Schopenhauer (MVR2:613-614) – o importante papel da relação sexual

A tudo isto corresponde o importante papel que a relação sexual desempenha no mundo humano, no qual é propriamente o invisível ponto central de qualquer ação e conduta, transparecendo em toda parte, apesar de todos os véus jogados sobre ela. É a causa da guerra e o objetivo da paz, o fundamento dos assuntos sérios e o alvo dos gracejos, a inesgotável fonte dos ditos espirituosos, a chave de todas as alusões e o sentido de todo sinal secreto, de toda proposta tácita e de todo olhar furtivo, é a divagação e aspiração diária do jovem e amiúde também do velho, o pensamento diário do impudico e a constantemente repetida fantasia do pudico mesmo contra a sua vontade, o estofo sempre pronto para o gracejo, justamente porque a mais profunda seriedade jaz em seu fundamento. O lado picante e zombeteiro do mundo é justamente que o principal assunto de todas as pessoas seja secretamente perseguido e ostensivamente ignorado tanto quanto possível. Mas, de fato, vê-se a todo instante esse impulso colocar-se como o verdadeiro e hereditário senhor do mundo, unicamente pela sua onipotência, sentado sobre seu trono ancestral e, com olhar sarcástico, de lá rir das medidas que se toma para domá-lo, encarcerá-lo, ao menos limitá-lo, e se possível ocultá-lo ao máximo, ou dominá-lo de tal modo que apareça apenas como uma totalmente subordinada e secundária questão da vida. — Porém, tudo isso concorda com o fato de o impulso sexual ser o núcleo da Vontade de vida, consequentemente, a concentração de todo querer; por isso mesmo é que no texto eu chamei os genitais de foco da vontade. Sim, pode-se dizer que o ser humano é impulso sexual concretizado em corpo; pois seu nascimento é um ato de copulação, e o desejo de seus desejos é ainda um ato de copulação, e esse impulso apenas perpetua e dá coesão a toda a sua aparência. A Vontade de vida exterioriza-se antes de tudo como esforço de conservação do indivíduo; todavia, isso é somente um estágio no esforço de conservação da espécie, esforço este que tem de ser mais impetuoso na medida em que a vida da espécie supera a do indivíduo em [613] duração, extensão e valor. Eis por que o impulso sexual [II 587] é a mais perfeita exteriorização da Vontade de vida, o seu tipo mais característico: e isso está perfeitamente de acordo seja com o fato de a origem dos indivíduos se dar a partir dele quanto por ele possuir o primado sobre todos os outros desejos do humano natural.

[…] Assim como o impulso sexual é o mais veemente dos apetites, o desejo dos desejos, a concentração de todo nosso querer e, portanto, a sua satisfação que corresponda exatamente ao desejo individual de alguém dirigido a um indivíduo determinado é o auge e coroamento da sua felicidade, o fim último dos seus esforços naturais, satisfação cujo alcançamento lhe é semelhante a tudo ter alcançado e cuja perda lhe é semelhante a tudo ter perdido; — também, como correlato fisiológico disso encontramos, na vontade objetivada, logo, no organismo humano, o esperma como a secreção das secreções, a quintessência de todos os sucos, o resultado final de todas as funções orgânicas, e nisto, ademais, temos uma prova renovada de que o corpo é apenas a objetidade da vontade, isto é, da vontade mesma sob a forma da representação.

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