O que é uma «vida habitante»? Certamente uma vida que se vive segundo hábitos e habitudes.1] O verbo alemão wohnen, deriva da raiz indo-europeia *ven, que significa «amar, desejar» e é ligada tanto às palavras alemãs Wahn, «esperança, ilusão», e Wonne, «alegria», como ao latim venus. Isso significa que, na língua alemã, a aquisição de um hábito (Gewohnheit) ou de uma habitude é associada ao prazer e à alegria — e, também, mesmo que os linguistas tendam a dividir os dois termos, à ilusão (Wahn) e à loucura (Washnsinn).
O verbo Wohnen, que aparece em Hölderlin em todos esses significados, refere-se, por excelência, em sua poesia, à vida do homem na terra. Certamente, as estrelas também habitam («die Sterne wohnen ewig» — Die Friede, V, v. 55), as águias («In Finisternis wohnen/ die Adler» — Patmos, vv. 5-6), a beleza («die Schönheit wohnt lieber auf der erde» — Griechenland, 3, Fass., v. 43) e o Deus («[Der Gott] wonht über dem Lichte» — Heimkunft, II, v.3) —, mas justamente isso parece aproximá-las da morada humana. A frase do poeta, que Waiblinger testemunha ter escrito no seu Phaidon, e que Heidegger comentou longamente, afirma sem reservas que «o homem habita poeticamente sobre a terra» (dichterisch wohnet der Mensch auf diser Erde), e é verossímil que, nesse dictum, deva-se ouvir um eco da passagem da bíblia luterana (João 1:14) na qual se lê que «das Wort ward Fleisch und wohnte unter uns», «a palavra fez-se carne e habitou entre nós». É fazendo-se carne que Deus habita como homem entre os homens, que compartilha com eles o simples fato de habitar.
O verbo latino habito, do qual deriva o italiano «abitare», que traduz o alemão Wohnen, é um frequentativo de habeo, «ter». Os frequentativos exprimem uma ação repetida e intensificada. Eles se formam do tema em -to, do supino, isto é, de uma diátese do verbo em que, segundo as palavras de Benveniste, o significado é expresso em sua indiferença em relação aos tempos e modos, «por analogia ao comportamento de um homem despreocupadamente deitado» (o latino supinus traduz o grego yptius, que significa «deitado de costas») (Benveniste, 1932, pp. 136-37; cf. Benveniste, 1948, pp. 100-1). «Habitante» é uma vida que «tem», de modo repetido e intensivo, certo modo de ser, ou seja, que se vive segundo hábitos e habitudes. Mas que tipo de continuidade e conexão liga conjuntamente as ações repetidas e tornadas habituais? A vida habitante ou habitual seria, nesse sentido, uma vida que tem um modo especial de continuidade e de coesão a respeito de si mesmo e do todo («habitual — lia-se na resenha a Schmidt — é aquela vida que está em relações mais fracas e distantes com o todo»). É esse modo particular da continuidade de uma vida que se trata de atingir. (AgambenLH)
- Preferiu-se essa tradução de abiti e abitudini, em vez de «usos e costumes», para marcar a diferença conceitual de ambos os termos na filosofia: abito é «um modo (de ser) que se tem», uma «disposição» para agir, para se comportar de certo modo; abitudine é algo «semelhante à natureza» (Aristóteles), porque transforma em disposição espontânea o que, em um primeiro momento, requeria um esforço consciente. [N. T.[↩]