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Steinsaltz Sephiroth

segunda-feira 1º de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Adin Steinsaltz   — A Rosa das Treze Pétalas
Cabala  
Adin Steinsaltz
Não obstante, apesar que aparece como uma entidade em si mesma, o mundo é formado e sustentado pelo poder divino manifestado na sua essência primordial. A manifestação assume a forma de dez Sefirot, forças fundamentais ou canais de fluxo divino. E essas Sefirot, que são os meios da revelação divina, estão relacionadas com a luz divina primária, como um corpo está relacionado com a alma; estão na natureza de um instrumento ou um veículo de expressão, como um modo de criação em outra dimensão da existência. Ou, as dez Sefirot também podem ser vistas como um arranjo ou configuração que parece uma figura humana de pé, na qual cada membro corresponde a uma das Sefirot. Por conseguinte, o mundo não se relaciona diretamente com a Divindade escondida, que em suas imagens é como a alma em relação à semelhança humana das Sefirot; melhor, relaciona-se com a manifestação divina, quando e como esta manifestação acontece, nas dez Sefirot. Assim como a verdadeira alma de um homem, seu eu inapreensível, nunca é revelado aos outros, mas se manifesta através de sua mente, emoções e corpo, assim o Eu de D-us não é revelado em Sua essência original, com exceção das dez Sefirot.

As dez Sefirot juntas constituem uma Realidade fundamental e inclusiva; outrossim, a configuração desta Realidade é orgânica, cada uma das Sefirot tem uma função única, complementa cada uma das outras, e é essencial para a realização ou cumprimento das outras, e do todo.

Devido à sua profunda multilateralidade, as dez Sefirot parecem estar veladas pelo mistério. E, de fato, há tantos níveis aparentemente desligados de significado para cada uma — os níveis, além do mais, parecendo não ligados entre si — que uma mera relação dos seus nomes não transmite adequadamente a sua essência. Dizer que a primeira Sefira, Keter ("coroa") é a vontade divina básica e também a fonte de todo o deleite e prazer toca apenas a superfície. O que também é válido para Hokhmah ("sabedoria"), que é conhecimento intuitivo, instantâneo, enquanto que Binah (’ ’compreensão) tende mais para a análise lógica. Daat ("conhecimento") é diferente de ambas, sendo não só a acumulação ou a soma do que é conhecido, mas uma espécie de décima primeira Sefira — pertencendo e porém não pertencendo às dez. Hesed Din ("graça") é, portanto, a quarta Sefira e é o impulso incontrolável de expansão, ou Gedulah ("grandeza"), de amor e crescimento. Gevurah ("poder") é restrição e concentração, controle assim como medo e pavor, enquanto que Tiferet ("beleza") é a combinação de harmonia, verdade, compaixão. Netzah ("eternidade") é a conquista ou a capacidade de vencer; Hod ("esplendor") também pode ser vista como persistência ou constância; e Yesod ("fundação") é, entre outras coisas, o veículo, o transporte de uma coisa ou condição, para outra. Malkhut ("reinado"), a décima e última Sefira é, além da soberania ou governo, a palavra e o último receptáculo.

Todas essas Sefirot são infinitas em sua potência, apesar de serem finitas em sua essência. Nunca aparecem separadamente, cada uma num estado puro, sempre em algum tipo de combinação, numa variedade de formas. E cada uma das combinações, ou detalhe dessa combinação, expressa uma revelação diferente.

A grande soma de todas essas Sefirot em suas relações constitui a conexão permanente entre D-us e o Seu mundo. Na realidade, esta conexão funciona de duas maneiras; porque o mundo pode responder e até agir por si mesmo. Por um lado, as dez Sefirot são responsáveis pela lei e ordem universais, o que poderíamos chamar os mecanismos da natureza nos mundos. Como tais, se misturam e descem, contraindo-se e mudando de forma, enquanto vão de um mundo para outro, até que atingem nosso mundo físico, que é a estação final da manifestação do poder divino.

Por outro lado, os eventos que acontecem em nosso mundo influenciam continuamente as dez Sefirot, afetando a natureza e a qualidade das relações entre a luz derramada e o poder e os recipientes dessa luz e desse poder.

Uma antiga alegoria ilustra esta influência, mostrando o mundo como uma pequena ilha no meio do mar, habitada por pássaros. Para proporcionar-lhes sustento, o rei mandou fazer uma complicada rede de canais pelos quais fluem os alimentos e a água necessários. Sempre que os pássaros se comportarem como foram dotados pela natureza, cantando e voando pelo ar, o fluxo da abundância segue, sem interrupções. Mas quando os pássaros começam a brincar na sujeira e sujam os canais, os canais ficam bloqueados ou quebram e cessam de funcionar corretamente, e o fluxo de cima é interrompido. A ilha que é o nosso mundo também depende do funcionamento correto das Sefirot; e quando há interferência nelas, o sistema fica alterado, e os próprios fatores que causaram a alteração sofrem as consequências.

