- Jussara Simões
- Original
Jussara Simões
(…) o homem é, em suas ações e práticas, bem como em suas ficções, essencialmente um animal contador de histórias. Não é, em essência, mas se torna no decorrer de sua história, um contador de histórias que aspiram à verdade. Mas a questão principal não é sobre sua própria autoria; só posso responder a pergunta “O que devo fazer?” se souber responder a pergunta “De que história ou histórias estou fazendo parte?” Isto é, ingressamos na sociedade humana com um ou mais papéis a nós atribuídos — papéis para os quais fomos recrutados – e temos de aprender o que são para poder entender como os outros reagem a nós e como nossas reações a eles poderão ser interpretadas. E ouvindo histórias sobre madrastas malvadas, crianças perdidas, reis bons, porém imprudentes, lobos que amamentam gêmeos, filhos caçulas que não recebem herança, mas precisam vencer na vida e filhos mais velhos que desperdiçam sua herança numa vida desregrada e vão para o exílio viver com porcos, que as crianças aprendem ou aprendem equivocadamente o que é um filho e o que é um pai, qual pode ser o elenco da peça dentro da qual nasceram e como é o mundo lá fora. Privar as crianças dessas histórias é deixá-las sem script, ansiosas, hesitantes tanto nas ações quanto nas palavras. Por conseguinte, não há como nos oferecer entendimento de sociedade nenhuma, inclusive da nossa, a não ser por intermédio do estoque de histórias que constituem seus primeiros recursos dramáticos. A mitologia, em seu sentido original, está no âmago de tudo. Vico estava certo e Joyce também. E também, é claro, a tradição moral das sociedades heroicas para seus herdeiros medievais, segundo os quais contar histórias tem papel fundamental na nossa educação para as virtudes.