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Wahl: A SEGUNDA TRÍADE: O POSSÍVEL E O PROJECTO — A ORIGEM, O AGORA, A SITUAÇÃO, O INSTANTE

quarta-feira 23 de março de 2022

Jaspers falará sempre — já o dissemos — da existência possível, querendo significar com isso que a existência nunca é qualquer coisa de dado, mas qualquer coisa que está prestes a ser. O homem está sempre em avanço sobre si próprio, diz Heidegger. E podemos, daí, chegar facilmente ao que diz Sartre acerca do facto de que o existente está sempre em projeto. A ideia de projecto é essencial ã filosofia de Sartre e também essencial à filosofia de Heidegger. O existente faz-se sempre a si próprio, e o importante é não se estar amarrado ao próprio passado, é não nos deixarmos ancilosar em momentos do tempo, quer sejam momentos do passado, quer sejam momentos do futuro. Apegar-se a um momento determinado do seu passado, referir-se constantemente a um acontecimento anterior, ou mesmo ligar-se a um momento determinado do seu futuro, por exemplo, a uma função que se ambicionava desde a juventude, é parar o curso da duração, essencial ao «para si», é formar-se segundo um passado retraído ou um futuro retraído, que cessam de ser membros do «para si» e caem no «em si». E é aí que têm lugar as análises de Sartre sobre a má fé: estar de má fé é não ter em conta o que realmente se ê, é estabilizar o tempo e, por isso mesmo, falsificá-lo.

Podemos passar ao segundo momento, à segunda categoria, isto é, à ideia de origem.

«De uma maneira geral», disse Kierkegaard já em 1835, «todo o verdadeiro desenvolvimento é um voltar atrás que nos faz ir até às nossas origens», e ele cita como exemplo os grandes artistas que «avançam pela própria razão de voltarem atrás». Na nossa própria vida, os primeiros instantes, os começos, têm um valor eminente. Ê necessário, portanto, que cada um se conheça voltando-se para a origem, e ao mesmo tempo que se conheça voltando-se para o futuro: tais são as características do existente. E assim ele constitui a unidade do seu passado e do seu futuro num presente cheio de conteúdo.

É preciso voltar ao que é primário, ao que é primitivo, ao que é originário. Kierkegaard já nos convidava a isso e pensava que a existência deve retomar o seu lugar em face da sua própria primitividade eterna. Por outro lado, sabe-se que ele quer voltar ao que era o cristianismo na sua origem, isto é, ao pensamento de Jesus. Ê indispensável, diz Kierkegaard, eliminar todos os séculos que nos separam do Cristo e que nos afastam dele, é indispensável que nos tornemos contemporâneos do próprio Jesus, e é isto o ato de fé. Neste sentido, se se realizar este ato de fé, os discípulos de Jesus não eram mais contemporâneos de Jesus do que nós somos.

Poderíamos voltar a encontrar, em todos estes filósofos, esforços análogos para remontar às origens. É assim que, num domínio inteiramente diferente, Heidegger quer remontar aos mais antigos filósofos gregos.

Jaspers diz que, em cada um dos grandes filósofos, é necessário que nos esforcemos por apreender o que é a fonte originária do seu pensamento (Usrprung). Trate-se de Descartes  , ou de Leibniz  , ou de Nietzsche  , ou de Platão, há sempre um centro, essa intuição fundamental de que falava, por outro lado, Bergson, que é preciso reencontrar sob as superestruturas racionais, mais ou menos superficiais, do sistema. Num longo artigo sobre Descartes, Jaspers mostra que há qualquer coisa de válido no cartesianismo, mas que este qualquer coisa está viciado, falsificado, pela sistematização, pela racionalização, a que Descartes o submeteu.