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Graal

terça-feira 30 de abril de 2024

  

[tabby title="Julius Evola  "]

Se quisermos aprofundar o que há de essencial no conjunto das lendas cavaleirescas e dos escritos épicos, aos quais — juntamente com muitas outras lendas análogas que com eles, de certa maneira, se relacionam — o ciclo do Graal pertence, devemos superar uma série de preconceitos, entre os primeiros dos quais se encontra aquele a que nós chamaremos o preconceito literário.

Trata-se da atitude de quem, na saga e na lenda, se recusa a ver qualquer outra coisa para além de uma produção fantástica e poética, individual ou colectiva mas, de qualquer modo, simplesmente humana, desconhecendo, portanto, aquilo que nela possa ter um valor simbólico superior e que não pode ser reduzido a uma criação arbitrária. Pelo contrário, é precisamente este elemento simbólico, a seu modo objectivo e supra-individual, que constitui o que há de essencial nas sagas, nas lendas, nos mitos, nas canções de gesta e nas epopeias do mundo tradicional [1]. O que se pode e deve admitir é que esse elemento, no conjunto das composições, nem sempre resulta de uma intenção perfeitamente consciente. Especialmente quando se trata de criações de carácter semi-colectivo, não é raro o caso em que os elementos mais importantes e mais significativos tenham sido expressos praticamente sem o conhecimento dos seus autores, os quais mal se deram conta de obedecer a certas influências que, num dado momento, se serviram das intenções directas e da espontaneidade criadora de personalidades ou grupos particulares como meio para atingir os seus fins. Deste modo, mesmo nos casos em que aquilo que é composição poética ou fantástica parece estar, e está materialmente, em primeiro plano, um tal elemento não tem o mínimo valor de revestimento fortuito e de veículo de expressão, sobre o qual apenas um olhar dos mais superficiais se poderá deter. Pode mesmo admitir-se que alguns autores tenham apenas querido «fazer arte» e que o tenham conseguido, de tal maneira as suas produções vão directamente ao encontro daqueles que unicamente conhecem e admitem o ponto de vista estético. Isso não impede, contudo, que, procurando «fazer apenas arte», e na própria medida em que obedeceram a um impulso espontâneo, isto é, a um processo imaginativo incontrolado, eles tenham também feito outra coisa, que eles tenham conservado, transmitido ou feito agir um conteúdo superior, que o olhar experiente saberá sempre reconhecer e acerca do qual alguns autores seriam talvez os primeiros a espantar-se, se isso lhes fosse claramente indicado. [O Mistério do Graal]

[tabby title="Patrick Rivière"]

Lúcifer, em sua queda, perdeu a pedra, lapis ex coelis, lapsit exillis, que tinha incrustada na fronte [2], e que se fez em pedaços ao contato com a Terra. Assim impõe a tradicional lenda do Graal, cujo mito eterno se revestiu de outros aspectos, não menos simbólicos, como vimos anteriormente. Assim, a "pedra caída do céu" pôde encamar-se naturalmente na pedra escura encontrada em Pessinonte, simbolizando a deusa-mãe Cibele, e igualmente na "Kaaba" da Meca, no coração do mundo islâmico, trazida pelo anjo Jibrail (Gabriel) para o profeta Abraão. É também a "pedra do ângulo" (hajar er ruku) assimilada na pedra angular das Escrituras e representando, no plano alquímico, a pedra do "coignet" das catedrais góticas. Até os famosos "escudos dos Sálios", a Tradição prescreve que tenham sido talhados em um aerólito, na época em que o imperador iniciado, Numa Pompílio [3], reinava em Roma, salientando por aí o poder mágico celeste que os caracterizava!

Se, em persa, gor-hal significa literalmente "a preciosa pedra talhada", Urnâ (urna sugerindo vaso), na Índia, designa a pérola frontal ou terceiro olho de Shiva, que é proveniente da interação vibratória das forças da alma, cuja sede, segundo a Tradição, fica na glândula pineal, e das forças da personalidade localizadas na glândula pituitária associada ao centro frontal superior: o ajna chakra. Essas vibrações intensas estão na origem do que o sábio Patanjali qualificava de "luz na cabeça" o que representa simbolicamente o coração do sol da iluminação!

Porém, o Graal é também um vaso, não nos esqueçamos; é o que contém o sangue de Cristo, mas sobretudo que serviu para realizar a transubstanciação, na tarde da Ceia, mudando o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Cristo, em Amor e Luz crísticos! Aquele que é a "Luz e a Vida" e que veio "acender o fogo sobre a terra" ofereceu seu corpo de carne ao mundo e seu corpo de Luz aos "homens de boa vontade", que, pela Eucaristia, comungam na divindade de Cristo. O mistério eucarístico se cumprirá assim através das duas espécies, do pão e do vinho [4] — símbolos de abundância e de vida do alimento celeste [5]) para gerar a fusão divina. O Mestre Eckhart   não afirmaria, com justa razão, "O homem é na verdade Deus, e Deus é na verdade o homem"? [Patrick Rivière: Os Caminhos do Graal]

NOTAS: footnotearea[tabbyending]



CITAÇÕES:


Ver online : René Guénon


[1No que diz respeito ao sentido específico que nós damos ao termo «mundo tradicional», é indispensável uma referência às nossas obras «Rivolta contro il Mondo Moderno», Roma, 1969; e «Maschera e volto dello spiritualismo contemporaneo», Edizioni Mediterranee, 1971.
É o mesmo sentido que R. Guénon e o seu grupo lhe deram. Cf. «A crise do Mundo Moderno», de René Guénon, publicado nesta mesma colecção (A. C. C.).

[2Dizem também que Lúcifer, ao cair, teria se chocado com um astro pela aba de sua coroa, e, segundo a gnose síria, São Miguel destacou a esmeralda lançando Lúcifer por terra.

[3Numa Pompílio era um discípulo de Pitágoras (Ovídio, As Metamorfoses, livro XV) e um sábio iniciado cuja esposa foi a célebre Egéria. Foi a origem da instituição das Vestais, virgens sagradas que deviam manter o Fogo sagrado. Quanto ao colégio dos Sálios, comportava doze membros, sugerindo os doze signos do zodíaco.

[4"Pão, literalmente, quer dizer a substância que contém tudo, e vinho, a substância que tudo vivifica", in Eckartshausen, La Nuée sur le sanctuaire, ed. Amitiés spirituelles, p. 138.

[5Os cátaros enunciavam assim o Pater Noster. "Dai-nos hoje nosso pão celestial (ou ainda "supersubstancial")": "Pois, o pão de Deus é aquele que vem do céu e que dá vida ao mundo (João, VI, 33). "Eu sou o pão vivo" (João VI, 35