Ambivalência dos símbolos
Abordamos a gênese do simbolismo, começando pelas palavras que se dirigem ao ouvido e que foram usadas com predileção pelos povos nômades ou pastores, cuja atividade se exercia sobre um mundo animal, móvel como eles. É a razão pela qual suas línguas são tão ricas em expressões de movimento.
Quanto aos povos sedentários, agricultores e fundadores de cidades, exploraram naturalmente os reinos vegetal e mineral, utilizando um simbolismo de signos fixos que se dirigiam à vista, como a escrita, a arquitetura e as artes plásticas, sendo a escrita, ela própria, uma fixação da linguagem.
A complementariedade dos estados da existência corrigiu, entretanto, o que esses caracteres tinham de exclusivo. Os nômades, errantes no espaço, dedicaram-se sobretudo à poesia e à música, reguladas pelo ritmo do tempo. E os sedentários, fixados ao longo do tempo, entregaram-se principalmente às artes plásticas, que dependem do número e da geometria, tributários do espaço. Destas formas espaciais do simbolismo é que agora nos ocuparemos.
Nosso conhecimento do mundo acompanhou a exploração que nossa sensibilidade fazia do universo com o qual ela tentava identificar-se. Essa analogia, que as tradições antigas estabeleciam entre o microcosmo e o macrocosmo, é a verdadeira chave do simbolismo figurativo que utiliza os elementos da natureza para expressar as concepções do espírito. É por isso que o mundo espiritual se reflete no espelho das coisas visíveis em imagens invertidas. As antigas escrituras sagradas simbolizaram esta humanização do cosmos na figura de Adão, Adam Qadmon da cabala, e do Homem Universal do Islão. Cabeça nas nuvens e pés sobre a terra, o velho Adão tomava posse do cosmos, reconhecendo um mundo espiritual no céu, um mundo psíquico na zona intermediária do espaço aéreo e um mundo carnal no plano terrestre, concepção mítica que no hermetismo ocidental corresponde ao primordial andrógino – Andrógino.
Essa noção tem o mérito de introduzir no simbolismo uma dualidade complementar que explica sua ambivalência essencial.
Pois todo simbolismo é susceptível de, ao menos, duas interpretações opostas que devem unir-se para atingir seu sentido completo. Essa ambivalência é sensível até ao nível do vocabulário. Em hebraico, por exemplo, a palavra shet (serpente) tem dois sentidos opostos, o do fundamento e o da ruína, o que justifica os dois sentidos do caduceu hermenêutico. Em latim, a palavra altus significa alto e profundo, e a palavra sacer, santo e maldito. É o que poderíamos traduzir geometricamente por uma linha reta cuja direção vertical fosse percorrida em dois sentidos opostos (de cima para baixo e de baixo para cima), consideração que viria a ser uma definição da função simbólica.
O que à primeira vista nos detém diante dessa noção ce ambivalência não é a direção do movimento, mas a qualidade diferente que é atribuída por nós a cada uma dessas direções. Pois todo gesto executado pelo homem é afetado por considerável coeficiente de emoção e, consequentemente, cada zona do espaço em que se move acha-se, por contágio, carregada da mesma qualidade impressiva, de acordo com o prazer ou o temor que suscita, os obstáculos ou as facilidades que comporta. Um complexo hereditário nos leva a atribuir um valor diferente à esquerda e à direita, ao que está em cima e ao que está embaixo.
Se, por exemplo, na tradição do Ocidente, o lado direito é ativo e benéfico, o lado esquerdo passivo e “sinistro”, absolutamente o contrário é o que se passa na tradição chinesa, em que a mão direita será yin, isto é, feminina, pois leva os alimentos à boca, tarefa inferior, enquanto a mão esquerda será yang, porque ociosa.
O homem bilateral, cuja marcha é um balanceamento ritmado, divide, dessa forma, o mundo em duas metades opostas mas complementares, que refletem a dissimetria misteriosa do cérebro, tanto anatômica quanto funcional, já que o hemisfério esquerdo contém a zona da linguagem e o hemisfério direito preside à ação muda de um pensamento por signo, imagem e som.
No retrospecto da espécie, essa polaridade remonta a bem antes do aparecimento do reino animal, pois era visível na célula viva. Sem essa dissimetria original não teria existido vida, como já o havia notado Pasteur, já que a condição de seu a-parecimento se acha no equilíbrio de duas forças opostas.
Os psicotécnicos, especialistas da grafologia e dos testes de caráter, admitem a significação psíquica diferente das direções do espaço. É muito importante, sem dúvida, que tenham chegado às mesmas correspondências que se encontram nas antigas tradições, ainda que elas possam às vezes parecer incrivelmente reduzidas, quando são por eles adaptadas ao domínio de sua especialidade.
Para os grafólogos, a superfície horizontal de uma folha de papel pode ser considerada como o plano onde estaria projetada a imagem de um indivíduo que tivesse traçado sobre ela algumas linhas escritas. Podemos aí reconhecer as três zonas clássicas que se escalonam de alto abaixo, a espiritual, a psíquica e a corporal.
No meio da zona média encontra-se evidentemente o centro unificado da vida interior, a consciência do eu. Na zona superior, ao alto e à esquerda, encontra-se o domínio da espiritualidade especulativa, e à direita o da intelectualidade ativa. Na zona inferior, a parte esquerda é atribuída aos instintos sociais de submissão, e a direita aos impulsos de iniciativa e liberdade.
Por outro lado, se a parte média é separada em duas metades por uma linha vertical, a parte esquerda, comandada pelo cérebro direito, seria consagrada ao passado, e a direita, comandada pelo cérebro esquerdo, ao futuro. Aliás, é curioso constatar que a má reputação do lado esquerdo pode ser experimentalmente explicada. Remontaria ao traumatismo do nascimento, ao qual o lado esquerdo do embrião parece mais exposto por sua posição intra-uterina.
É natural que todo movimento, partindo do centro e que se dirija para a direita, caminhe para uma direção exterior, enquanto para a esquerda ele se refugiaria na interioridade. Poderíamos portanto dizer que a esquerda revela a parte hereditária e receptiva, o lado social e conformista do indivíduo, enquanto o lado direito revelaria sua originalidade criadora, sua vontade de expansão. E todo gesto se espiritualizaria elevando-se para o alto, e se materializaria dirigindo-se para baixo.
Podemos objetar a essa cinemática caracterial o fato de aplicar-se ela apenas à escrita das línguas ocidentais, obrigatoriamente traçadas da esquerda para a direita. Não se trata bem disso. Pode-se justamente testar uma tradição com a ajuda de sua escrita. Os povos semíticos, judeu e árabe, que escrevem da direita para a esquerda, revelam dessa forma um retorno ancestral permanente, uma fidelidade extraordinária à natureza de sua raça, à sua unicidade específica que chega à própria intolerância.
Enquanto povos, como os chineses, que escrevem da esquerda para a direita, mas de cima para baixo, dominam o que uma fidelidade à natureza de sua raça teria de muito particular, por um retorno periódico à sua espiritualidade original, e a uma tendência positiva que atribui maior importância ao resultado que aí pode atingir o método empregado. Não se pode dizer que esta análise seja contrária ao testemunho da psicologia das raças.
Disso resulta que o espaço mítico parece representar um papel preponderante em relação à nossa percepção sensível e ao nosso pensamento abstrato. As noções de alto e de baixo, de direita e de esquerda, antes de serem materialmente comprovadas, já estavam inscritas no espaço interior, qualificado desde sua origem pela manifestação do cosmos e em nossa virtualidade.