Vocativos

(Eugen Rosenstock-Huessy, Huessy2002)

O papel do vocativo é tão pouco entendido hoje quanto o do imperativo. Poucas pessoas prestam atenção ao fato de que todas as línguas têm vocativos especiais. Estou quase convicto de que nossas formas Nick, Jack, Jim são vocativos ao menos parcialmente genuínos. Mas essas formas são classificadas por nossas gramáticas e dicionários como “diminutivos”, “apelidos”, “apelativos graciosos”. Suprime-se-nos, assim, o entendimento do vocativo como necessidade universal. Ele passa a parecer mero acidente ou luxo da linguagem. Não é verdade. Qualquer vocativo mostra a fala em seu estádio criativo, porque a princípio falamos não de coisas mortas, mas para pessoas vivas. Todo o mundo linguístico da filologia considerava normal começar a análise da linguagem por frases como “Zeus chove” ou “o sol brilha” ou “os soldados marcham”, ou, ainda pior, pelos nominativos Zeus, o sol, os soldados. O Crátilo de Platão é um triste modelo dessa abordagem chã da linguagem. Que o autor desse diálogo possa ser considerado o santo padroeiro da escola de artes liberais é já um mistério. Platão certamente perdera o contato com seu povo, pois a primeira atitude deste não era falar no nominativo, mas gritar: “Envia-nos chuva, ó Zeus!”

[…]

Em nossa gramática, arrolam-se os vocativos. Diz-se que os nomes de pessoas a que nos dirigimos se incluem nesse “caso”. Mas a oscilação entre os termos invocar, chamar, vocativo e apelação, endereço ou nome próprio para esse ato central já revela certa insegurança. Ademais, mantém-se o termo “invocação” apartado de “vocativo” e “apelativo”. Mas vocativo, invocação e apelação pertencem-se necessariamente uns aos outros. O falante projeta-se a si mesmo para eles. Encontramo-nos em nossos vocativos. Assim como a mãe se torna mãe chamando o nome do filho, nós nos tornamos oficiais ao chamar nossos soldados, chefes ao chamar nossos operários, professores ao chamar nossos alunos. Os vocativos fazem algo aos falantes: trazem-nos para fora. Os vocativos são nossa e vêm antes dos nominativos, não importa o que digam os gramáticos.

 

 

 

 

 

 

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