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GA6T1:1-49 – Nietzsche citado por Heidegger

quarta-feira 28 de julho de 2021, por Cardoso de Castro

  

“Não quero persuadir ninguém a fazer filosofia: é necessário, talvez mesmo desejável, que o filósofo permaneça uma planta rara. Nada me é mais repulsivo do que o elogio pedagógico da filosofia, tal como o encontramos em Sêneca ou, pior, em Cícero. Filosofia tem pouco a ver com virtude. Seja-me permitido dizer que mesmo o homem de ciência é algo fundamentalmente diverso do filósofo. – O que desejo é: que o autêntico conceito de filosofia não pereça totalmente na Alemanha” (A vontade de poder, n. 420). [GA6T1:1]


“São os tempos de grande perigo em que os filósofos aparecem – então, quando a roda gira sempre mais rapidamente –, eles e a arte assumem o lugar do mito em extinção. Mas eles se projetam muito para frente porque só muito lentamente a atenção dos contemporâneos se volta para eles. Um povo consciente de seus riscos gera o gênio” (X, 112). [GA6T1:1]
“O pensamento abstrato é, para muitos, uma fadiga – para mim, em dias bons, ele é uma festa [Fest] e uma embriaguez [Rausch]” (XIV, 24). [GA6T1:4]
“Na festa estão incluídos: orgulho, insolência, efusividade; o escárnio quanto a todo tipo de seriedade e de filisteísmo; um divino dizer sim a si mesmo a partir de uma plenitude e de uma perfeição animais – todos os tipos de estados que o cristão não saberia sinceramente afirmar. A festa é paganismo por excelência” (A vontade de poder, n. 916). [GA6T1:4]
Em 7 de abril de 1884, Nietzsche   escreve para o seu amigo Franz Overbeck na Basileia:

“Nos últimos meses estive ocupado com a ‘história do mundo’ e encantado com ela, apesar de alguns resultados que me fizeram tremer de horror. Já lhe mostrei alguma vez a carta de Jacob Burckhardt   que me fez dar com o nariz na ‘história do mundo’? Caso vá para Sils-Maria no verão, quero fazer uma revisão de minha metafísica e de meus pontos de vista relativos à teoria do conhecimento. Preciso seguir passo a passo toda uma série de disciplinas, pois me decidi a empregar de agora em diante os próximos cinco anos de minha vida na elaboração de minha ‘filosofia’, para a qual construí uma antecâmara através de meu Zaratustra.” [GA6T1:9-10; GA6MAC  :9]


Por volta da metade de junho de 1884, Nietzsche escreve para a irmã:

“Portanto, a estrutura armada para a constituição de minha obra central deve ser erigida nesse verão; ou expresso de uma outra forma: quero traçar nos próximos meses o esquema para a minha filosofia e o plano para os próximos seis anos!” [GA6T1:10; GA6MAC:9]


Em 2 de setembro de 1884, Nietzsche escreve de Sils-Maria para o seu amigo e coadjutor Peter Gast:

“Além disso, terminei completamente a tarefa central que tinha estabelecido para mim neste verão – os próximos seis anos pertencerão à elaboração de um esquema com o auxílio do qual esbocei minha ‘filosofia’. Por enquanto, Zaratustra tem apenas o sentido totalmente pessoal de ser meu ‘livro de edificação e de reconforto’ – de resto, ele permanece obscuro, velado e risível para qualquer um.” [GA6T1:10-11; GA6MAC:10]


Em 2 de julho de 1885, ele escreve para Overbeck:

“Quase todos os dias passei duas ou três horas ditando. No entanto, minha ‘filosofia’, caso tenha o direito de chamar assim isso que me maltrata até as raízes de meu ser, não é mais comunicável, ao menos não sob a forma impressa.” [GA6T1:11; GA6MAC:10]


Em 2 de setembro de 1886, para a mãe e a irmã:

“Para os próximos quatro anos está anunciada a elaboração de uma obra capital em quatro volumes; o título por si só já é de meter medo: A vontade de poder. Tentativa de uma transvaloração de todos os valores. Tenho tudo o que é necessário para tanto: saúde, solidão, bom humor, talvez mesmo uma mulher.” [GA6T1:11; GA6MAC:10]


Além disso, Nietzsche escreve o seguinte em seu livro Para a genealogia da moral (III seção, n. 27), publicado em 1887:

“Quanto a esse ponto (à pergunta sobre a significação do ideal ascético), remeto a uma obra que estou agora preparando: A vontade de poder. Tentativa de uma transvaloração de todos os valores.” [GA6T1:11; GA6MAC:10]


