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Schopenhauer (MVR1:049-053) – espaço, tempo e matéria
segunda-feira 2 de setembro de 2024, por
Quem reconheceu a forma do princípio de razão que aparece no tempo puro como tal e na qual se baseia toda numeração e cálculo, também compreendeu toda a essência do tempo. Este nada mais é do que justamente aquela forma do princípio de razão, e não possui nenhuma outra propriedade. Sucessão é toda a sua essência. — Quem, ademais, conheceu o princípio de razão tal qual ele rege no mero espaço puramente intuído esgotou com isso toda a essência do espaço, visto que este é, por completo, tão-somente a possibilidade das determinações recíprocas de suas partes, o que se chama POSIÇÃO. A consideração pormenorizada desta, bem como a formulação dos resultados daí advindos em conceitos abstratos para emprego cômodo, constitui o conteúdo de toda a geometria. — Do mesmo modo, quem compreendeu a figura do princípio de razão que rege o conteúdo daquelas formas [I 10] (tempo e espaço), da sua perceptibilidade, isto é, a matéria, portanto a causalidade, também compreendeu a essência inteira da matéria como tal, pois esta é por completo apenas causalidade, do [49] que cada um se convence tão logo reflita sobre isso. O ser da matéria é o seu fazer-efeito. [1] Nenhum outro ser lhe é possível nem sequer pensável. Apenas como fazendo-efeito ela preenche o espaço e o tempo. Sua ação sobre o objeto imediato [2] (ele mesmo matéria) condiciona a intuição, na qual unicamente ela existe. A consequência da ação de qualquer objeto material sobre um outro só é conhecida na medida em que este agora age diferentemente de antes sobre o objeto imediato, e consiste apenas nisso. Causa e efeito, portanto, são a essência inteira da matéria. Seu ser é seu fazer-efeito. (Detalhes sobre o assunto se encontram no ensaio sobre o princípio de razão, § 21, p.77)· Por conseguinte, o continente de qualquer coisa material é, de maneira bastante acertada, nomeado WIRKLICHKEIT, efetividade na língua alemã, [3] palavra muito mais significativa que Realität. [4] Aquilo sobre o que faz efeito é de novo sempre matéria. Seu ser, toda a sua essência, portanto, consiste apenas na mudança regular que UMA de suas partes produz na outra, por conseguinte é por completo relativa, conforme uma relação válida só no interior de seus limites, portanto exatamente como o tempo e o espaço.
Tempo e espaço, entretanto, cada um por si, são também representáveis intuitivamente sem a matéria. Esta, contudo, não o é sem eles: a forma, que lhe é inseparável, pressupõe o ESPAÇO. O fazer-efeito da matéria, no qual consiste toda a sua existência, concerne sempre a uma mudança, portanto a uma determinação do TEMPO. Contudo, tempo e espaço não são apenas, cada um por si, pressupostos por ela, mas a essência dela é constituída pela união de ambos, exatamente porque a matéria, como [50] mostrado, reside no fazer-efeito, na causalidade. Todos os inumeráveis fenômenos e estados pensáveis poderiam coexistir no espaço infinito, sem se limitarem, ou também se seguirem uns aos outros no tempo infinito, sem se incomodarem. Daí então que uma relação necessária entre tais fenômenos e uma regra [I 11] que os determine em conformidade com aquela não seria de modo algum necessária, nem sequer aplicável. Por consequência, se acaso em cada coexistência no espaço e em cada mudança no tempo — e enquanto essas duas formas tiverem por si mesmas, sem conexão uma com a outra, o seu curso e persistência — não houvesse causalidade alguma, e visto que esta constitui a essência propriamente dita da matéria, então não haveria matéria alguma. No entanto, a lei de causalidade adquire a sua significação e necessidade unicamente pelo fato de a essência da mudança não consistir apenas na alteração de estados em si, mas antes no fato de NO MESMO LUGAR do espaço haver agora UM estado, em seguida OUTRO e, NUM ÚNICO e mesmo tempo determinado, haver AQUI este estado, LÁ outro. Só essa limitação recíproca do tempo e do espaço fornece a uma regra, segundo a qual a mudança tem de ocorrer, significação e ao mesmo tempo necessidade. Aquilo a ser determinado pela lei de causalidade não é, portanto, a sucessão de estados no mero tempo, mas essa sucessão em referência a um espaço determinado; não a existência de estados num lugar qualquer, mas neste lugar e num tempo determinado. A mudança, isto é, a alteração ocorrida segundo a lei causai, concerne, portanto, sempre a uma parte determinada do espaço e a uma parte determinada do tempo, SIMULTANEAMENTE e em união. Em conformidade com isso, a causalidade une espaço e tempo. Vimos que a essência inteira da matéria consiste no fazer-efeito, portanto na causalidade; logo, também nesta têm de estar unidos espaço e tempo, vale dizer, ela tem de portar simultaneamente em si propriedades de ambos, por mais que eles se contradigam. Aquilo que em cada um é por si impossível, ela tem de unir em si, portanto o fluxo contínuo do tempo com a permanência rígida e imutável do espaço. Quanto à indivisibilidade infinita, ela a possui de ambos. De acordo com isso, encontramos introduzida por ela, primeiramente, a SIMULTANEIDADE, que não poderia se dar no mero tempo, alheio a toda coexistência, nem no mero espaço, alheio a todo antes, depois ou agora. Mas o que [51] constitui propriamente a essência da efetividade é a SIMULTANEIDADE de muitos estados, pois só mediante a simultaneidade é possível a DURAÇÃO, já que esta só é cognoscível na alteração do que existe [I 12] simultaneamente com aquilo que permanece. Todavia, também só por meio daquilo que permanece na alteração é que a alteração adquire, agora, o caráter de MUDANÇA, isto é, a modificação da qualidade e da forma a despeito da permanência da SUBSTÂNCIA, vale dizer, da MATÉRIA.
Ver online : O Mundo como Vontade e como Representação Tomo I
SCHOPENHAUER, A. O Mundo Como Vontade e Representação I. Jair Barboza. São Paulo: Editora Unesp, 2005
[1] No original, Wirken. (N. T.)
[2] O corpo. (N. T.)
[3] Mira in quibusdam rebus verborum est, et consuetudo sermonis antiqui quaedam efficacissimis notis signat (“A adequação das palavras para expressar certas coisas é impressionante, e ο uso da linguagem pelos antigos exprime muitas coisas de uma maneira maravilhosa”) (Sêneca, Epist. 81).
[4] Como se vê, a língua alemã possui dois termos para realidade, o de uso corrente Wirklichkeit, efetividade, realidade efetiva, e o de origem latina Realität. Wirklichkeit é mais apropriado justamente porque deriva de wirken, fazer-efeito. A realidade efetiva, Wirklichkeit, pois, é um fazer-efeito, wirken, do sujeito que conhece. (N. T.)
[5] Isso o mostra também o fundamento da explicação kantiana da matéria, “que ela é o elemento móvel no espaço”, pois o movimento consiste apenas na união de espaço e tempo.
[6] Não do conhecimento do tempo, como Kant quer, o que é explicado no apêndice.