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Lavelle (EN:36-38) – ambiguidade do amor-próprio

terça-feira 2 de novembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

português

A aventura de Narciso inspirou todos os poetas desde Ovídio.

Narciso tem dezesseis anos. É inacessível ao desejo. Mas é essa recusa do desejo que vai se transformar para ele num desejo mais sutil.

Ele tem o coração puro. Por temor de que seu próprio olhar venha a manchar essa pureza, predisseram-lhe que viveria muito tempo se aceitasse não se conhecer. Mas o destino decidiu de outro modo. Ei-lo que se dirige para saciar sua sede inocente numa fonte virgem onde ninguém ainda se mirou. Ali ele descobre de repente sua beleza e desde então não tem mais sede senão de si mesmo. É sua beleza que produz agora o desejo que o atormenta, que o separa de si ao lhe mostrar sua imagem, e que o obriga a se buscar onde ele se vê, isto é, onde ele não é mais.

Diante dele está um objeto semelhante a ele, que veio com ele e que segue todos os seus passos. “Eu te sorrio”, ele diz, “e me sorris. Estendo-te os braços e me estendes os teus. Vejo que também desejas meu abraço. Se choro por sabê-lo impossível, choras comigo, e as mesmas lágrimas que nos unem, no sentimento do nosso desejo e da nossa separação, obscurecem a transparência da água e de súbito nos escondem um do outro”.

Então começa um jogo de recuos e fingimentos pelo qual ele se afasta de si para se ver e se lança em direção a si para se capturar. Foi-lhe necessário abandonar-se para dar a seu amor um objeto que se aniquilaria se se unisse a ele. Apenas um pouco de água o separa de si mesmo. Ele mergulha os braços para pegar esse objeto que não é senão uma imagem. Pode apenas contemplar-se e de modo algum abraçar-se. Vai se consumindo sem poder ir embora desse lugar. E agora não resta mais à beira da fonte, como testemunha da sua miserável aventura, senão uma flor cujo miolo cor de açafrão é cercado de pétalas brancas.

A ninfa Eco

Narciso pede à visão totalmente pura que o faça gozar da sua simples essência: e o drama no qual sucumbe é que ela só lhe pode dar sua aparência.

Ele está sem fala e não busca fazer ouvir-se. Pede apenas para ver-se, para capturar como uma presa seu corpo belo e mudo, ao qual as palavras dariam ainda sabe lá que perturbadora iniciativa que lhe inquietaria o desejo e dividiria a posse.

Mas seu fracasso mesmo o leva a tentar um apelo, a implorar uma resposta. Inquieto por essa solidão na qual permanece e que acreditou vencer, ele aceita romper a unidade do silêncio puro, buscando no côncavo da fonte os sinais de uma vida própria nessa forma que se assemelha à dele e que, no entanto, a duplica.

O eco repercute sua própria voz como para testemunhar que ele está sozinho e dá uma ressonância à sua solidão. Essa resposta, que imita suas palavras e não é mais que imitação de uma resposta, acaba por separá-lo dele mesmo e por transportá-lo a um mundo ilusório no qual sua própria existência se dissipa e lhe escapa.

A punição de Narciso é ter sido amado apenas pela ninfa Eco. Ele busca na fonte outro ser que possa amá-lo. Mas é incapaz de encontrá-lo ali. Ele não consegue escapar de si. O amor que tem por si não cessa de persegui-lo, embora ele queira evitá-lo.

O mito quer que o jovem Narciso não possa ser separado da ninfa Eco, que é a consciência que ele tem de si mesmo. Eco ama Narciso e não pode, para lhe exprimir seu amor, ser a primeira a falar. Pois ela não tem voz própria. Repete o que Narciso diz, mas repete só uma parte das palavras. “Há alguém perto de mim?”, diz Narciso. - “Mim”, repete Eco. E quando Narciso diz: “Reunamo-nos”, Eco repete: “Unamo-nos”. Ela lhe devolve eternamente suas próprias palavras, num refrão mutilado e irônico que jamais responde.

original

L’aventure de Narcisse a inspiré tous les poètes depuis Ovide.

