Vallin (EI:139-141) – O problema da individualidade no nível da esfera objetivante

(VallinEI)

Individualidade e pessoa humana

Conhecimento do homem: Espécie, coletividade e devir humano

1) O privilégio da subjetividade humana: personalidade e historicidade “objetivantes”

Observamos que a subjetividade conhecedora se identifica com a essência específica do homem, cujo privilégio consiste, antes de tudo, na possibilidade de um autoconhecimento. É, aliás, para essa subjetividade que as essências individualizadas se revelam com seus caracteres particulares, e é por meio dessa mesma subjetividade encarnada que essas essências são visadas como significações imanentes ao universo espaço-temporal.

A consciência de si não é, evidentemente, um simples retorno a uma subjetividade vazia, indeterminada e separada do mundo. No âmbito da esfera objetivante, a subjetividade conhecedora se apreende tanto como a origem das significações cósmicas que desvela e constitui quanto como parte das essências encarnadas no universo. Ela não está separada do mundo, mas engajada nele. A “Personalidade”, pela qual se costuma caracterizar o “Homem” em oposição aos outros “seres” biológicos ou físicos, reside aqui, antes de tudo, nessa situação ambígua: o Homem faz parte do mundo, ele se descobre, ao término de uma investigação de ordem biológica, como o último dos seres produzidos pela evolução cósmica, mas, ao mesmo tempo, ele sobrevoa — não apenas, como as outras essências, a multiplicidade dos indivíduos nos quais se encarna e a multiplicidade dos instantes de seu devir —, mas a totalidade das outras essências e das totalidades de um mundo no qual ele está engajado e sem o qual é incapaz de pensar e apreender a si mesmo.

A justificação da “pessoa humana”, em oposição ao indivíduo biológico, está, portanto, intimamente ligada, no âmbito da esfera objetivante, ao seu sobrevoo consciente da totalidade, pelo menos teórica, das essências e do mundo, e à sua inserção em uma totalidade concreta que é ela mesma uma “parte” do mundo. A diferença entre o indivíduo e a pessoa não se traduz aqui por uma tomada de consciência da irredutibilidade de cada “alma humana”, que seria dotada de um destino rigorosamente individual, ao mesmo tempo cósmico e supracósmico, mas pelo fato de que a “essência-humanidade” — ou melhor, a subjetividade humana — toma consciência de si mesma enquanto se encarna em individualidades bio-sociológicas, à semelhança de outras “essências” biológicas, e enquanto realiza seu destino em um devir que diz respeito a coletividades humanas. Essas coletividades são, em certo sentido, análogas às coletividades animais; mas apenas em certo sentido, pois a diferença mais notável que o “conhecimento objetivante” é capaz de discernir entre a individualidade na qual se encarnam as essências específicas não humanas e a individualidade na qual se encarna a subjetividade humana consiste talvez, além do autoconhecimento, no aspecto histórico desse devir, no caráter não fechado das totalidades nas quais ele se realiza. A diferença não reside em uma individuação mais rigorosa do devir, pois trata-se sempre do devir da essência específica enquanto se encarna em indivíduos e coletividades. Como foi muitas vezes [141] destacado — e especialmente por Hegel1 —, essa diferença se traduz principalmente pelo caráter histórico e progressivo ligado à maior plasticidade da essência humana, que se opõe ao caráter mais2 circular do devir biológico em geral.

A historicidade do devir, que caracteriza a humanidade enquanto essência específica encarnada em indivíduos integrados em coletividades, implica, na perspectiva objetivante, que a subjetividade humana, ao contrário das essências que ela desvela no mundo, não é uma quase entidade fechada na perfeição de sua essência: enquanto os seres biológicos3 aparecem como a encarnação de uma essência nitidamente determinada e praticamente imutável, cujo devir temporal serve apenas para manifestar seu conteúdo, parece que a temporalidade é como constitutiva da própria essência da realidade humana. Esta, ao contrário das outras essências encarnadas, revela-se capaz de um autoconhecimento, mas o próprio objeto desse conhecimento é modificado pelo tempo que ela cria ao mesmo tempo que ele a cria, devido ao seu modo de ser fundamental. Ela, que desvela o sentido de todas as essências que se encarnam no mundo, nunca pode apreender de imediato o sentido de sua própria essência — ou melhor, só o apreende ao criá-lo, em certa medida, ao longo de um devir que lhe revela progressivamente as possibilidades que ela mesma continha, na infinita diversidade dos planos aos quais se articula sua atividade (teórica, ética, cultural, política, etc.).

É assim que se manifesta, no âmbito da esfera lógica, o caráter de liberdade inerente à Pessoa humana. Teremos de precisar mais adiante os aspectos que revestem a Personalidade e a Liberdade humana no âmbito da esfera objetivante. Mas, antes, é necessário examinar mais de perto o conteúdo objetivo do conhecimento humano em suas relações com a individualidade em um duplo plano:

a) O de sua encarnação espacial nessas “totalidades cósmicas” que constituem as coletividades humanas;
b) O de sua manifestação temporal, onde se traduz a aventura da realidade humana através das vicissitudes históricas dessas diversas coletividades.


  1. Morceaux choisis, Gallimard, p. 218. 

  2. O “fato” ou, melhor, a “hipótese” de uma evolução da espécie se apagando praticamente diante de sua permanência

  3. Os “seres”, não esqueçamos, são aqui as essências específicas enquanto atualizadas pelos indivíduos e pelas coletividades biológicas, e não os indivíduos considerados em si mesmos. 

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