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Deus / Dieu / God / Allah / Alá

  

Mestre Eckhart

O sentido do ser dominante no pensamento medieval é expresso em termos como criação, Criador e criaturas; em resumo, ens creatum (ente criado). Essa categoria fundamental do pensamento medieval, no entanto, na sua tonância essencial de fundo, diz: filiação. Pois é fusão da pré-compreensão do ser da existência artesanal com a pré-compreensão da existência religioso-cristã, onde a última predomina e subsume aquela, transformando-a num sentido do ser todo próprio que se denomina: filiação divina. Nesta, tudo que pode ser de alguma forma referido ao ente, inclusive o próprio nada, é apenas recepção da doação de comunhão com o Ser, denominado Deus, no qual reside a plenitude do ser, de tal modo que fora dele não há ser, nem atual, nem possível, e isso tão radicalmente que ser propriamente só é Deus. Por isso o sentido do ser de Deus deve ser entendido não a partir do sentido do ser de quaisquer que sejam os entes, mas absoluta e exclusivamente a partir dele mesmo. Por isso o ser de Deus é chamado em Eckhart   de Abgeschiedenheit, isto é, desprendimento.

A esse modo de ser que precisamente não é mais modo, mas simplesmente ser, ou ser como plenitude ab-soluta, a tradição do cristianismo chamou de Deus quoad se [1] ou vida interior ou vida íntima de Deus, formulada como Mistério da Santíssima Trindade. E os termos da compreensão dessa vida, que é o próprio Deus ou o próprio seu, são o uno ou um e o três como pessoa (Pai-Filho-Espírito como dinâmica da gênese da vida divina, resumida nos termos geração e processão ou filiação). O a priori desse sentido do ser, ab-soluto, livre e solto em (in) e a partir de si (a se), portanto, do desprendimento (Abgeschiedenheit) assume o sentido do ente no seu todo como o da existência artesanal medieval, e faz com que a própria compreensão da criação e das criaturas não mais opere a partir e dentro do ser da causação nem do ser da criação artesanal, mas sim a partir e dentro da expansão, da difusão na dinâmica da geração da vida interna de Deus. Essa difusão na dinâmica da filiação se expressa como o mistério da encarnação. A causação e a criação são, no fundo, como que repercussão da percussão inicial da filiação divina, repercussão na qual o tom fundamental está sempre ressonante, a se espraiar como eco longínquo da sua dinâmica. Todos os entes referidos à dinâmica da causação e da criação recebem a dinâmica da filiação divina da intimidade da vida interna de Deus, na ternura e no vigor da sua Abgeschiedenheit. [Excertos da ótima versão portuguesa dos "SERMÕES ALEMÃES", de Enio Paulo Giachini]

Frithjof Schuon

Shankara   não cogita em negar a validade relativa dos exoterismos, que, por definição, se interessam pela consideração de um Deus pessoal. Este é o Absoluto refletido no espelho limitativo e diversificador de Maya; é Ishwara, o Príncipe criador, destruidor, salvador e punidor, e o protótipo "relativamente absoluto" de todas as perfeições. Esse Deus pessoal e todo-poderoso é perfeitamente real em si e, principalmente, em relação ao mundo e ao homem; mas não está menos ligado a Maya que ao Absoluto propriamente dito. [O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA]

Michel Henry

Segundo o cristianismo não existe senão uma única Vida, a única essência de tudo o que vive. Não se trata de uma essência imóvel à maneira de um arquétipo ideal como aquele do círculo presente em todos os círculos, mas de uma essência agente, se desdobrando com uma força invencível, fonte de poder, poder de engendramento imanente a tudo o que vive e não cessando de lhe dar a vida. Na medida que esta Vida é aquela de Deus e se identifica a ele, Paulo pode escrever: “Só há um Deus e Pai de todos, que está acima de todos, age em todos e está em todos” (Ef 4,6). Na medida onde o único Deus é esta Vida única que gera todos os viventes o cristianismo aparece como um monoteísmo. O que o separa dos outros monoteísmos (à exceção do judaísmo) assim como das teologias racionais ou naturais nas quais estes monoteísmos buscaram uma expressão própria a reagrupar a eles todos os homens razoáveis, é que este Deus único não é pensado pela mente. Não é um Ser provido de todos os atributos concebíveis levados à potência absoluta, ou ainda o Ser infinito, um ser tal que “não se pode dele conceber maior” (Santo Anselmo  ) e que por esta razão existe necessariamente. Se o Deus cristão nada tem de comum com este Ser infinitamente grande de Santo Anselmo, que será retomado em todas as provas clássicas da existência de Deus e lhes servirá de suporte, não mais que com o primeiro motor de Aristóteles  , ou ainda com o autor do melhor dos mundos possíveis, ou com o simples conceito de um Deus único com o qual nenhum outro, consequentemente, não poderia entrar em concorrência, é por esta razão decisiva que ele nada é que possa nos dar acesso nosso pensamento. De sorte que toda representação racional, e com mais razão toda prova de sua existência, é absurda em princípio. E isso porque provar, é “fazer ver”, fazer ver na luz de uma evidência inelutável, neste horizonte de visibilidade que é o mundo e no qual a vida não se mostra jamais. [EU SOU A VERDADE]

