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Wahl: A SEGUNDA TRÍADE: O POSSÍVEL E O PROJECTO — A ORIGEM, O AGORA, A SITUAÇÃO, O INSTANTE

quarta-feira 23 de março de 2022

Depois destes dois momentos, chegamos a este triplo termo que qualificamos de agora, de situação e de instante.

Na realidade, estas três ideias são profundamente diferentes. A ideia sobre a qual Heidegger insiste especialmente é a de que não se deve partir do presente se se quiser conceber a constituição do tempo: é preciso partir do futuro ou do passado, e o presente é apenas o lugar onde o futuro e o passado se juntam. Mas esta junção pode fazer-se de maneiras diferentes. Pode fazer-se de uma maneira superficial, e então ter-se-á os agora, a sequência dos agora que constituem o tempo inautêntico.

Seria necessário distinguir o tempo pragmático (embora Heidegger não empregue esta palavra), o tempo da vida de todos os dias, o que ele chama o tempo para, porque, cada vez que agimos, agimos tendo em vista um fim prático. Esta hora, por exemplo (o curso que deu origem a este livro efetuava-se entre as 11 horas e o meio-dia), é destinada a uma conversa sobre os filósofos da existência. A hora seguinte será consagrada à refeição. Cada uma é o tempo para, é o tempo da vida prática. Mas a partir deste tempo para a ciência cria o tempo abstrato. Ê aí que encontramos a ideia de agora. O espírito humano, a partir do tempo pragmático que é feito de blocos de duração, dos quais cada um tem o seu destino particular, gera um tempo homogêneo e infinito. Este tempo homogêneo e infinito é posterior ao tempo vulgar e deriva do tempo vulgar. E é neste tempo científico que tomam lugar os agora.

É preciso, portanto, separar completamente esta ideia do agora e a ideia, que teremos de examinar um pouco mais tarde, do instante.

Entre as duas colocaremos a ideia de situação, assim como a ideia de facticidade.

Se considerarmos devidamente a nossa reflexão sobre este elemento, seremos conduzidos ao que Heidegger chama a Geworfenheit, isto é, o facto de sermos lançados no mundo sem que nos seja possível descobrir a razão disso. Talvez tenhamos ocasião de nos interrogarmos se esta própria concepção poderá ser compreendida independentemente de toda a pressuposição religiosa; porque é só talvez se tivermos no último plano do nosso espírito a ideia de uma divindade que nos auxilie e nos conforte que podemos ser surpreendidos e como que chocados pelo facto de que estamos aqui sem auxílio, a partir do momento em que a afirmação desta divindade é por nós abandonada. Assim, a aparência do nosso abandono viria do abandono prévio que teríamos feito de uma ideia que, para nós, não seria, finalmente, mais do que uma aparência.

Mas ponhamos de momento esta questão de lado. Devemos apenas sublinhar que somos, em toda a extensão, facticidade, de tal maneira mesmo que o elemento de liberdade que está em nós é em si mesmo caracterizado como facticidade. A nossa própria liberdade é uma facticidade.

Podemos agora voltar à ideia de situação. Si indubitável que toda a filosofia se preocupa em ver qual é a situação do homem no universo. Mas logo que um pensador tenha uma concepção afetiva da situação humana poderemos compará-lo aos filósofos da existência. Assim, o homem tal qual o concebe Descartes, colocado acima do puro mecanismo e abaixo da perfeição divina, não se pode dizer, em rigor, comprometido numa situação, no mesmo grau em que está o homem concebido pelos filósofos da existência. Pelo contrário, quando um pensador como Pascal   nos apresenta o homem entre dois infinitos, no silêncio e como sob o silêncio dos espaços, e só em face do seu Deus, podemos aqui ver um pensamento da situação aproximada da que estudamos.