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Lavelle: O Eu reconhece a Presença do Ser

quarta-feira 7 de maio de 2008, por Cardoso de Castro

  

Américo Pereira

Há uma experiência inicial que é implicada em todas as outras e que dá a cada uma delas a sua gravidade e a sua profundidade: é a experiência da presença do ser. Reconhecer esta presença, é reconhecer ao mesmo tempo a participação do eu no ser.

Ninguém pode, sem dúvida, consentir nesta experiência elementar, tomando-a na sua simplicidade mais despojada, sem sentir uma espécie de estremecimento. Cada qual reconhecerá que é primitiva, ou antes que é constante, que é a matéria de todos os nossos pensamentos e a origem de todas as nossas acções, que todas as iniciativas do indivíduo a supõem e a desenvolvem. — Mas, feita esta constatação, rapidamente é esquecida: de ora em diante basta que permaneça implícita; e deixamo-nos atrair seguidamente pelos fins limitados a curiosidade e o desejo nos propõem. Assim, a nossa consciência dispersa-se; perde a pouco e pouco a sua força e a sua luz; é assaltada por demasiados reflexos; não consegue agrupá-los porque se distanciou do foco que os produz.

O que é próprio do pensamento filosófico é vincular-se a esta experiência essencial, afinar-lhe a acuidade, retê-la quando está prestes a escapar-se, retomar a ela quando tudo se obscurece e são necessários um marco e uma pedra de toque; é analisar o seu conteúdo e mostrar que todas as nossas operações dependem dela, encontram nela a sua fonte, a sua razão de ser e o princípio da sua potência.

Mas é difícil isolá-la de modo a considerá-la na sua pureza: é necessário para tal uma certa inocência, um espírito liberto de todo [18] o interesse e mesmo de toda a preocupação particular. Saber que existe, não é ainda realizar-lhe a plenitude concreta, não é actualizá-la e possuí-la.

A maior parte dos homens é arrastada e absorvida pelos acontecimentos. Não tem o vagar bastante para aprofundar esta ligação imediata do ser e do eu que funda cada um dos nossos actos e que lhes dá o seu valor: não a sentem, antes pressentem a sua presença; nunca é para eles objecto de um olhar directo, nem de uma consciência clara; e se por vezes o seu pensamento acaba por a aflorar, mais não é do que um contacto passageiro e do qual a lembrança depressa se apaga.

Mas aquele que, pelo contrário, já apreendeu, num puro recolhimento e como o acto mesmo da vida, a solidariedade do ser e do eu, já não pode destacar dela o seu pensamento: a recordação deste contacto renova-lhe a presença, que não cessa jamais de fazer vibrar o seu espírito e de o iluminar. Que não se diga que esta experiência é evidente e deve ser feita, mas que é estéril se não for superada imediatamente: contém em si tudo o que podemos conhecer. Desde que é dado, a nossa vida reencontra a sua seriedade essencial, reatando os seus laços com o coração do real, o nosso pensamento, em vez de, como se crê, se empobrecer e se esvaziar, adquire a certeza e a eficácia, descobrindo, em cada um dos seus passos, a identidade do ser que possui e do ser ao qual se aplica.

Original

Il y a une expérience initiale qui est impliquée dans toutes les autres et qui donne à chacune d’elles sa gravité et sa profondeur : c’est l’expérience de la présence de l’être. Reconnaître cette présence, c’est reconnaître du même coup la participation du moi à l’être.

Personne sans doute ne peut consentir à cette expérience élémentaire, en la prenant dans sa simplicité la plus dépouillée, sans éprouver une sorte de frémissement. Chacun avouera qu’elle est primitive, ou plutôt qu’elle est constante, qu’elle est la mati  ère de toutes nos pensées et l’origine de toutes nos actions, que toutes les démarches de l’individu la supposent et la développent. — Mais, cette constatation une fois faite, on passe vite : il suffit désormais qu’elle reste implicite ; et nous nous laissons attirer ensuite par les fins limitées que nous proposent la curiosité et le désir. Ainsi notre conscience se disperse ; elle perd peu à peu sa force et sa lumière ; elle est assaillie de trop de reflets ; elle ne parvient pas à les rassembler parce qu’elle s’est éloignée du foyer qui les produit.

Le propre de la pensée philosophique est de s’attacher à cette expérience essentielle, d’en affiner l’acuité, de la retenir quand elle est près d’échapper, d’y retourner quand tout s’obscurcit et que l’on a besoin d’une borne et d’une pierre de touche, d’analyser son contenu et de montrer que toutes nos opérations en dépendent, trouvent en elle leur source, leur raison d’être et le principe de leur puissance.

Mais il est difficile de l’isoler pour la considérer dans sa pureté : il y faut une certaine innocence, un esprit libéré de tout intérêt et même de toute préoccupation particulière. Savoir qu’elle existe, ce n’est pas encore en réaliser la plénitude concrète, ce n’est pas l’actualiser et la posséder.

La plupart des hommes sont entraînés et absorbés par les événements. Ils n’ont pas assez de loisir pour approfondir cette liaison immédiate de l’être et du moi qui fonde chacun de nos actes et lui donne sa valeur : ils la soupçonnent plutôt qu’ils ne la sentent ; elle n’est jamais pour eux l’objet d’un regard direct, ni d’une conscience claire ; et si parfois leur pensée vient à l’effleurer, ce n’est qu’un contact passager et dont le souvenir s’efface vite.

Mais celui qui par contre a saisi une fois dans un pur recueillement et comme l’acte même de la vie la solidarité de l’être et du moi ne peut plus détacher d’elle sa pensée : le souvenir de ce contact en renouvelle la présence qui ne cesse plus d’ébranler son esprit et de l’éclairer. Que l’on ne dise pas que cette expérience est évidente et qu’elle doit être faite, mais qu’elle est stérile si on ne la dépasse pas aussitôt : elle contient en elle tout ce que nous pouvons connaître. Dès qu’elle est donnée, notre vie retrouve son sérieux essentiel en renouant ses attaches avec le cœur du réel, notre pensée, au lieu, comme on le croit, de s’appauvrir et de se vider, acquiert la certitude et l’efficacité en découvrant, dans chacune de ses démarches, l’identité de l’être qu’elle possède et de l’être auquel elle s’applique.


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