Em 15 de setembro de 1887, ele escreve a Peter Gast:

“Dito sinceramente, fiquei saltando entre Veneza e Leipzig: dessa última cidade aproximei-me com fins eruditos, pois ainda me resta muito que aprender, que perguntar, que ler em relação ao programa capital de minha vida, um programa que tenho a partir de agora de concluir. Para tanto, porém, não precisaria apenas de um outono’, mas de todo um inverno na Alemanha: e, pesando todas as coisas, minha saúde me aconselha urgentemente a me afastar desse perigoso experimento por esse ano. Com isso, tudo se encaminha para Veneza e Nizza: e também, a julgar pelo que você mesmo deve tomar como aconselhável, parece agora mais urgente para mim experimentar um isolamento profundo comigo mesmo do que me entregar a pesquisas e investigações em relação a cinco mil problemas particulares.” [GA6T1:12; GA6MAC:11]


Em 20 de dezembro de 1887, ele envia uma carta a Carl v. Gersdorff:

“Em um sentido muito importante, minha vida se encontra justamente agora como em pleno meio-dia: uma porta se fecha, outra se abre. Tudo o que fiz nos últimos anos foi apenas desconto, ajuste, adição de coisas do passado. Acabei por ficar quite com os homens e com as coisas, passando um risco sobre eles. Quem e o que deve permanecer para mim, agora em que preciso me encaminhar para a coisa propriamente central de meu pensamento (estou condenado a uma tal travessia...)? Essa é uma pergunta capital. Pois, dito cá entre nós, a tensão em que vivo, a pressão de uma grande tarefa e de uma grande paixão é grande demais para que novos homens ainda pudessem se aproximar agora de mim. De fato, o deserto à minha volta é monstruoso; não suporto mais em verdade senão os totalmente estranhos e casuais, e, por outro lado, os que me são próximos há muito tempo, desde a infância. Todo o resto desmoronou ou mesmo foi rejeitado (houve quanto a esse ponto muitas coisas violentas e dolorosas – ).” [GA6T1:12; GA6MAC:11]


Quando a loucura se abate sobre Nietzsche nos primeiros dias de janeiro de 1889, no dia 4 de janeiro, ele escreveu como um último sinal ao amigo e coadjutor, o compositor Peter Gast, um cartão postal com o seguinte conteúdo:

“A meu maestro Pietro. Canta para mim uma nova canção: o mundo está transfigurado e todos os céus se alegram. O Crucificado.” [GA6:13; GA6MAC:11]