Ullmann

Para Plotino   a característica primeira do Uno, denominado por vezes Deus, theos, de maneira absoluta, como o Pai de Orígenes  , é que ele é o princípio supremo de onde então decorrem a Inteligência e a Alma do Mundo, em seguida todos o seres do Universo.

O sexto tratado visualiza para em seguida rejeitar a hipótese que o Uno permaneceria só e que não existira a multitude dos seres produzidos por ele com o que se denomina as almas.

A produção dos seres a partir do Uno se dá através de uma hierarquia. Segundo o sétimo tratado há depois do Primeiro um Segundo ao qual participam todos os seres que seguem: aqui não nomeado Inteligência.

No nono tratado, o Uno é sempre designado como o princípio de tudo, o Bem e o Primeiro: eis porque para chegar a seu conhecimento é preciso se aproximar dele, longe do sensível e de toda malícia, se unificar a si mesmo, se tornar inteligência.

O três últimos capítulos do tratado 30 refletem ainda sobre o Uno.

HAYYIM DE VOLOZHYN

É possível distinguir dois aspectos na divindade: o Deus oculto e o Deus revelado. Deus em sua transcendência absoluta — ou na terminologia de nosso autor, «Deus de Seu lado» — escapa totalmente a nosso entendimento. Nós não podemos O nomear de nenhum Nome, e mesmo a designação de En-Sof (In-finito), não dá conta de sua essência. Pois em verdade o Deus transcendente é não somente in-finito, sem fim, mas igualmente sem começo. Em o designando por En-Sof, queremos significar que a compreensão que Dele temos não é jamais senão um começo — não há fim para uma visão humana de conceber o Infinito.

«A essência do En-Sof é dissimulada mais que todo segredo e não se deve nomeá-lo com nenhum Nome, nem mesmo YHWH (Tetragrama)». Nossa concepção de Deus se limita a Sua associação ao mundo — «Deus de nosso lado» —, tal como Ele se revela a nós através do mundo dos Sefirot, aquele da Emanação. A essência absoluta de Deus nos escapa na medida mesma onde ela se revela.

A oração se compreende a partir deste paradoxo, a partir da contradição que opõe «Deus de nosso lado» — e deste ponto de vista tentamos ascender a hierarquia dos mundos — e «Deus de Seu lado», que permanece não afetado pelo fato de sua associação aos mundos. Apesar da relatividade de nossa linguagem tomada emprestada a nossa experiência, nossa oração pode e deve ser exclusivamente dirigida a En-Sof, o Infinito em seu absoluto. A orientação de nosso coração deve ser dirigida para En-Sof, em se referindo à vontade divina de se associar aos mundos.

Neste segundo estado, é de nossa experiência de um Deus ligado aos mundos, cuja força é ativa mas oculta, que partimos para nos elevar a partir dela para a visão infinita do Deus Transcendente. [A ALMA DA VIDA]

Hans Jonas

A característica cardeal do pensamento gnóstico é o dualismo que governa a relação de Deus e mundo, e correspondentemente aquela de homem e mundo. A Deidade é absolutamente transmundana, sua natureza "estrangeira" àquela do Universo, que nem criou nem governa e ao qual é a antítese completa: ao reino divino de luz, autocontido e remoto, o Cosmo é oposto como o reino de escuridão. O mundo é o trabalho de poderes inferiores que embora possam mediatamente descender Dele não conhecem o verdadeiro Deus e obstruem o conhecimento Dele no Cosmo sobre o qual reinam. A gênese destes poderes inferiores, os Arcontes (Regentes), e em geral de todos aquelas ordens de seres fora de deus, incluindo o Mundo ele mesmo, é um tema principal da especulação gnóstica. O Deus Transcendente Ele mesmo está oculto de todas as criaturas e é desconhecido por conceitos naturais. Conhecimento Dele requer revelação supranatural e iluminação e mesmo então pode dificilmente ser expresso de outra forma que não seja em termos negativos (v. apophasis). [A RELIGIÃO GNÓSTICA]

