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Chaim Samuel Katz: Intermediários na Comunicação

terça-feira 22 de março de 2022, por Cardoso de Castro

  

Conforme insistido em alguns verbetes, não se pode pensar o sujeito humano comunicando-se imediatamente com o outro. O homem só se comunica porque pertence a um sistema que o predetermina e que lhe permite o ato de comunicar. Os atos do homem que parecem imediatos mostram-se, após a análise, dependentes, e não criadores da cadeia significante. Cabe, entretanto, insistir nas diferenças não transcendentais (Teoria da Comunicação) na comunicação das diversas comunidades culturais. Nas chamadas "sociedades primitivas" o contato inter-humano é feito de modo muito mais direto, imediato que nas sociedades pertencentes aos que se denomina "civilização". De fato, ao lado do plano do que se poderia chamar de "relação simbólica", dá-se o plano do que se poderia denominar "interação social". A comunicação e o contato do indivíduo com o outro, com o mundo físico e consigo próprio dependem também de certas condições culturais.

Através da abordagem de três ordens de questões pode-se ter uma ideia de como agem e o que significam os intermediários na comunicação humana.

1) — a oralidade — nas chamadas "sociedades primitivas" os indivíduos se comunicam culturalmente de modo mais direto. No plano interpessoal, por exemplo, a conveniência entre o chefe e seus subordinados não se sujeita a uma burocracia intermediária mas é feita entre sujeito e sujeito. Os indivíduos participam das realidades culturais de modo similar: os símbolos, costumes e crenças se interpretam com significados estruturados da mesma forma para todos. As relações entre indivíduos se dão num plano que é intelectual e afetivo ao mesmo tempo: o indivíduo que sabe fazer vasos confunde-se com os objetos que fabrica, é denominável. Isto que foi rapidamente descrito pode ser resumido na etiqueta empírica "oralidade" uma vez que as vivências humanas são imediatamente expressas pela palavra falada e pela memória oral (o que não exclui, absolutamente, a capacidade de abstração do chamado "primitivo" — conforme demonstrado por Lévi-Strauss — mas discutimos aqui apenas o nível vivenciado da comunicação).

2) — a hipertropia social — desde que os indivíduos passam a ocupar um espaço físico maior e ainda assim permanecendo dentro de um mesmo contexto cultural, a comunicação não pode se manter num nível optimum de eficiência se ficar restrita apenas à oralidade imediata (mas é bom frisar que não se pode pensar o crescimento do espaço físico social como condição do aumento de intermediários na comunicação visto que ambos só podem ser entendidos na transformação do modo de produção social onde estão inseridos). A própria coordenação das relações sociais irá exigir o crescimento do espaço físico e a pertinência do indivíduo a uma multiplicidade de espaços. Por exemplo, numa sociedade agrária um sujeito irá educar em contato estreito com sua vida familiar. Os limites sociais de sua aprendizagem são similares aos de seus companheiros e familiares. Enquanto numa sociedade de consumo o sujeito depende do influxo de informação, que recebe para poder responder adequadamente à solicitação do ambiente e este influxo não é homogeneizado como na sociedade agrária: o sujeito é distinto no seu trabalho profissional, estudo, vida familiar, entretenimentos, pois livre da pressão da sociedade paterna que se exerce imediatamente em todas suas atividades na sociedade agrária.

3) — estrutura social — este nível é o mais adequado para examinar o problema da formação dos intermediários na comunicação social desde que evita as visões empíricas, como ocorre nos dois itens anteriores. Por exemplo, se se toma o modo de produção asiático, encontrado também em grandes organizações sociais, vê-se que ele se caracteriza como constituído por comunidades primitivas onde reina a posse comum do solo. Estas comunidades são organizadas parcialmente na base das relações de parentesco e de um poder de Estado que exprime sua unidade real ou imaginária, que controla o uso dos recursos econômicos essenciais e se apropria diretamente de uma parte do trabalho e da produção das comunidades que domina. Mesmo sem se aprofundar no assunto, vê-se que o Estado só pode controlar os meios de produção essenciais desde que ele se ponha a exercer este mesmo controle, o que significará a entrada de funções especiais — burocráticas, tecnológicas, econômicas, políticas — que principiarão a diferenciar os indivíduos de acordo com seu lugar na produção social (se bem que, no modo de produção asiático, os poderes político e econômico permaneçam indissociáveis, os indivíduos devem tender à especialização, e servirão de sustentáculo para as diversas ideologias que surgem imediatamente como reflexo de sua atividade). Seu contato e relação com a produção não é mais direto mas através de um intermediário que, por sua vez, fundamentará a possibilidade de outros intermediários em planos distintos. O indivíduo se encontrará diante de sua atividades através de uma mediação, desde que ele só pode se reconhecer nela através do que ela significa para a entidade que a controla. É somente neste último plano que se pode observar a formação e transformação dos intermediários na comunicação. Por exemplo, se se quer pensar a decomposição (evidente) da família contemporânea em termos "morais" (isto é, do que deve ser de acordo com os sentimentos e interesses psicológicos), vê-se que esta organização intermediária, a família, será objeto de discussões infindas, sem que com isto seja sequer localizada, isto é, que se torne objeto para o instrumento teórico que deve estudá-la. Se se toma sua estrutura e se estuda sua articulação e importância no modo de produção capitalista, vê-se porque está fadada a desaparecer, pelo menos no seu modo de existência atual. Sua função intermediária cambia à medida que se transformam o modo e as relações de produção capitalistas. Outros intermediários aparecem e a responsabilidade pública do indivíduo recai mais sobre sua classe social que sobre sua estrutura familiar.