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Espinosa (Cartas:58) – livre-arbítrio

quarta-feira 15 de setembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

Mas desçamos às coisas criadas, que são todas determinadas a existir por causas exteriores e a agir de um modo determinado. Para tornar isso claro e inteligível, concebamos uma coisa muito simples: uma pedra, por exemplo, recebe de uma causa exterior, que a empurra, uma certa quantidade de movimento e, tendo cessado o impulso da causa exterior, ela continuará a mover necessariamente. Essa persistência da pedra no movimento é uma coação, não porque seja necessária, mas porque se define pelo impulso de uma causa externa. E o que é verdadeiro para a pedra, é preciso que se entenda de toda coisa singular, qualquer que seja a complexidade que vos agrade lhe atribuir, tão numerosas quanto possam ser suas atitudes, pois toda coisa singular é, necessariamente, determinada por uma causa exterior a existir e a agir de uma certa maneira determinada.

Concebei agora, se bem quiserdes, que a pedra, enquanto continua a se mover, pense e saiba que faz esforço, tanto quanto possa, para se movimentar. Seguramente, essa pedra, pois que tem consciência de seu esforço e não é de modo algum indiferente a ele, acreditará que é bastante livre e apenas persevera em seu movimento porque quer. Assim é esta liberdade humana que todos se vangloriam de possuir e que consiste apenas no fato de que os homens têm consciência de seus apetites e ignoram as causas que lhes determinam. Deste modo, uma criança acredita livremente sentir apetite e suga o leite, um jovem rapaz irritado quer se vingar ou, sendo um poltrão, quer fugir. Um bêbado acredita dizer por livre decreto de sua alma aquilo que, em seguida, voltando à sobriedade, teria desejado calar. Do mesmo modo, um falastrão e muitos outros da mesma farinha creem agir por livre vontade da alma e não se deixar coagir. Sendo esse preconceito julgado natural, congenial entre todos os homens, dele não se livram tão facilmente. Ainda que a experiência ensine mais do que suficientemente que uma coisa da qual os homens são bem pouco capazes é a de regrar seus apetites, e embora constatem que, divididos entre duas afecções contrárias, com frequência veem o melhor e fazem o pior, ainda assim acreditam ser livres, e isso porque há certas coisas que, estimulando apenas um apetite ligeiro, facilmente é dominado pela lembrança de qualquer outra coisa.