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CEM: I.1 - ser humano

segunda-feira 3 de fevereiro de 2020, por Cardoso de Castro

  

Não é possível que um Código de Ética ao ser referir ao "ser humano" esteja indicando o corpo humano, ou até mesmo, a dualidade mente-corpo. A ética enquanto originária do "êthos" do pensamento grego antigo, exige enquanto seu significado de "morada do homem", outra apreensão do sentido de "ser" humano.

A questão do sentido do ser humano é tão evanescente quanto a do verbo/substantivo ser enquanto o que faz viger o “humano”. Quando digo “sou” o que exatamente estou dizendo? Aparentemente, algum sentido só se dá quando digo “sou fulano”, “sou isso”, “sou aquilo”, “sou o ente tal e tal”. Heidegger   tentou contornar este obstáculo de uma abstração absoluta que constitui o infinitivo “ser”, através de uma hermenêutica da facticidade [1]. Ou seja, uma interpretação, um relume de inteligibilidade, da ontologia de um fenômeno no coração da existência (Existenz). Existência, enquanto essência do ser-aí, tem como modalidade de ser, o “viver”. Um viver enquanto, sendo, ente, que é cada vez cada um de nós em um ter-de-ser em uma concomitância simultânea de actum e factum, o que Heidegger vai denominar “facticidade” (Fäktizitat). O sentido de ser humano é a facticidade, a concomitância simultânea de ato e fato, de agir e fazer, de praxis e poiein, em conciliação no ser-aí por sua arquiestrutura a cura [2] (Sorge). O ser humano, o ser para aquilo que, em sua liberdade dispõe poder-ser para suas possibilidades mais próprias, é um desempenho de conciliação pela cura, de praxis e poiein. Nos termos de Heidegger [3], “poiesis e praxis são duas possibilidades que, talvez, designem apenas dois modos de apropriação” do humano pelo "ser".


Ver online : Código de Ética Médica


[1ARJAKOVSKY et alii. Le Dictionnaire Martin Heidegger. Paris: CERF, 2013, p. 438

[2Parafraseando Heidegger (Ser e Tempo. Trad. Fausto Castilho. Campinas: UNICAMP, 2012, p. 539) cura é ser-adiantado-em-relação-a-si enquanto ato e fato dado em ser-junto-ao-ente-do-interior-do-mundo que comparece, que vem-ao-encontro. Cura é conciliação de ato e fato, de si e mundo.

[3Basic Concepts of Aristotelian Philosophy. Bloomington: Indiana University Press, 2009, p. 127