Sorabji

Aristotle’s God is a thinker, not a creator, and he inspires motion in the universe, but does not provide existence, since the five elements exist independently of him. At best, as pointed out by Iamblichus  ’ pupil Dexippus, the motion (by producing seasonal rainfall, etc.) gives form and life to some things. But Proclus   complains that, on his own principles, Aristotle should have made God responsible for the existence of the universe. Proclus’ pupil, Ammonius  , effects the harmonisation, arguing at book length that this is what Aristotle intended his principles to show, and Simplicius   follows Ammonius. This is the tradition that enabled Thomas Aquinas   to harmonise Aristotle’s God with Christianity. [SorabjiPC3  :18]

Nasr

Segundo Seyyed Hossein Nasr, Deus é referenciado por muitos nomes (asma) no Corão  , pois de acordo com o texto sagrado, "A Ele pertencem os belos Nomes" (LIX, 24), mas o Nome Supremo (al-ism al-azam) pelo qual Ele é conhecido é Allah. Este é o Nome da Essência de Deus (al-Dhat) assim como de todos os Nomes Divinos (asma) e Qualidades (sifat) como relacionadas e "contidas" na Natureza Divina. Tudo que pode ser dito da Natureza Divina como sendo tanto transcendente como imanente, Criador e além da criação, pessoal e supra-pessoal, Ser e Além-do-Ser pertencem a Allah, Que é o Divino como tal e não um dos aspectos da Divindade ao qual outros Nomes Corânicos de Deus referem-se. (Islamic Spirituality: Foundations (World Spirituality).

Michel Chodkiewicz

Señalemos, sin embargo, que el nombre de "Alá" tuvo tradicionalmente un doble papel, como "Nombre de la Esencia (ism al-dhat) por una parte y como designación de la "función de divinidad" por otra parte. [Excertos da versão em espanhol da introdução de "Epître sur l’unicité absolue"]

Frithjof Schuon

Quanto ao conhecimento, não basta que essa relação seja simplesmente pensada para conferir ao raciocínio um caráter de divindade, portanto, de verdade e de infalibilidade. É certo que, objetivamente, todo pensamento manifesta — sob o aspecto metafísico de identidade — o Pensador divino, se assim podemos nos expressar.

A bhakti ou o amor da Divindade pessoal é, para o vedânti shankariano, uma etapa necessária para a Liberação — moksha — e até mesmo uma concomitância quase indispensável e bem natural do conhecimento supremo, o jnana.

Para Ramanuja  , a Divindade pessoal, o Deus criador e salvador, identifica-se com o Absoluto sem nenhuma restrição; segundo esse modo de ver, não há possibilidade de se considerar uma Atma ou uma Essência que transcenda uma Maya e, consequentemente, nem uma Maya que provoque ou determine a limitação hipostática de urna Essência. [O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA]

Pierre Deghaye

A Divindade nada mais é que puro espírito. No entanto ela aspira a se tornar sensível, perceptível [2]. A Divindade se torna sensível para ser percebida pelo homem. Mas também ela se dota de uma sensibilidade para se apreender ela mesma. Se conhecer, é se saborear a si mesmo em uma contemplação a qual todos os poderes da alma concorrem.

O homem participante da natureza divina verá Deus. A Divindade primordial não é capaz deste olhar sobre ela mesma? De imediato parece que sim. Em seguida, considerando as coisas de mais perto, se duvida. [O NASCIMENTO DE DEUS  ]


[1Deus enquanto referido a si

[2”Eu era uma Tesouro oculto que queria ser conhecido”. Esta proposição doa teosofia oriental (Sufismo) explica perfeitamente o movimento que, em Boehme, leva a Deidade pura a sair de seu eterno repouso para se manifestar. Esta moção implica em uma aspiração, um desejo. Pode-se conceder a Deus o desejo? Deus não é por excelência o Ser que se basta a si mesmo? O desejo parece pressupor uma falta . Se Deus é tudo, como Deus pode ter falta de algo?