(A vontade de poder, n. 617): “Recapitulação: cunhar para o devir o caráter do ser – essa é a mais elevada vontade de poder!” Isso significa que o devir só é, quando ele é fundamentado no ser como ser: “Que tudo retorna é a aproximação mais extrema de um mundo do devir ao mundo do ser: – Ápice da consideração.” [GA6MAC:14]
“Nós, novos filósofos, porém, não começamos apenas com a apresentação da hierarquia factual e da diversidade de valor entre os homens, mas queremos mesmo precisamente o contrário de uma assimilação, de uma equalização: ensinamos a alienação em todos os sentidos, abrimos fendas, tal como nunca houve iguais, queremos que o homem se torne pior do que ele jamais foi. Por enquanto, nós mesmos ainda vivemos como estranhos uns para os outros, velados uns para os outros. Por muitas razões será necessário para nós que sejamos eremitas e mesmo que empunhemos máscaras – por conseguinte, não teremos muita habilidade em buscar os nossos iguais. Viveremos sós e provavelmente conheceremos os suplícios de todas as sete solidões. No entanto, se por acaso percorrermos os mesmos caminhos, então pode-se apostar que não nos reconheceremos e que nos enganaremos mutuamente” (A vontade de poder, n. 988). [GA6MAC:22]
Schopenhauer   interpretou a essência da arte como um “quietivo da vida” enquanto tal, o que aquieta a vida em sua miserabilidade e em seu sofrimento, o que suspende a vontade cujo ímpeto provoca justamente a miséria da existência. Nietzsche inverte Schopenhauer e diz: a arte é o “estimulante” da vida, algo que incita e eleva a vida. “O que eternamente impele à vida, à vida eterna...” (XIV, 370). “Estimulante” é a inversão evidente de “quietivo”. [GA6MAC:22]
À pergunta: O que é a verdade?, Nietzsche responde: “A verdade é um tipo de erro, sem o qual uma determinada espécie de ser vivo não poderia viver. O valor para a vida decide por fim” (A vontade de poder, n. 493). ‘“Verdade: segundo o meu modo de pensar, esse termo não designa necessariamente algo que se encontra em contradição com o erro. Ao contrário, ele não designa nos casos mais principiais senão uma posição de diversos erros uns em relação aos outros” (n. 535). Com certeza estaríamos pensando de maneira extremamente superficial se partíssemos de tais sentenças e concluíssemos: tudo o que é um erro é assumido por Nietzsche como verdadeiro. A sentença nietzschiana – a verdade é o erro e o erro é a verdade – só pode ser concebida a partir de sua posição fundamental ante o conjunto da filosofia ocidental desde Platão. Se compreendermos isso, então a sentença perde um pouco de seu tom de estranheza. O procedimento nietzschiano da inversão torna-se, por vezes, uma mania consciente, se não mesmo uma prova de mau gosto. Com relação ao ditado popular: “quem ri por último ri melhor”, ele diz na versão invertida (VIII, 67): “E quem hoje ri melhor também ri por último.” Em contraposição ao “não ver, mas assim mesmo crer”, ele nos fala de um “ver e, apesar disso, não crer”. Ele denomina essa capacidade “a primeira virtude do homem que conhece”, daquele para quem a “maior tentação” provém “do que salta aos olhos” (XII, 241). [GA6MAC:23]
Nietzsche diz: “Se a tirania dos valores até aqui é dessa maneira quebrada, se abolimos o ‘mundo verdadeiro’, então precisará seguir por si mesma uma nova ordem do mundo.” [GA6MAC:23]
Se, como o título diz, a obra como um todo trata da vontade de poder e se o terceiro livro deve trazer o princípio basilar e estruturador, então esse princípio não pode ser outro senão a nova instauração de valores. Como temos de compreender essa nova instauração de valores? Dissemos de maneira antecipadora: a vontade de poder denomina o caráter fundamental de todo ente; ela visa àquilo que perfaz no ente o que o ente propriamente é. Dessa forma, a reflexão decisiva de Nietzsche se desdobra da seguinte maneira: se tivermos de fixar o que propriamente deve ser e que, por conseguinte, precisa vir a ser, então este só pode se determinar se subsistir antes de mais nada verdade e clareza quanto ao que é e quanto ao que constitui o ser. De que outro modo poderia ser determinado o que deve ser?

No sentido dessa reflexão maximamente genérica, cuja sustentabilidade ainda permanece em aberto, Nietzsche diz: “Tarefa: ver as coisas tal como elas são!” (XII, 13). “Minha filosofia – retirar o homem da aparência, sem se importar com o risco que advém daí! Tampouco ter algum medo ante o perecimento da vida!” (XII, 18). E, por fim: “Porque vós mentis sobre o que é, não vos surge a sede pelo que deve vir a ser” (XII, 279). [GA6MAC:24-25]


A demonstração da vontade de poder como o caráter fundamental do ente deve afastar a mentira em meio à experiência e à interpretação do ente. Mas não apenas isso. Por meio daí também deve ser estabelecida a base a partir da qual a avaliação emerge e na qual ela precisa permanecer enraizada; pois a “vontade de poder” já é em si mesma um avaliar e um instaurar valores. Se o ente é concebido como vontade de poder, então um dever se torna supérfluo, um dever que precisaria ser primeiramente pendurado sobre o ente, para que o ente se medisse por ele. Se a vida mesma é vontade de poder, então ela mesma é o fundamento, o principium da instauração de valores. Então não é um dever que determina o ser, mas o ser que determina um dever. “Se falamos de valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesma nos obriga a instaurar valores; a vida mesma valora por meio de nós quando instauramos valores...” (VIII, 89). [GA6MAC:25]
Se a vontade de poder caracteriza o próprio ser, então não há mais nada como o que a vontade ainda pudesse ser determinada. Vontade é vontade. No entanto, essa determinação correta segundo a forma não diz mais nada. Essa determinação induz facilmente em erro, porquanto se acha que à palavra simples corresponde uma coisa igualmente simples.

É por isso que Nietzsche pode explicar: “Hoje sabemos que ela [a Vontade] é meramente uma palavra” (Crepúsculo dos ídolos, 1888, VIII, 80). A essa passagem corresponde uma asserção anterior do tempo de Assim falou Zaratustra: “Eu rio de vossa vontade livre e também de vossa vontade não livre: uma loucura é para mim o que vós chamais de vontade, não há nenhuma vontade” (XII, 267). É estranho que o pensador, para o qual o caráter fundamental de todo ente é a [30] vontade, profira tal sentença: “não há nenhuma vontade”. Todavia, Nietzsche tem em vista aqui que não há tal vontade que se conheceu e denominou até aqui uma faculdade da alma e uma aspiração em geral.

