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Schopenhauer (DPFE:39-41) – livre arbítrio

sexta-feira 11 de dezembro de 2020

  

Este conceito [liberum arbitrium] se vincula, por um lado, ao da liberdade física, o que torna compreensível o seu surgimento, necessariamente muito posterior. A liberdade física refere-se, como já foi dito, somente a impedimentos materiais, em cuja ausência se dá aquela imediatamente. Mas, em alguns casos, se observou que um homem, sem estar obstaculizado por impedimentos materiais, era impedido por meros motivos, tais como ameaças, promessas, perigos e outros ao estilo, a atuar do modo em que, além do mais, estaria certamente em acordo com sua vontade. Surgiu então a questão de saber se tal homem permaneceria livre ou se um forte contra-motivo pode realmente obstaculizar e impossibilitar, tanto quanto um impedimento material, a ação em acordo com a própria vontade. A resposta a isto pode não ser difícil para uma compreensão saudável: que um motivo nunca pode atuar como um impedimento físico, já que é fácil para ele exceder de forma incondicionada as forças corporais humanas; e, por outro lado, um motivo nunca pode ser irresistível em si mesmo, nunca pode ter violência incondicional, mas sempre resta a possibilidade de que um contra-motivo mais forte prevaleça sobre ele, desde que tal motivo esteja presente e o suposto homem neste caso individual seja determinável por ele; assim, frequentemente vemos que, inclusive aquele que de ordinário é o mais forte de todos os motivos, a conservação da vida, é, não obstante, dominado por outros motivos; por exemplo, no caso do suicídio, bem como o sacrifício da própria vida a favor de outras pessoas, opiniões ou interesses diversos; e, ao contrário, vemos que todos os graus dos mais seletos tormentos na câmara de tortura às vezes são superados pelo mero pensamento de perder a vida de outra forma. Mas, mesmo que daqui resulte que os motivos não levam consigo uma violência puramente objetiva e absoluta, podia corresponder-lhes uma subjetiva e relativa, a saber, aquela que se refere à pessoa do interessado, o qual viria a resultar o mesmo. Por isso, fica a pergunta: a própria vontade é livre? Aqui o conceito de liberdade, que até agora havia sido pensado apenas em referência ao poder, havia permanecido estabelecido em relação ao querer; e havia surgido o problema de se o querer mesmo era livre. Mas considerando mais de perto, o conceito originário de liberdade, puramente empírico e, portanto, popular, é incapaz de aceitar essa conexão com o querer. Pois, de acordo com o primeiro, "livre" significa "de acordo com sua própria vontade": se alguém pergunta se a própria vontade é livre, está perguntando se a vontade é de acordo consigo mesma: o que, é claro, nem é preciso dizer, mas com o qual nada foi dito também. Segundo o conceito empírico de liberdade, diz-se: “Sou livre se posso fazer o que quero”: e com “o que quero” a liberdade já está decidida aqui. Mas agora, já que perguntamos sobre a liberdade de querer em si, a questão seria colocada desta forma: "Podes também querer o que queres?" O que vem a ser como se o querer dependesse ainda de outro querer que radicasse atrás dele. E, supondo que essa pergunta fosse respondida afirmativamente, surgiria imediatamente a segunda: "Podes também querer o que queres querer?" E assim se remontaria até o infinito, na medida em que sempre pensaríamos um querer como dependente de outro anterior ou mais profundo, e aspiraríamos em vão terminar por alcançar, por este caminho, aquele que teríamos que pensar e aceitar como não dependente de nada em absoluto. Mas se estivéssemos dispostos a aceitar tal querer, igualmente poderíamos assumir o primeiro pelo último, assim a pergunta voltaria à forma simples "Podes querer?" Mas o que se quer saber, e ainda permanece sem solução, é se a mera resposta afirmativa a essa pergunta decide a liberdade do querer. Assim, o conceito original de liberdade, empírico e extraído do fazer, recusa-se a aceitar uma conexão direta com o conceito da vontade. Portanto, para aplicar o conceito da liberdade à vontade, haveria que modificá-lo, entendendo-o como mais abstrato. Isso seria alcançado entendendo com o conceito da liberdade apenas a ausência de qualquer necessidade em geral. Nisso o conceito mantém o caráter negativo que atribuí imediatamente ao início. Consequentemente, antes de mais nada, o conceito de necessidade deve ser elucidado, como um conceito positivo que dá sentido a esse conceito negativo.

[SCHOPENHAUER  , Arthur. Los Dos Problemas Fundamentales de la Ética. Tr. Pilar López de Santa María. Madrid: Siglo Veintiuno, 2002, p. 39-41]


Ver online : LOS DOS PROBLEMAS FUNDAMENTALES DE LA ÉTICA [DPFE]