Neste sentido, toda a ordem das Sefirot, com suas leis de ação e reação, é — sob muitos aspectos — mecânica. Não obstante, o homem, que é a única criatura capaz de agir livremente no sistema, pode causar alterações de graus variados na configuração e na operação. Porque tudo o que o homem faz tem um valor. Uma má ação geralmente causa alguma alteração ou reação negativa no vasto sistema das Sefirot; e uma boa ação corrige ou eleva as coisas a um nível superior. Cada uma das reações se estende para todos os mundos e volta para o nosso, recaindo sobre nós, de uma forma ou de outra.

Nesta ordem vasta e sublime, as mitzvot — estudo e prática da Torá, oração, amor, arrependimento — constituem apenas detalhes ou orientações. As mitzvot nos ensinam como certos atos, pensamentos e modos de fazer coisas afetam as Sefirot e produzem uma combinação desejável de bênção e abundância, tornando o mundo melhor. De fato, antes do desempenho de cada mitzvah há certas palavras que devem ser pronunciadas em voz alta — palavras que visam causar grande abundância fluindo dos mundos superiores, para iluminar nossas almas. O que significa que cada mitzvah tem uma essência específica através da qual ela influencia o sistema dos mundos e cria um certo tipo de conexão entre os mundos e o homem. Assim, apesar de — sob muitos pontos de vista — nosso mundo ser pequeno, ele pode ser encarado como o ponto de intersecção de todos os outros mundos, especialmente devido a este poder dos seres humanos, criaturas que possuem o livre-arbítrio, de mudar a ordem fixa das coisas. É como se o nosso mundo fosse uma espécie de sala de controle, a partir da qual as dez Sefirot, em suas diversas combinações possíveis, podem ser colocadas em operação.

Uma transgressão — ou seja, uma alteração da ordem no sistema — tem dois resultados. Primeiro, causa uma espécie de curto-circuito e inclina ou distorce a descida da divina abundância. Segundo, o choque criado por este curto-circuito estimula o mundo das Kelipot, as carcaças externas, e faz com que elas, por sua vez, produzam uma carga negativa dentro do sistema particular que pertence à vida do transgressor.

É isto que significa a recompensa e o castigo que, segundo dizem, se seguem a cada ação de um ser humano. Também não é somente um fato que afeta assim o sistema das Sefirot; também é um pensamento, uma intenção, ou qualquer um dos diversos movimentos da alma humana. Por exemplo, sempre que uma pessoa reza — da maneira prescrita que é orientada para os mundos superiores, ou de maneira privada, dizendo a oração em voz alta ou apenas contemplando-a no coração — ela é capaz de influenciar a ordem dos eventos. De fato, os movimentos espontâneos para dentro de si, da pessoa, aqueles que não têm nada a ver com suas ações abertas ou com seus pensamentos conscientes, frequentemente atingem e agem sobre níveis superiores. Quando um homem reza para ser curado de uma doença, por exemplo, está pedindo graça, uma mudança numa vasta rede de sistemas: do sistema fixo que acumula o Bem e o Mal como um todo, até os sistemas secundários e flutuantes dos quais desce a esfera de ação física, com sua própria parte de dores e misérias. Ele está, em outras palavras, pedindo uma redistribuição dentro de um gigantesco complexo de ordens inter-relacionadas, nos mundos superiores e no mundo da natureza.

Esta configuração de manifestação divina e relação humana com ela, pode parecer mecânica no seu determinismo, mas é apresentada com imagens muito mais pessoais e simbólicas nas fontes das escrituras. Ou seja, nas diversas obras religiosas e filosóficas da tradição judaica, uma variedade de sinais e figuras alegóricas de fala é utilizada para significar a mesma coisa; de modo que podemos ler sobre o olho de D-us examinando a face da terra, as orelhas de D-us ouvindo todos os sons, O Sagrado, Bendito seja Ele, contente ou zangado, sorrindo ou chorando. Toda essa variedade, logicamente, tem relação com a configuração de Sua manifestação através das dez Sefirot em suas diversas configurações, análogas como são as Sefirot em suas partes, aos órgãos e membros do corpo humano (sendo que o homem é feito à imagem de D-us em seu corpo e em sua alma). Então, temos um paradigma das relações essenciais no universo, se não das próprias essências; e podemos falar da mão direita de D-us como a força ou poder que dá, que derrama a abundância, que ajuda e ama; e podemos falar da mão esquerda como a força que restringe e protege, reduz e impõe, reconhecendo a harmonia, ou a conexão viva entre tudo e todos no sistema das Sefirot.

