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Jano

terça-feira 30 de abril de 2024

  

Jano é na verdade o janitor ["porteiro"] que abre e fecha as portas (januae) do ciclo anual, com as chaves que constituem um de seus principais atributos. Lembraremos, a esse respeito, que a chave é um símbolo "axial". Isso se refere, é claro, ao lado "temporal" do simbolismo de Jano: seus dois rostos, de acordo com a interpretação mais habitual, representam respectivamente o passado e o futuro. Tal consideração do passado e do futuro é reencontrada em qualquer ciclo, por exemplo no ciclo anual, quando o encaramos de uma ou outra de suas extremidades. Desse ponto de vista, além disso, é importante acrescentar, para completar a noção do "tríplice tempo", que, entre o passado que não é mais e o futuro que ainda não é, o verdadeiro rosto de Jano, aquele que olha o presente, não é nenhum dos dois que podemos ver. Esse terceiro rosto, de fato, é invisível, porque o presente, em sua manifestação temporal, é apenas um instante imperceptível. Mas ao contrário, quando nos elevamos acima das condições dessa manifestação transitória e contingente, o presente contém toda realidade. O terceiro rosto de Jano corresponde, num outro simbolismo da tradição hindu, ao olho frontal de Shiva.
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Voltemos ao que diz respeito de forma mais particular ao ciclo anual, ou seja, suas portas, que Jano tem por função abrir e fechar, e que nada mais são que as portas solsticiais de que falávamos. Não há possibilidade de qualquer dúvida a esse respeito. De fato, Jano deu o seu nome ao mês de janeiro (Januarius), o primeiro, pelo qual se abre o ano quando começa normalmente no solstício de inverno [no hemisfério norte]. Por outro lado, e o que é ainda mais claro, a festa de Jano, em Roma, era celebrada pelos Collegia Fabrorum nos dois solstícios. Iremos agora insistir mais sobre esse último ponto. As portas solsticiais, como já vimos antes, dão acesso às duas metades, ascendente e descendente, do ciclo zodiacal que aí têm seus respectivos pontos de partida; por essa razão, Jano, que já vimos aparecer como o "Mestre do tríplice tempo" (designação também aplicada a Shiva pela tradição hindu), é o "Mestre dos dois caminhos", os caminhos da direita e da esquerda, que os pitagóricos representavam pela letra Y, e que são, no fundo, idênticos ao deva-yana e ao pitri-yana. Pode-se compreender facilmente, por aí, que as chaves de Jano são na realidade as mesmas que, segundo a tradição cristã, abrem e fecham o "Reino dos céus" (sendo que o caminho pelo qual este é alcançado corresponde, nesse sentido, ao deva-yana), e isso tanto mais que, sob um outro ponto de vista, essas duas mesmas chaves, uma de ouro e outra de prata, eram também as dos "grandes mistérios" e dos "pequenos mistérios". [Guénon]


A interpretação mais habitual das duas faces de Jano é considerá-las como representação, respectivamente, do passado e do futuro. Essa interpretação, embora sendo muito incompleta, nem por isso deixa de ser exata sob um certo ponto de vista. É por isso que, num grande número de representações, uma das faces é a de um homem velho e a outra a de um jovem. Não é esse porém o caso do emblema de Luchon (v. Jano e Cristo); um exame atento não deixa dúvida de que se trata do Jano andrógino, ou Jano-Jana, e basta apenas mencionar a estreita relação dessa forma de Jano com certos símbolos herméticos, tal como o Rebis. [Guénon]
Vê-se na representação em "Jano e Cristo", o cetro e a chave nas mãos de Jano. Do mesmo modo que a coroa (que pode ser considerada ainda como símbolo de poder e elevação, no sentido mais abrangente, tanto na ordem espiritual quanto na ordem temporal, e que, nesse caso, nos parece mais ter esta última acepção), o cetro é o emblema do poder real, e a chave, por sua vez, do poder sacerdotal. É preciso notar que o cetro está à esquerda da figura, do lado do rosto masculino, e a chave à direita, do lado do rosto feminino. [Guénon]
Em algumas representações Jano leva duas chaves; são as chaves das duas portas solsticiais, Janua Coeli e Janua Inferni, que correspondem respectivamente ao solstício de inverno e ao solstício de verão, ou seja, aos dois pontos extremos do percurso do Sol no ciclo anual, pois Jano, enquanto "Senhor do tempo" (Senhor da Eternidade), é o Janitor [’porteiro’] que abre e fecha o ciclo. Por outro lado, ele é também o deus da iniciação aos mistérios: initiatio deriva de in-ire, "entrar" (o que se liga de igual modo ao simbolismo da "porta") e, segundo Cícero, o nome Jano tem a mesma raiz que o verbo ire, "ir"; a raiz "i" encontra-se também no sânscrito com o mesmo sentido que no latim, e nessa língua tem entre suas derivadas a palavra yana, "caminho", cuja forma é singularmente próxima da palavra Jano. "Eu sou o Caminho", disse Cristo; seria possível ver aí uma outra aproximação? [Guénon]

Ver online : René Guénon