Não obstante, Nietzsche precisa dizer então reiteradamente o que é a vontade. Ele diz, por exemplo: a vontade é um “afeto”, a vontade é uma “paixão”, a vontade é um “sentimento”, a vontade é um “comando”. A caracterização da vontade como “afeto” e como coisas do gênero não fala, porém, a partir do âmbito da alma e dos estados anímicos? Afeto, paixão, sentimento e comando não são algo a cada vez diverso? Isso que é aqui aduzido para o esclarecimento da essência da vontade não precisa estar ele mesmo antes suficientemente claro? Ora, mas o que é mais obscuro do que a essência do afeto, da paixão e da diferença entre os dois? Como é que a vontade pode ser tudo isso ao mesmo tempo? É difícil suplantar essas questões e reservas ante a interpretação nietzschiana da essência da vontade. E, no entanto, elas talvez não toquem o que é efetivamente decisivo. Nietzsche mesmo acentua: “O querer parece-me antes de tudo algo complicado, algo que só é unidade como palavra – e justamente em uma palavra se esconde o preconceito popular, que se assenhorou do cuidado sempre muito diminuto dos filósofos” (Para além do bem e do mal, VII, 28). Nietzsche fala aqui antes de tudo contra Schopenhauer. De acordo com a opinião schopenhaueriana, a vontade é a coisa mais simples e mais conhecida do mundo. [GA6MAC:29-30]


Portanto, o termo “poder” nunca visa a um complemento da vontade, mas significa uma elucidação da essência da própria vontade. Somente quando se tiver esclarecido o conceito nietzschiano de vontade segundo esses aspectos, será possível compreender aquelas caracterizações com as quais Nietzsche procura frequentemente indicar o “caráter complicado” que está presente na simples palavra vontade. Ele denomina a vontade – com isso, a vontade de poder – um “afeto”; ele diz até mesmo (A vontade de poder, n. 688): “Minha teoria seria a seguinte: – a vontade de poder é a forma primitiva do afeto, todos os outros afetos não passam de configurações suas.” Nietzsche também denomina a vontade uma “paixão” ou um “sentimento”. Se se compreendem tais descrições como geralmente acontece, ou seja, a partir do campo de visão de nossa psicologia habitual, então se cai facilmente na tentação de dizer que Nietzsche transpõe a essência da vontade para o interior do “elemento emocional”, arrancando-a das más interpretações racionais que foram levadas a termo por meio do idealismo. [GA6MAC:33]
Como é possível supor, Nietzsche conhece a diferença entre o afeto e a paixão. Por volta de 1882, ele diz o seguinte sobre o seu tempo: “Nossa época é uma época agitada e, exatamente por isso, não é nenhuma época de paixão; ela se aquece continuamente porque sente a falta de calor – no fundo, está congelando. Não acredito na grandeza de todos esses grandes acontecimentos’ dos quais vós falais” (XII, 343). “Apesar de tudo isso, a época dos grandes acontecimentos será a época dos menores efeitos, uma vez que os homens são feitos de borracha e se mostram por demais elásticos.” “Agora, os eventos só se tornam ‘grandes’ por meio de um eco – o eco dos jornais” (XII, 344). [GA6MAC:37]
O próprio Nietzsche não se envergonha de tomar o querer simplesmente como sentimento: “Querer: um sentimento que compele, muito agradável! Ele é o epifenômeno de todo efluxo de força” (XIII, 159). Querer – um sentimento de prazer? “Prazer é apenas um sintoma do sentimento do poder alcançado, uma consciência da diferença – (- ele [o vivente] aspira ao prazer: mas o prazer entra em cena quando ele alcança isso a que aspira: o prazer acompanha, o prazer não mobiliza)” (688). De acordo com isso, a vontade é, então, apenas um “epifenômeno” do efluxo de força, um sentimento de prazer que acompanha? Como isso se coaduna com o que foi dito no todo sobre a essência da vontade, e, em particular, a partir da comparação com o afeto e com a paixão? Lá a vontade veio à tona como o que suporta e domina propriamente, como equivalente ao próprio assenhorear-se; agora ela precisa ser rebaixada ao nível de um sentimento de prazer que simplesmente acompanha algo diverso? [GA6MAC:39]
Querer é sentimento (um estado como um estar afinado). Na medida em que a vontade mesma tem, contudo, aquela pluralidade de figuras já indicada que é intrínseca ao querer-para-além-de-si; e na medida em que tudo isso se torna manifesto na totalidade, pode-se constatar o seguinte: na vontade esconde-se uma multiplicidade de sentimentos. É o que nos diz Nietzsche em Para além do bem e do mal:

“em todo querer há, primeiramente, uma multiplicidade de sentimentos: o sentimento de um estado do qual saímos, o sentimento de um estado para o qual tendemos, o sentimento dessa ‘saída’ e dessa ‘tendência’, então ainda um sentimento muscular paralelo que se coloca em jogo por meio de um tipo de hábito, mesmo quando não movemos ‘pernas e braços”’.

