A ética é um meio, e não um fim em si mesmo, disse um político acusado de corrupção. Vale explorar mais a afirmação.
Num sentido muito trivial, ela está correta. Exceto por alguns kantianos patológicos, ninguém sustenta que a ética é a meta final da humanidade. As pessoas costumam escolher outros objetivos para dar significado às suas existências, como a salvação, no caso de religiosos, ou apenas viver uma boa vida, como preferimos os incréus.
É preciso, porém, cautela ao reduzir a ética a um instrumento. Mesmo filósofos consequencialistas, que utilizam resultados práticos, e não princípios abstratos, como critério para julgar escolhas, vêm se tornando cada vez mais cuidadosos. Em suas formulações mais modernas, éticas consequencialistas já não sustentam que o indivíduo deve decidir cada um de seus atos avaliando os resultados esperados. Além de jamais termos acesso a todas as informações relevantes para fazer as contas, somos preguiçosos demais para nos engajar em reflexões complexas diante de escolhas às vezes banais.
É por isso que ganhou espaço o chamado consequencialismo das regras. Em vez de calcular o resultado de cada ação, nós o fazemos em relação a regras. Em vez de elucubrar se, assassinando um notório criminoso, produzirei bem-estar para o mundo, devo me perguntar se a adesão à norma “não matarás” resulta em maior ou menor felicidade geral, devendo assim ser acatada ou rejeitada.
O bacana no consequencialismo de regras é que ele reduz um pouco o vale-tudo das formas mais clássicas, conservando o pé na terra que éticas principistas muitas vezes ignoram.
A ética pode ser meio, mas é um muito especial, que precisa ser tratado com cuidado para não conspurcar os próprios fins aos quais serviria de instrumento.
(SCHWARTSMAN, Hélio. Pensando bem… um olhar original a respeito de liberdade, religião, história, política, violência, comportamento, educação, ciência. São Paulo: Editora Contexto, 2016 (epub))