Agamben (2022) – a habitude

Em 1838, quando Hölderlin ainda morava na torre sobre o Neckar, Félix Ravaisson, que havia seguido em Mônaco os cursos de Schelling, escreve sua tese Sobre a habitude. Em páginas vertiginosas, que deviam suscitar a admiração de Bergson e Heidegger, Ravaisson aproxima a habitude dos segredos últimos da vida. O filósofo de 25 anos descreve com meticulosa atenção as modalidades nas quais, na habitude, a vontade trespassa insensivelmente em inclinação e em instinto, em uma progressiva degradação do esforço e da intenção que, como em Hölderlin, é, a um só tempo, passiva e ativa: «A lei da habitude não se explica senão pelo desenvolvimento de uma Espontaneidade conjuntamente passiva e ativa, que se difere em igual medida da Fatalidade mecânica e da Liberdade reflexiva» (Ravaisson, 1999, p. 135). Se, na reflexão e na vontade, nas quais habitualmente identificamos as funções superiores do homem, o fim é uma ideia que ainda não existe e que deve, portanto, ser realizada por meio da ação e do movimento, na habitude o fim confunde-se com o próprio movimento que deveria realizá-lo, e o sujeito e o objeto do pensamento indeterminam-se: «O intervalo entre o movimento e o objetivo que o intelecto representava para si diminui pouco a pouco; a distinção desvanece; o fim para o qual a ideia suscitava a inclinação aproxima-se dela, toca-a e confunde-se com ela. À reflexão que percorre e mede as distâncias dos contrários e os âmbitos das oposições, sucede, gradualmente, uma inteligência imediata, na qual nada mais separa o sujeito e o objeto do pensamento» (p. 136). Está aqui em obra uma «inteligência escura» (p. 136), na qual não só o real e o ideal, mas também a vontade e a natureza tendem infinitamente a coincidir: «A habitude é, então, por assim dizer, o diferencial infinitesimal, ou seja, a fluxão dinâmica da Vontade e da Natureza» (p. 139). Como na vida habitante de Hölderlin, que abdica do nome e da identidade, «o progresso da habitude conduz a consciência, por meio de uma ininterrupta degradação, da vontade ao instinto, da unidade completa à extrema dispersão da impessoalidade» (p. 147). (AgambenLH)

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