Narcisse a seize ans. Il est inaccessible au désir. Mais c’est ce refus du désir qui va se changer pour lui en un désir plus subtil.

Il a le cœur pur. De crainte que son propre regard ne vienne ternir cette pureté, on lui a prédit qu’il vivrait longtemps s’il acceptait de ne se point connaître. Mais le destin en a décidé autrement. Le voilà qui se dirige pour apaiser sa soif innocente vers une fontaine vierge où personne encore ne s’est miré. Il y découvre tout à coup sa beauté et n’a plus soif que de lui-même. C’est sa beauté qui fait désormais le désir qui le tourmente, qui le sépare de soi en lui montrant son image, et qui l’oblige à se chercher lui-même où il se voit, c’est-à-dire où il n’est plus.

Il trouve devant lui un objet semblable à lui, qui est venu avec lui, et qui suit tous ses pas. “ Je te souris, dit-il, et tu me souris. Je te tends les bras, et tu me tends les tiens. Je vois bien que toi aussi tu désires mon étreinte. Si je pleure de la savoir impossible, tu pleures avec moi et les mêmes larmes qui nous unissent dans le sentiment de notre désir et de notre séparation obscurcissent la transparence de l’eau et nous cachent tout à coup l’un à l’autre.

Alors commence ce jeu de reculs et de feintes par lequel il s’écarte de soi pour se voir et s’élance vers soi pour se saisir. Il a fallu qu’il se quitte pour donner à son amour un objet qui s’anéantirait s’il parvenait à le joindre. Un peu d’eau seulement le sépare de lui-même. Il y plonge ses bras pour saisir cet objet qui ne peut être qu’une image. Il ne peut que se contempler et non point s’embrasser. Il dépérit sans pouvoir s’arracher à ce lieu. Et il ne subsiste plus maintenant au bord de la fontaine, comme témoin de sa misérable aventure, qu’une fleur dont le cœur couleur de safran est entouré de pétales blancs.

La nymphe Écho.

Narcisse demande à la vue toute pure de le faire jouir de sa seule essence : et le drame où il succombe, c’est qu’elle ne peut lui donner que son apparence.

Il est sans parole et ne cherche pas à s’entendre. Il ne demande qu’à se voir, qu’à saisir comme une proie son corps beau et muet auquel les paroles donneraient encore on ne sait quelle troublante initiative qui pourrait inquiéter en lui le désir et diviser la possession.

Mais son échec même l’invite à tenter un appel, à implorer une réponse. Inquiet de cette solitude où il demeure et qu’il avait cru vaincre, il accepte de rompre l’unité du silence pur, de chercher au creux de la fontaine les signes d’une vie propre dans cette forme qui ressemble à la sienne et qui pourtant la redouble.

Or l’écho répercute sa propre voix comme pour témoigner qu’il est seul et donne une résonance à sa solitude même. Cette réponse, qui imite ses paroles et qui n’est que l’imitation d’une réponse, achève de le séparer de lui-même et de le transporter dans un monde illusoire où sa propre existence se dissipe et lui échappe.

La punition de Narcisse, c’est de n’avoir été aimé que par la nymphe Écho. Il cherche dans la fontaine un autre être qui puisse l’aimer. Mais il est incapable de l’y trouver. Il ne peut s’échapper de soi. Seul l’amour qu’il a de soi ne cesse de le poursuivre, alors même qu’il voudrait le fuir.

Le mythe veut que le jeune Narcisse ne puisse pas être séparé de la nymphe Écho, qui est la conscience qu’il a de lui-même. Écho aime Narcisse et ne peut pas, pour lui exprimer son amour, lui parler la première. Car elle n’a point de voix propre. Elle répète ce que dit Narcisse, mais elle ne répète qu’une partie des mots. “ Y a-t-il quelqu’un près de Moi ? dit Narcisse. - “ Moi “, redit Écho. Et quand Narcisse dit : “ Réunissons-nous “, Écho redit : “ Unissons-nous. “ Elle lui renvoie éternellement ses propres paroles, dans un refrain mutilé et ironique et jamais n’y répond.


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