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Deleuze (C:217-218) – subjetivação, acontecimentos e mundo
quinta-feira 9 de abril de 2020
Pelbart
— Em Foucault e em A dobra parece que os processos de subjetivação são observados mais atentamente que em outras de suas obras. O sujeito é o limite de um movimento contínuo entre um dentro e um fora. Que consequências políticas tem essa concepção do sujeito? Se o sujeito não pode ser uma questão resolvida na exterioridade da cidadania, pode ele instaurar esta cidadania na potência e na vida? Pode tornar possível uma nova pragmática militante, que seja ao mesmo tempo pietàs para o mundo e construção muito radical? Qual política pode prolongar na história o esplendor do acontecimento e da subjetividade? Como pensar uma comunidade sem fundamento mas potente, sem totalidade mas, como em Espinosa , absoluta?
— Pode-se com efeito falar de processos de subjetivação quando se considera as diversas maneiras pelas quais os indivíduos ou as coletividades se constituem como sujeitos: tais processos só valem na medida em que, quando acontecem, escapam tanto aos saberes constituídos como aos poderes dominantes. Mesmo se na sequência eles engendram novos poderes ou tornam a integrar novos saberes. Mas naquele preciso momento eles têm efetivamente uma espontaneidade rebelde. Não há aí nenhum retorno ao “sujeito”, isto é, a uma instância dotada de deveres, de poder e de saber. Mais do que de processos de subjetivação, se poderia falar principalmente de novos tipos de acontecimentos: acontecimentos que não se explicam pelos estados de coisa que os suscitam, ou nos quais eles tornam a cair. Eles se elevam por um instante, e é este momento que é importante, é a oportunidade que é preciso agarrar. Ou se poderia falar simplesmente do cérebro: o cérebro é precisamente este limite de um movimento contínuo reversível entre um Dentro e um Fora, esta membrana entre os dois. Novas trilhas cerebrais, novas maneiras de pensar não se explicam pela microcirurgia; ao contrário, é a ciência que deve se esforçar em descobrir o que pode ter havido no cérebro para que se chegue a pensar de tal ou qual maneira. Subjetivação, acontecimento ou cérebro, parece-me que é um pouco a mesma coisa. Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos. É o que você chama de pietàs. É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle. Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo.
Original
– Dans Foucault et dans Le pli, il semble que les processus de subjectivation soient observés avec davantage d’attention que dans certaines de vos autres œuvres. Le sujet est la limite d’un mouvement continu entre un dedans et un dehors. Quelles conséquences politiques cette conception du sujet a-t-elle ? Si le sujet ne peut pas être résolu dans l’extériorité de la citoyenneté, peut-il instaurer celle-ci dans la puissance et la vie ? Peut-il rendre possible une nouvelle pragmatique militante, à la fois pietàs pour le monde et construction très radicale ? Quelle politique pour prolonger dans l’histoire la splendeur de l’événement et de la subjectivité ? Comment penser une communauté sans fondement mais puissante, sans totalité, mais, comme chez Spinoza, absolue ?
– On peut en effet parler de processus de subjectivation quand on considère les diverses manières dont des individus ou des collectivités se constituent comme sujets : de tels processus ne valent que dans la mesure où, quand ils se font, ils échappent à la fois aux savoirs constitués et aux pouvoirs dominants. Même si par la suite ils engendrent de nouveaux pouvoirs ou repassent dans de nouveaux savoirs. Mais, sur le moment, ils ont bien une spontanéité rebelle. Il n’y a là nul retour au « sujet », c’est-à-dire à une instance douée de devoirs, de pouvoir et de savoir. Plutôt que processus de subjectivation, on pourrait parler aussi bien de nouveaux types d’événements : des événements qui ne s’expliquent pas par les états de choses qui les suscitent, ou dans lesquels ils retombent. Ils se lèvent un instant, et c’est ce moment-là qui est important, c’est la chance qu’il faut saisir. Ou bien on pourrait parler simplement de cerveau : c’est le cerveau qui est exactement cette limite d’un mouvement continu réversible entre un Dedans et un Dehors, cette membrane entre les deux. De nouveaux frayages cérébraux, de nouvelles manières de penser ne s’expliquent pas par la microchirurgie, c’est au contraire la science qui doit s’efforcer de découvrir ce qu’il peut bien y avoir eu dans le cerveau pour qu’on se mette à penser de telle ou telle manière. Subjectivation, événement ou cerveau, il me semble que c’est un peu la même chose. Croire au monde, c’est ce qui nous manque le plus ; nous avons tout à fait perdu le monde, on nous en a dépossédé. Croire au monde, c’est aussi bien susciter des événements même petits qui échappent au contrôle, ou faire naître de nouveaux espaces-temps, même de surface ou de volume réduits. C’est ce que vous appelez pietàs. C’est au niveau de chaque tentative que se jugent la capacité de résistance ou au contraire la soumission à un contrôle. Il faut à la fois création et peuple.
[Excerto de DELEUZE , Gilles. Conversações 1972-1990. Tr. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1992, p. 217-218]
Ver online : Conversações 1972-1990 [C]