(VallinEI)
A) Individualidade objetiva e fenômeno. O estatuto da individualidade no nível da ontologia mecanicista (cont.)
1) Individualidade, essência e fenômeno no nível das ciências físico-químicas (macrofísica clássica)
a) O fenômeno como propriedade e o problema da individuação no espaço (cont.)
Em que consiste, então, precisamente, a individuação inerente ao fenômeno ou, mais especificamente, à propriedade enquanto manifestação ou “existencialização” da essência objetiva? O fenômeno concebido como propriedade, e não como modificação, é uma atualização da essência no plano do espaço. A propriedade, enquanto percebida empiricamente, se desdobra em uma porção de espaço definida por certos limites. No entanto, é importante esclarecer que os limites espaciais que determinam a individuação da propriedade-fenômeno operam essa individuação secundária, por assim dizer, apenas em função de uma individuação mais fundamental que afeta o fenômeno-substância ou o fenômeno-estrutura que serve de suporte para a propriedade. Tal propriedade (como uma cor específica, por exemplo) é uma propriedade determinada e atualmente observada apenas porque pertence a um objeto determinado, cuja individualidade também repousa, como já observamos em nossa descrição geral da estrutura lógica, na atualização de uma essência objetiva. A encarnação espacializante da propriedade está ligada à encarnação espacializante do objeto ao qual ela é atribuída (seja qual for a natureza, forma, estrutura etc. desse objeto). Se tal vermelho observado pode aparecer como um exemplar da essência objetiva do vermelho, é porque ele é atribuído a um objeto determinado que é a atualização de uma essência “substancial” e que concerne a algo como uma realidade relativamente independente e existente “por si mesma”. Mas, se é por sua pertença ao objeto que a propriedade se desdobra no espaço, é importante notar que sua individuação se refere não apenas ao espaço, mas, mais profundamente, ao número. O espaço e o número são as duas condições fundamentais da individuação da essência objetiva em fenômeno-propriedade. Já podemos observar, para evitar uma separação muito artificial entre o fenômeno-propriedade e o fenômeno-modificação, que é por meio do número que se efetua a passagem de um para o outro; pois a unidade numérica que afeta tal fenômeno se refere tanto à multiplicidade atual dos exemplares de uma mesma essência no espaço quanto à sua possível multiplicação no tempo.
O espaço é um princípio efetivo de individuação apenas pela mediação do número, que se revela o modo fundamental da quantidade. A homogeneidade e a continuidade amorfa do espaço só adquirem determinação pelo desdobramento de uma essência que se atualiza em uma porção de espaço a partir de um ponto determinado, que é posto como numericamente distinto de outro. Uma porção de espaço exclui outra porção de espaço (partes extra partes) apenas pela mediação da distância mensurável que separa dois pontos numericamente distintos. É a medida resultante da aplicação do número, ou seja, da quantidade descontínua ao espaço ou quantidade contínua, que torna possível a individualização no espaço de toda realidade sensível ou corpórea, ou seja, do fenômeno em todos os sentidos que se pode reconhecer nessa palavra. Mais profundamente, pode-se dizer que o espaço, enquanto referido a uma realidade concreta, não como quantidade amorfa e abstrata, deve ser posto como se desdobrando a partir de um ponto que, ele mesmo, não está no espaço, mas o engendra, sendo que cada um dos pontos que se pode determinar no espaço pode indiferentemente desempenhar esse papel de centro gerador.
A possibilidade da individuação de um fenômeno no espaço está evidentemente ligada à consideração de um ponto cuja existência sozinha pode justificar a medida, ou seja, a aplicação do número inteiro ou descontínuo à continuidade amorfa do espaço. O que traz, portanto, a determinação individualizante é algo como um centro não material, inobservável, em via de manifestação ou atualização, uma espécie de quarta dimensão transespacial que justifica a expansão das três dimensões constitutivas do próprio espaço.
Situar um ponto qualquer no espaço implica a referência a essa profundidade transespacial que só pode explicar a imbricação recíproca dos dois modos da quantidade que torna possível a medida sobre a qual se fundará a ciência em geral e a ontologia mecanicista em particular.
Um ponto em si mesmo só pode ter valor de individualidade na medida em que está ao mesmo tempo dentro e fora do espaço. Um corpo que estivesse apenas no espaço nunca poderia ser rigorosamente individualizado; pois não poderia participar do número.
Uma porção de espaço só pode ser medida na medida em que é unificada e limitada por um ato que sobrevoa, por assim dizer, a multiplicidade amorfa que lhe é inerente: aplicar uma unidade de medida a uma porção de espaço para medir o número de unidades que ela contém implica um sobrevoo que, necessariamente realizado pela subjetividade conhecedora e encarnada, pode ser ignorado pelo físico mecanicista pouco familiarizado com as sutilezas da reflexão sobre si mesmo. A força espiritual da subjetividade conhecedora é o mínimo indispensável para a medida do espaço pelo número. A aplicação arbitrária de unidades quaisquer de medida não implica, de fato, a referência a uma espécie de centro espiritual objetivo, mas é importante notar que o esquema fundamental permanece o mesmo quando se passa à consideração de unidades físicas reais se desdobrando no espaço (organismos, átomos, moléculas etc.).
Trata-se sempre do desdobramento do espaço a partir de um ponto determinado que é sempre o análogo do centro espiritual de minha subjetividade encarnada, por cuja expansão se constitui o espaço em geral. O espaço, aliás, só pode passar por uma continuidade amorfa pelo esquecimento quase natural da pressuposição necessária de sua gênese constituinte a partir da subjetividade encarnada. Ele está sempre, desde já, estruturado devido à sua necessária referência a esta última.
A porção de espaço na qual se manifesta, por exemplo, uma propriedade como a cor só pode, portanto, ser individualizada e distinguida de outra porção de espaço graças ao limite introduzido pelo número. A introdução do número em si implica ou a simples referência à subjetividade conhecedora e encarnada — quando se trata da abstração da realidade geométrica — ou a dupla referência à subjetividade conhecedora e a uma essência objetiva em geral, quando se trata do espaço de um corpo real concreto e observável.
O “fenômeno-propriedade” só é, portanto, individualizado por sua pertença a um centro transespacial que funda tanto sua unidade quanto seus limites. Perceber tal cor em um local bem definido no espaço (a cor verde deste caderno que está aqui) supõe a inserção dessa cor em um objeto numericamente distinto de outro. A medida numérica só pode ser aplicada ao fenômeno-propriedade que se desdobra no espaço por referência ao centro transespacial que faz o espaço do corpo ao qual essa propriedade é atribuída se desdobrar.
Observemos, além disso, que se essa individualização pelo número introduz no espaço uma descontinuidade e uma certa estrutura que se opõe à homogeneidade da “substância estendida” amorfa, ela constitui, sem dúvida, o que se poderia chamar de individualização mínima, pois tal qualidade-fenômeno, enquanto percebida, só se distingue de uma qualidade análoga solo numero, como diz Leibniz, ou seja, essa distinção puramente quantitativa repousa sobre uma identidade qualitativa.