O fato de Nietzsche designar a vontade ora como afeto, ora como paixão, ora como sentimento significa: Nietzsche vê algo mais uniforme, mais originário e ao mesmo tempo mais rico por trás da palavra rudimentar “vontade”. Se ele denomina a vontade um afeto, então isso não é uma mera equiparação, mas uma caracterização da vontade em vista daquilo que distingue o afeto. O mesmo vale para os conceitos de paixão e sentimento. Precisamos prosseguir e inverter o estado de coisas. O que se conhece de outro modo como afeto, paixão e sentimento é, para Nietzsche, no fundo de sua essência, vontade de poder. Assim, ele toma “a alegria” (normalmente um afeto) como um “sentir-se-mais-forte”, como um sentimento inerente ao ser-para-além-de-si e ao poder-para-além-de-si:

“Sentir-se mais forte – ou, expresso de outra maneira: a alegria – sempre pressupõe uma comparação (mas não necessariamente uma comparação com outros, senão consigo mesmo, em meio a um estado de crescimento e sem que se saiba de antemão até que ponto se está comparando – )” (Vontade de poder, 917). [GA6MAC:42-43]


“Assim como o sentir, e, em verdade, o sentir multifacetado, precisa ser reconhecido como um ingrediente da vontade, o pensamento também precisa ser reconhecido em um segundo momento: em todo ato de vontade há um pensamento que comanda. E não se deve acreditar na possibilidade de cindir esse pensamento do ‘querer’, como se a vontade então restasse!” (VII, 29). [GA6MAC:45]
Saber significa: abertura para o ser que é um querer – na linguagem de Nietzsche, um “afeto”. Nietzsche mesmo diz: “Querer é comandar: porém, comandar é um determinado afeto (esse afeto é uma repentina explosão de força) – tenso, claro, visar exclusivamente a uma coisa, a convicção mais íntima possível de sua superioridade, certeza de que é obedecido.” Ter em vista claramente uma única coisa, estar tensamente ligado a ela, tê-la exclusivamente em vista: o que seria isso senão manter uma coisa – no sentido mais estrito da palavra – diante de si, re-presentá-la; entendimento, contudo, diz Kant  , é a faculdade da representação. [GA6MAC:46]
Se levarmos em conta o que a palavra “vontade” deve denominar – a essência do ente mesmo –, então se torna compreensível o quão impotente precisa permanecer uma palavra tão isolada, mesmo se lhe é dada simultaneamente uma definição. É por isso que Nietzsche pode dizer:

“Vontade – eis aí uma suposição que não me explica mais nada. Para aquele que sabe, não há nenhuma vontade” (XII, 303). [GA6MAC:47]


Nietzsche diz em A vontade de poder (n. 702):

o que o homem quer, o que cada mais mínima parte de um organismo vivente quer é um plus de poder”.

[48] “Tomemos o exemplo mais simples, o exemplo da alimentação primitiva: o protoplasma estende seus pseudópodes para procurar por algo que se lhe contraponha – não por fome, mas por vontade de poder. Então, ele tenta superá-lo, apropriar-se dele, incorporá-lo: – O que se denomina alimentação’ é meramente um fenômeno secundário, uma aplicação prática daquela vontade originária de se tornar mais forte.” [GA6MAC:47-48]


Com isso, escreveu certa vez (Vontade de poder, n. 416):

“A significação da filosofia alemã (Hegel): elaborar um panteísmo no qual o mal, o erro e a dor não sejam experimentados como argumentos contra a divindade. Essa iniciativa grandiosa foi subvertida pelos poderes existentes (estado etc.), como se com isso se sancionasse a racionalidade do que está agora dominando.

Em contrapartida, Schopenhauer aparece como um homem-moral tenaz que, finalmente, para reter a sua avaliação moral, se transforma em negador-do-mundo. Finalmente se transforma em ‘místico?’ [GA6MAC:49]



Ver online : NIETZSCHE I [GA6.1]