida; a satisfação sucessiva de todo o nosso querer é, no entanto, aquilo que se pensa pelo conceito de felicidade.

[II 727] Pelo tempo em que permanecemos nesse erro inato, no qual ainda somos fortalecidos por dogmas otimistas, o mundo nos aparece pleno de contradições. Pois a cada passo dado, tanto nas grandes quanto nas pequenas coisas, temos de experimentar que o mundo e a vida de forma alguma foram constituídos para conter uma existência feliz. Enquanto uma pessoa pobre de pensamento sente-se atormentada só pela realidade, já a pessoa que pensa sobre o tormento na realidade, ainda acrescenta a perplexidade teórica ao perguntar por que um mundo e uma vida, afinal feitos para que sejamos neles felizes, adaptam-se tão mal aos seus fins? Essa perplexidade infla-se em suspiros: “O, por que tantas lágrimas sob a Lua?”, e outros semelhantes, o que traz em seguida escrúpulos inquietantes contra as hipóteses daqueles preconcebidos dogmas otimistas. Sempre podemos tentar colocar a culpa do nosso infortúnio pessoal, ora nas circunstâncias, ora nas outras pessoas, ora na própria má sorte, ora na própria torpeza, ou ainda reconhecer como tudo isto reunido atuou em conjunto para o nosso infortúnio; todavia, isso tudo em nada muda o resultado de que o verdadeiro fim da vida, que consiste em ser feliz, não foi atingido; com o que então as considerações sobre esse assunto, sobretudo quando a vida vai em declínio, muitas vezes levam ao [755] abatimento: por isso quase todas as faces anciãs trazem a expressão daquilo que em inglês chama-se disappointment. Ademais, até agora cada dia transcorrido da nossa vida nos ensinou que as alegrias e os prazeres, mesmo uma vez conquistados, são em si mesmos enganosos, não dão aquilo que prometeram, não satisfazem o coração, e por fim a sua posse é pelo menos amargada pelos inconvenientes que os acompanham ou deles resultam; enquanto, ao contrário, as dores e os sofrimentos provam-se bastante reais e amiúde excedem todas as expectativas. [SCHOPENHAUER  , Arthur. O mundo como vontade e como representação. Segundo Tomo. Tr. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2015, p. 755-756]


Ver online : O mundo como vontade e como representação. Segundo Tomo.