A doutrina de que as aparências “aparecem” é errônea porque, distinguindo-se da transparência da Experiência consciente, a transparência mental inconsciente ou transparência da “intencionalidade”, ou ainda, transparência do ponto cego, consiste no contrário de “deixar transparecer” a realidade, ou no contrário de deixar transparecer o “objeto tomado como real”, pois consiste em expulsar da Aparição, mantendo-o à distância, aquilo que se pensará ser, per absurdum, “uma aparência enquanto objeto”. Do modo enganoso como encaminhei as coisas em Filosofia da Consciência, para explicar como o pensamento atribui sentido, tanto à realidade das aparências quanto à aparência da realidade, adotei a fórmula de que a aparência apareceria, seja como aquilo que seria meramente aparente, seja como aquilo que seria real. Vamos ter que reconsiderar isso tudo, e desde já, para tomar menos enganosa esta maneira de encaminhar a investigação, por mais justiça que, aqui ou ali, ela tenha feito ao senso comum. Vamos ter que mudar nosso modo de pensar sobre essas coisas e encontrar a maneira adequada de dizer o que queremos ou, inversamente, vamos ter que mudar nosso modo de dizer essas coisas, e encontrar a maneira adequada de querer dizer o que dizemos. Dito de outra maneira: o leitor verá que muito do que estou tentando explicar neste Capítulo está em Filosofia da Consciência. Mas talvez de modo um tanto… críptico: “a intencionalidade não é o que pensamos”… “há algo incoerente na própria noção de intencionalidade…”, etc., além de, como já reconheci enganoso: “o que aparece, ou aparece como real ou aparece como aparência, no caso de o reconhecermos como ilusório…” (Não estou transcrevendo o que está no livro, pois não o tenho em mãos, neste momento, mas pensando no que possa nele ter escrito.) É verdade que insisti muitíssimo no tema da impossibilidade da “autoconsciência”, ou “consciência de si”, mas… não vou reabrir o livro e explicá-lo. Esta é uma segunda chance. (E nada garante que me vou sair melhor).
Como expliquei em 1995, só há “objetivação” quando há o que chamo de “identificação”. E a identificação é a maneira que o pensamento tem de fazer com que… algo exista. Concedo: isto é deslavado idealismo, pois não disse que a identificação é a maneira que o pensamento tem de… “lidar com o que existe”, mas, ao contrário, que é a maneira que ele tem de… fazer com que algo exista. Pois então sou idealista: estou pouco ligando para esse tipo de rótulo, porque estou um nível aquém da controvérsia realismo/ idealismo, já que investigo aquilo mesmo que a torna possível. Aliás, até aqui, haverá para o leitor menos atento um sentido em que estou apenas chovendo no molhado; em linguagem atualizada: pode-se tomar tudo isso como uma defesa do “realismo empírico”, equivalente, para Kant, a seu “idealismo transcendental”. Mas as diferenças entre o que estou defendendo e a posição de Kant são menos sutis do que se poderia supor; na verdade já estão presentes no que já disse e vão tornar-se cada vez mais nítidas.