Assim, também, quando os profetas descrevem sua visão sublime de D-us, Ele Se revelando nas Sefirot, eles têm de apresentar a visão num contexto humano, para serem fiéis ao seu valor emocional para os homens. Suas descrições podem ser consideradas como estruturas alegóricas, usando o homem como uma metáfora para o Supremo: tanto nos detalhes humanos que empregam, quanto no uso da ideia do homem como entidade completa, um microcosmo. Então, a mão humana torna-se análoga à Hesed Din ("graça"), que em outra configuração pode ser representada como água, ou luz, ou qualquer outra variação de uma metamorfose simbólica. Portanto, também, quando alguém que reza ou faz uma mitzvah se relaciona com o sistema mais alto, pode impor imagens sobre esse sistema, metamorfoses da mesma força mais alta, até o ponto de considerar a D-us como uma figura de aspecto humano sentada num trono, com cada um dos seus traços expressando uma revelação dentro das Sefirot, em diferentes mundos, um acima do outro.

Apesar da ordem das forças ser quase infinita em sua imensidão e complexidade, e parecer mecânica e automática — e apesar de que o que parece mecânico inclui não somente matéria e as leis da natureza mas também as operações das leis além da natureza, do bem e do mal, da intenção e da oração, do pensamento e do sentimento — não obstante, esta ordem é transfundida com o fluxo da abundância divina. E nesta ordem o homem, apesar de ser apenas uma parte minúscula do todo, também é um ator efetivo e significativo nesse todo.

O fato do homem ser apenas um detalhe muito pequeno, um ponto e menos que um ponto contra o Infinito, é equilibrado pelo fato de que é precisamente ele, em sua pequenez, quem dá a cada uma das partes o seu valor. Como há uma ordem de causas e influências, e um movedor primordial de todos os mundos, cada pessoa singular pode, em seus atos, pensamentos e aspirações, atingir cada um desses pontos da existência. Não somente o homem é livre para agir sobre o sistema, como também cada um dos seus atos tem — em todos os mundos, em termos de espaço e tempo e da Suprema ou Derradeira Realidade — um valor incomensurável. Em contraste com todas as configurações automáticas das forças que funcionam no cosmos, somente o homem se move independentemente dentro do sistema. Somente ele é importante para as manifestações, porque ele pode mudá-las, fazê-las moverem-se de um nível para outro. Outrossim, o homem — morando como ele mora em dois mundos diferentes, e sofrendo lutas internas profundas — tem a chance de subir muito acima do nível da nossa existência e do lugar onde se encontra espiritualmente, e agir sobre os mundos superiores, sem limite.

Precisamente porque o Divino é alcançado como uma força infinita, não finita, tudo no cosmos, seja pequeno ou grande, é apenas uma pequena parte da configuração, de modo que não há diferença de peso ou gravidade entre uma parte e outra. O movimento do dedo de um homem é tão importante ou pouco importante como a catástrofe mais terrível, porque contra o Infinito, ambos são da mesma dimensão. Assim como o Infinito pode ser definido como ilimitado no sentido de estar além de tudo, Ele também pode ser definido como estando próximo de tudo e tocando tudo. Aqui está o ponto do contacto humano pessoal, porque apesar da vastidão e ordem de todos esses sistemas, os atos independentes do homem — suas mitzvot e suas transgressões — não podem ser explicados em termos de mecânica, nem por outro lado, de mágica.

Quando uma pessoa se relaciona somente com as Sefirot, não está se relacionando com nada real. Porque os atos ou pensamentos não operam por si mesmos, separados do Infinito, Ele que é a própria vida dos mundos. Todos os sistemas das dez Sefirot, apesar de efetuarem as leis da natureza e além da natureza, não têm nada de real em si mesmos. Em relação à Luz Infinita Ele Próprio, são menos que um nada vestido ou coberto com uma aparência de algo real; são apenas nomes, designações, pontos de partida para estabelecer uma relação, não tendo nada substancial em si mesmos. De modo que a oração, o arrependimento, o choro do homem dirigido a D-us, apesar de serem dependentes de e contidos por um sistema limitado, determinístico, nem agem sobre, nem se dirigem a esse sistema.

Quando o homem atinge certas alturas, ele aprende mais sobre D-us, a ordem e disposição das coisas, relações entre uma ação e outra, e o poder e o valor da lei. Não obstante, em última instância, o relacionamento com o Divino é individual. É um assunto completamente privado, o relacionamento de cada homem em toda a sua unidade de individualidade e personalidade, independente da distância infinita que há entre ele e D-us, exatamente porque D-us, estando infinitamente distante, além de qualquer contacto possível, é Ele Próprio O que cria as maneiras, os meios de contacto, em que todo pensamento, todo tremor de antecipação e desejo da parte do homem percorrem o seu caminho até atingirem O Sagrado Ele Mesmo, o Infinito, Bendito seja Ele.