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ethos (Caeiro)
domingo 1º de setembro de 2024
A problematização do acesso ao bem é, como vimos, central e decisiva em Platão. O seu esforço vai no sentido de tematizar uma perspectiva que torne possível a constituição de uma perícia a partir da qual se possa identificar o alvo que, tido em vista, nos permite interpretar os fenômenos patológicos nos seus limites prazer e sofrimento . Ao ter em vista um tal alvo , é possível interrogar as movimentações determinadas pela estrutura patológica, e não ficar apenas sob a sua ação. Isto é, indo para além da mera reação espontânea de fuga ou de perversão , a perícia que tem em vista o alvo «viver bem» é responsável pela nossa libertação do instante patológico para a liberdade de escolhermos a direção da nossa ação, tendo em vista o seu autêntico sentido. A liberdade de escolha significa abertura à possibilidade de ação, e, assim, do sentido do modo como se deve viver.
É nesse esforço de tematização que de uma forma concomitante se procura determinar o sentido da excelência especificamente humana. O núcleo que, uma vez desvirtuado, provoca uma desordem generalizada.
Mas esse motivo antropológico que está na origem da pergunta platônica pela excelência (arete) deixa de ter um papel preponderante. A perda ou o ganho dessa possibilidade influencia o modo como se experimenta a totalidade dos entes no seu todo e cada um na sua individualidade. A pergunta que se faz incide sobre o sentido (logos) e forma de manifestação fundamental de cada coisa. Ou seja, o que passa a ser problemático é o sentido da estrutura organizativa e intrinsecamente constitutiva (taxis) de cada coisa e de tudo em geral.
Aristóteles visa reconduzir a pergunta pela excelência (arete) ao horizonte especificamente humano. O ponto de partida é o pressuposto segundo o qual a forma de acesso a essa possibilidade radica numa forma de desocultação especificamente humana.
Se em Platão é verdade que a pergunta pela excelência (arete) leva a uma descoberta do horizonte da situação humana (praxis), como um novo campo de investigação em contraposição ao horizonte tradicional da investigação filosófica pré-socrática, a natureza (physis), por outro lado, a pergunta pelo estatuto da organização (taxis) traz consigo um esbatimento dos contornos horizontais natureza-situação humana (physis-praxis), resultado da exigência de uma forma de acesso ao sentido dos entes em geral, reduzidos ao estatuto de um aspecto essencial (eidos). Isto é, independentemente de se tematizar o horizonte da situação humana (praxis) ou o da natureza (physis), procura perceber-se o modo como se pode ter acesso a temas que são aspectos (eide) ou manifestações (ideai)?
A pergunta pela natureza (physis) ou pela possibilidade extrema da situação humana (praxis), pela excelência (arete), passa a incidir sobre o estatuto do modo de desocultação do ente (aletheia tou ontos) em contraposição ao carácter enganador da aparição (pseudos tou phainomenou). Com Aristóteles, a pergunta pela excelência (arete) passa a platonizar-se, se assim se pode dizer, ao ser reconduzida ao horizonte do carácter (êthos) do humano. Qual é, então, a especificação de sentido que passa a ser experimentado pelos empreendimentos de Aristóteles? De que forma é que a pergunta pelo bem deixa de ser uma pergunta pelo sentido ontológico do ser enquanto ser e passa a experimentar um interesse antropológico ou ético? (2002, p. 276-277)
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