Vallin (EI:10-12) – A perspectiva metafísica e a superação do panteísmo

A perspectiva metafísica e o princípio de individuação (cont.)

B) A imanência do Absoluto metafísico e a origem da negação. Significação e justificação metafísicas da “individuação pela matéria”

1. O aspecto positivo da individuação de exterioridade. A “Matéria inteligível”.

A perspectiva metafísica distingue-se pelo rigor de sua concepção do Absoluto e das conclusões que dela extrai 1. Acabamos de ter um exemplo disso com sua concepção radical da negação. Encontraremos outro em sua concepção da própria origem da negação, que é apenas uma consequência rigorosa da Transcendência absoluta ou da Infinitude do Princípio.

O Absoluto não seria verdadeiramente absoluto se deixasse o relativo fora de si. E Hegel compreendeu isso bem, ao fazer do “negativo” a essência mesma do Absoluto ou do “Espírito”. A perspectiva metafísica não faz dele a essência mesma, mas uma consequência necessária. Essa distinção é capital. O Absoluto que se “negará” na manifestação não deixará, por isso, de permanecer o Absoluto tal como o descrevemos, ou seja, a plenitude infinita e supra-atual do real. A negação, ou seja, a limitação em virtude da qual a relatividade e a multiplicidade podem se manifestar, é posterior e subordinada ao Absoluto, sem introduzir em sua essência o menor traço de dualidade. Veremos em que sentido se pode dizer que a negação tem sua origem no Absoluto concebido no extremo rigor de sua noção metafísica, ao abordar um segundo aspecto da dialética propriamente metafísica, a saber, seu aspecto antinômico, ou seu “antinomismo”, que consiste em uma superação do princípio de não-contradição. A negação ou a transascendência que leva à plenitude do Si ou do Uno é correlativa à aplicação rigorosa do princípio de identidade, enquanto considerado sob seu aspecto “ontológico”. Sabe-se, aliás, da aplicação que Parmênides fez dele. O Ser é, o não-Ser não é. O metafísico vedantico ou neoplatônico não diz outra coisa. Mas ele o diz de maneira mais profunda. Pois o Uno de Parmênides permanece fixo em sua transcendência, como o Deus de Aristóteles. A negação que conduz a afirmar que apenas “o Uno é” e que “o não-Ser não é” permanece, no final, abstrata: ela resulta em colocar o mundo fora do Uno, deixando, por assim dizer, fora do Uno sua própria negação, e limitando-o, assim, pela ausência desta última. Pode-se louvar Platão pelo parricídio de Parmênides. Mas ainda é preciso compreender em que sentido ele o “matou”, ou seja, superou o princípio de não-contradição.

Acreditamos que ele o superou não porque era mais “físico” ou mais “poeta”, ou seja, mais apegado ao Múltiplo, à infinita diversidade do real, mas porque era mais profundamente metafísico, no sentido rigoroso que damos a esse termo. O gênio de Platão não é tanto ter introduzido a “vida” e o “movimento” no coração das Ideias 2 quanto ter conservado simultaneamente a imobilidade e o movimento. A Ideia, embora eternamente atual, “se move”, e o mundo pode “participar” de seu esplendor graças a esse movimento, que não acrescenta rigorosamente nada à sua plenitude atual. É porque a Ideia é verdadeiramente transcendente que ela é também, correlativamente, radicalmente imanente. O que é verdadeiro para a Ideia o é, a fortiori, para o Uno ou para o Si.

Ser e Não-Ser

Generalização metafísica do princípio de individuação pela matéria

  1. Mostramos em outro lugar como esse extremo rigor se alia a uma ausência de dogmatismo. A perspectiva metafísica não é um sistema. Isso é o que nos parece distinguir profundamente Platão, Plotino ou Shankara de um filósofo como Spinoza, que, no entanto, se aproxima de sua perspectiva por muitos aspectos de seu sistema.[]
  2. Hegel o fez com mais audácia, mas com menos sutileza do que o metafísico “puro”.[]

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