Através dos seus grandes planos, de sua ênfase sobre os pormenores ocultos dos objetos que nos são familiares, e de sua investigação dos ambientes mais vulgares sob a direção genial da objetiva, […] faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que determinam nossa existência, e por outro assegura-nos um grande e insuspeitado espaço de liberdade. Nossos cafés e nossas ruas, nossos escritórios e nossos quartos alugados, nossas estações e nossas fábricas pareciam aprisionar-nos inapelavelmente. Veio então o cinema, que fez explodir esse universo carcerário coma dinamite dos seus décimos de segundo. […] Se levarmos em conta as perigosas tensões que a tecnização, com todas as suas consequências, engendrou nas massas — tensões que em estágios críticos assumem um caráter psicótico —, percebemos que essa mesma tecnização abriu a possibilidade de uma imunização contra tais psicoses de massa através de certos filmes, capazes de impedir, pelo desenvolvimento artificial de fantasias sadomasoquistas, seu amadurecimento natural e perigoso. À hilaridade coletiva representa a eclosão precoce e saudável dessa psicose de massa. Os filmes grotescos dos Estados Unidos […] produzem uma explosão terapêutica do inconsciente.
(BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, p. 204-205.)