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Abulafia Estudo Oração

segunda-feira 1º de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Abraão Abulafia — DO ESTUDO E DA ORAÇÃO

Excertos de Walter Rehfeld, «Introdução à Mística Judaica»

Em todos os lugares por onde passou, Abulafia ensinou a sua Cabala   Extática, a sua tradição de misticismo extático. Um pequeno texto [1] ilustra como ele preparava a si e a outros para esta grande experiência:

"Esteja preparado para o teu Deus, ó filho de Israel. Apresta-te para dirigir teu coração a Deus só. Purifica teu corpo e escolhe uma casa solitária onde ninguém possa ouvir a tua voz. Assenta-te aí na tua cela e não revela a ninguém teu segredo. Se puderes, faze-o de dia em tua casa, mas é melhor que o executes durante a noite. No momento em que se prepara para falar ao Criador, se desejar que Ele lhe revele Sua potência, tome cuidado para abstrair todo o seu pensamento das vaidades deste mundo. Cobre-se com o seu manto de orações e coloca os Tefilin [2] na cabeça e nas mãos. Limpa seus trajes e, se possível, que todas as suas vestes sejam brancas, pois tudo isto ajuda a conduzir o coração ao amor de Deus. Se for noite, acende muitas luzes até que tudo brilhe. Então apanhe tinta, uma pena, uma tábua, para sua mão, e lembra-se de que esta servindo a Deus na alegria do seu coração. Agora começa a combinar algumas letras ou um grande número de letras, a deslocá-las e combiná-las até que seu coração se aqueça. Então permaneça atento aos movimentos das letras e ao que possa produzir ao remexê-las. E quando sentir que seu coração já se aqueceu, quando ver que por combinação de letras lhe é dado aprender novas coisas que não poderia conhecer pela tradição humana ou por si mesmo, e quando estiveres assim preparado a receber o influxo da potência divina que penetra em si, emprega toda a profundidade de seu pensamento a imaginar em seu coração o Nome [3] e Seus anjos superiores, como se fossem seres humanos sentados e postados junto de si. E considere um mensageiro que o rei e seus ministros devem enviar em missão e que aguarda para ouvir algo sobre a sua missão, seja do próprio rei, seja dos seus servidores. Depois de haver imaginado tudo isto muito vivamente, aplica todo seu espírito a compreender com seus pensamentos as numerosas coisas que hão de vir a seu coração por meio das letras que imaginaste. Deve considerá-las como o todo em cada um dos seus pormenores como uma pessoa que conta uma parábola ou um sonho, ou que medita sobre um problema profundo em um livro científico. Tente então interpretar o que ouvir a fim de que isto possa na medida do possível concordar com a sua razão. E tudo isto acontecerá depois de ter atirado ao longe a tabuinha e a pena, ou depois que elas lhe escaparem devido à intensidade de seu pensamento." (A tabuinha e a pena servem somente de escada, necessária apenas para subir e que depois pode ser dispensada).

[...]

Neste mesmo livro [4], ele fala do conteúdo que resulta da combinação de letras, do qual este trecho dá uma ligeira mostra:

"A ciência da combinação das letras: Sabei que o método do Tseruf pode comparar-se à música, pois o ouvido ouve sons e combinações diversas conforme o caráter da melodia e do instrumento. Assim, dois instrumentos diferentes podem formar uma combinação e se os sons se harmonizam, o ouvido de quem escuta experimenta uma sensação agradável, ao conhecer as diferenças. As cordas dedilhadas pela mão esquerda ou pela mão direita vibraram, o som delas é doce ao ouvido. Do ouvido, a sensação viaja até o coração e do coração até o baço — o centro da emoção, A união das diferentes melodias produz sempre novo prazer. £ impossível produzi-lo exceto pela combinação de sons e o mesmo é verdade quanto à combinação das letras. Toquemos a primeira corda que pode ser comparada a primeira letra; e dedilhemos a segunda, a terceira, a quarta, e a quinta, os diversos tons se combinam. Os mistérios que se exprimem nestas combinações rejubilam o coração que conheceu seu Deus e que se inunda de uma alegria sempre renovada".

Este pequeno texto é interessante porque estabelece uma ligação entre a mística e a estética. Evidentemente Abulafia achou que a arte que mais se aproxima da mística seja a música, mas também existe uma pintura muito próxima dos segredos da revelação divina.


[1Do Estudo e da Oração, página 587.

[2Tefilin são os filactérios que os judeus colocam na testa e no braço, na oração da manhã, como símbolo do seu envolvimento por Deus. Com isto suas mãos e sua cabeça ficam presos. ao divino.

[3Designação de Deus, cujo nome o judeu jamais pronuncia.

[4Do Estudo e da Oração, página 587.