É a sociedade que traça para o indivíduo o programa de sua existência cotidiana. Não se pode viver em família, exercer a profissão, ocupar-se dos milhares de coisas da vida diária, fazer compras, andar pela rua ou mesmo ficar em casa, sem obedecer a prescrições e curvar-se a obrigações. Uma alternativa impõe-se a todo momento; optamos naturalmente pela que se ajusta à norma. Mal temos consciência disso; não fazemos esforço algum para isso. A sociedade traçou um itinerário; encontramo-lo aberto diante de nós e o seguimos, é preciso mais iniciativa para ir além disso. Assim compreendido, o dever é cumprido quase sempre automaticamente; e a obediência ao dever, se nos ativermos ao caso mais frequente, se definiría como um ir a esmo ou um desleixo. Donde vem, pois, que essa obediência apareça pelo contrário como um estado de tensão, e o próprio dever como algo rijo e duro? Ocorrem de fato casos em que a obediência implica um esforço sobre si mesmo. Trata-se de casos excepcionais, mas os assinalamos, porque uma consciência intensa os acompanha, como acontece com toda hesitação, na verdade, a consciência é essa própria hesitação, o ato que se desencadeia sozinho passando quase despercebido. Então, em vista da solidariedade de nossas obrigações entre si, e devido a que o todo da obrigação é imanente a cada uma das partes, todos os deveres se matizam da cor que excepcionalmente este ou aquele dentre eles adquiriu. Não há inconveniente algum do ponto de vista prático. Há até certa vantagem em considerar as coisas desse modo. Com efeito, por mais naturalmente que se cumpra o dever, pode-se encontrar em si a resistência; é bom atentar para isso, e não tomar por assentado que seja fácil continuar sendo bom esposo, bom cidadão, trabalhador consciencioso, enfim, pessoa honesta. Há, de resto, grande parcela de verdade nesse modo de ver; porque se é relativamente fácil manter-se no quadro social, foi ainda preciso inserir-se nele, e a inserção exige um esforço. A indisciplina natural da criança, a necessidade da educação constituem prova disso. Nada mais justo que levar à consideração do indivíduo o consentimento virtualmente dado ao conjunto de suas obrigações, mesmo que ele não mais tenha de se consultar para cada uma delas. O cavaleiro só tem de se deixar levar; ainda assim, teve de montar na sela. O mesmo acontece com o indivíduo em relação à sociedade. Em certo sentido seria falso, e sob todos os pontos de vista arriscado, dizer que o dever pode ser cumprido automaticamente. Estabeleçamos pois como máxima prática que a obediência ao dever é uma resistência a si mesmo. (HBMR)