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Fernandes (FC:174-175) – o que sou?

quarta-feira 31 de julho de 2024, por Cardoso de Castro

  

O sujeito que recua para fazer aparecer o mundo, inclui no mundo o que ele chama de “os outros”, e seus respectivos pontos de vista. O sujeito que recua para conhecer pode sempre conhecer mais e mais seu próprio ponto de vista, ou as estruturas que o determinam, assim como o ponto de vista dos outros. Posso aprender como é “ser você”. Você pode aprender como é “ser Sérgio Fernandes”. Os obstáculos, aqui, são práticos, não teóricos. E se prosseguirmos nesse exercício indefinidamente, você e eu, teremos diante de nós, como objeto, uma totalidade, a mesma totalidade, que inclui a mim e a você, bem como tudo que diz respeito aos nossos pontos de vista, aos outros, todos os outros, e tudo que determina seus pontos de vista, e assim por diante. Como poderiam essas totalidades, a que eu teria diante de mim e a que você teria diante de você, serem distintas? Se tanto eu quanto você estamos diante de absolutamente tudo o que pode ser objetivado, estamos diante de uma só totalidade. O objeto, nesse exercício, é um só, como se fosse a unidade mesma do que a Consciência não é.

Quando eu tiver aprendido tudo, quando eu tiver objetivado tudo o que pode ser objetivado e, portanto, em consequência de Conheço x => Não sou x, tudo o que não sou “eu”, ou tudo o que eu não “sou”, quando eu tiver diante de mim todo o universo, nos menores detalhes, em todo o tempo, em todo o espaço, incluindo todos os possíveis pontos de vista ou experiências limitadas de todos os seres, então o que restar, o Objetivador, o Sujeito transcendental puro, o que não pode conhecer-se a si mesmo como objeto sem deixar de ser o que é e passar a existir, então esse ser é o que eu sou. Ora, você poderá dizer o mesmo: este ser é também o que você é. E assim como fizemos a pergunta do lado do objeto, devemos fazê-la agora do lado desse sujeito: Que diferença pode haver entre isto que eu sou e isto que você é? Assim como o objeto é um só, também o sujeito é um só. Em todas as etapas das nossas reflexões, jamais houve outro sujeito que não este, em todas as épocas, em todos os lugares. É este que está aí, a ler-me, e é este que está aqui, a escrever.

O que se torna difícil, nesse ponto, é compreender, não que somos, na verdade, um só, mas, ao contrário, como podemos sequer pensar que somos vários. Ou seja, como é possível essa ilusão de que estamos separados em pontos de vista irredutíveis que se ignoram mutuamente, e só se apreendem reciprocamente a duras penas. Como é possível que eu me perceba isolado, só, solus ipse? (Haverá quem diga que o que acabei de fazer foi uma espécie de exposição do solipsismo, e não a sua refutação. Mas o solipsismo só se refuta ao ser completamente invertido. Só podemos ver o que há de verdadeiro e o que há de falso no solipsismo pondo-o de cabeça para baixo, ou seja, derrubando-o.)

Tanto o objeto, quanto o sujeito, ao fim de um exercício transcendental completo, são um só objeto e um só sujeito. Ora, a Consciência será, não a consciência intencional, mas aquilo que se manifesta como consciência intencional. Ela será, não o sujeito conhecido, ou o objeto conhecido, ou a dualidade sujeito/objeto, mas aquilo que se manifesta como sujeito, que se manifesta como objeto, que se manifesta como a dualidade sujeito/objeto. Essa manifestação só pode ser, então, o lugar da articulação entre Consciência e Inconsciência. Dei a isso um nome: “Identificação”. A Identificação Primária sobrepõe à Luz uma estrutura de “luz” e “opacidade”, de “clareza” e “obscuridade”, de “inconsciência” sob a forma intencional (cegueira do ponto) e “inconsciência” sob a forma de aparências identificadas, ou projeção imaginária de “entes” (Inconsciente manifesto).


Ver online : Sergio L. C. Fernandes


FERNANDES, Sérgio L. de C.. Filosofia e Consciência. uma investigação ontológica da Consciência. Rio de Janeiro: Areté Editora, 1995