(VallinEI)
A perspectiva metafísica e o princípio de individuação (cont.)
B) A imanência do Absoluto metafísico e a origem da negação. Significação e justificação metafísicas da “individuação pela matéria” (cont.)
1. O aspecto positivo da individuação de exterioridade. A “Matéria inteligível”. (cont.)
Para que o Ser seja verdadeiramente, é necessário que o não-Ser também seja, de certa maneira. Essa é a chave paradoxal da perspectiva metafísica. Se o não-ser não fosse, se não participasse do ser, estaria fora do ser, colocando-se, por assim dizer, fora do ser, limitando, assim, sua plenitude infinita.
O não-metafísico, devido à sua fixação dogmática em uma ideia incompleta do Ser ou do Absoluto, acaba limitando praticamente a Infinitude do Princípio que ele acreditava, ao contrário, justificar e proteger por sua “negação” do “não-ser” 1. A aplicação rigorosa do princípio de identidade e da dialética apofática implica, portanto, uma superação aparente do princípio de não-contradição e a aplicação de uma dialética antinômica. A aparente negação do Absoluto é necessária para preservar a realidade de sua Transcendência, para evitar chegar a uma Transcendência abstrata, ou seja, separada daquilo que ela nega. É preciso que Deus afirme, por assim dizer, o mundo ao se negar a si mesmo, para não ser limitado pela ausência de sua própria negação. A Transcendência só pode ser absoluta ou radical se for, correlativamente, mas em outro plano, imanência absoluta ou integral 2.
A “necessidade” dessa “negação” não implica nenhuma limitação no Absoluto, como imagina a ontologia passional da perspectiva religiosa: a necessidade coincide rigorosamente aqui com a liberdade 3; a imanência do Absoluto é rigorosamente idêntica à sua Transcendência. Em outras palavras, a Transcendência verdadeira do Absoluto, que implica como uma “consequência necessária” 4 sua imanência absoluta, exige a doutrina metafísica da Ilusão cósmica, da Maya vedantica, da Alteridade ou da Matéria inteligível do neoplatonismo. A superabundância infinita do Absoluto “exige” sua manifestação (assim como Spinoza percebeu bem, mas em uma ótica muito diferente, que não preservava realmente a Transcendência divina). Mas a manifestação inteira não apenas não é rigorosamente nada fora do Infinito (Spinoza dirá que os modos existem realmente apenas em Deus), mas não é rigorosamente nada além do próprio Infinito 5. A manifestação consequente à “negação” do Absoluto constitui apenas uma negação ilusória, cujo sentido é importante determinar bem. Ilusório não significa “irreal”. Maya ou a Alteridade ou a matéria inteligível não é irreal na medida em que não é diferente do Absoluto (Shankara), na medida em que participa do Ser (Platão).
Se ela não fosse, ou seja, se fosse “irreal”, se não participasse do ser, permaneceria fora dele, separada dele, e seria, portanto, em certo sentido, muito mais “real” do que ao ser posta como “ilusória”. Não diferente do Absoluto, a Matéria inteligível também não lhe é idêntica, nos diz Shankara.
Sua identidade 6 com o Absoluto preserva a afirmação da infinita plenitude deste último. Sua não-identidade, paradoxalmente identificada à sua identidade com ele, preserva o caráter da Transcendência do Absoluto. Ao se manifestar, o Absoluto não sai verdadeiramente de si mesmo, ou mais profundamente, o “mundo”, ao ser manifestado, não apenas não “sai” verdadeiramente de Deus 7 mas nunca deixa de lhe ser efetiva ou essencialmente idêntico.
É essa identidade metafísica rigorosa entre o Absoluto e o manifestado que, longe de reduzir o manifestado ao nada, confere-lhe, ao contrário, toda a realidade de que é capaz.
A negatividade está, portanto, enraizada no Absoluto, mas não é sua essência 8. Ela procede misteriosamente de sua infinita plenitude, mas sem alterar esta última.
- É pelo menos curioso notar, a esse respeito, que Parmênides, apesar de seu “Eleatismo”, está mais próximo de Aristóteles do que de Platão. Seu monismo teórico é um dualismo de fato, como o de Aristóteles. Platão não é nada menos que “dualista”, a não ser por razões de metodologia espiritual.[↩]
- Essa coincidência dos opostos é a marca mesma do verdadeiro Infinito, do Infinito metafísico. Se ela ultrapassa a razão, é da mesma maneira que o Absoluto transcende concretamente a manifestação, não a excluindo, mas a integrando.[↩]
- Necessidade e contingência são categorias que são antinomicamente superadas no nível do Absoluto metafísico: o “necessitarismo” massivo e dogmático do vocabulário spinozista justificava a afirmação não menos passional e dogmática da “liberdade” divina entre seus adversários “criacionistas”.[↩]
- Trata-se aqui do que se poderia chamar de uma necessidade de perfeição.[↩]
- Poder-se-ia mostrar como a teoria emanatista de Spinoza introduz em Deus uma limitação análoga à que ele reprovava no criacionismo. Do ponto de vista da perspectiva metafísica, a oposição não é entre Monismo e Dualismo, mas entre não-dualismo metafísico e ontoteologia dogmática (Aristóteles, São Tomás, Spinoza).[↩]
- Expressa na forma mais rigorosa que convém à “teologia negativa” da perspectiva metafísica, ou seja, o apofatismo ligado ao antinomismo (nem diferente, nem não-diferente).[↩]
- O emanatismo se aproxima, nesse aspecto, da limitação do criacionismo.[↩]
- Cf. Plotino, Enéadas, II, 4, 5: “Não que essa indefinição esteja no Uno, mas ele a cria.”[↩]