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Guénon Doutrinas Hindus Excertos

quarta-feira 27 de dezembro de 2023, por Cardoso de Castro

  

René Guénon — Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus
Excertos (traduzidos em português)
Capítulo X A Realização Metafísica
Indicando os caracteres essenciais da metafísica, dissemos que ela constitui um conhecimento intuitivo, quer dizer imediato, se opondo nisso ao conhecimento discursivo e mediato de ordem racional. A intuição intelectual é mesmo mais imediata ainda que a intuição sensível, pois ela está além da distinção do sujeito e do objeto que esta última deixa subsistir; ela é ao mesmo tempo o meio de conhecimento e o conhecimento ele mesmo, e, nela, o sujeito e o objeto estão unificados e identificados. Por conseguinte, todo conhecimento só merece verdadeiramente este nome na medida que tem por efeito produzir uma tal identificação, mas que, por toda parte a princípio, permanece sempre incompleto e imperfeito; em outros termos, só há conhecimento verdadeiro no que participa mais ou menos da natureza do conhecimento intelectual puro, que é o conhecimento por excelência. Todo outro conhecimento, sendo mais ou menos indireto, só tem em suma um valor sobretudo simbólico ou representativo; só há conhecimento verdadeiro e efetivo no que nos permite penetrar na natureza mesma das coisas, e, se tal penetração já pode ter lugar, até certo ponto, nos graus inferiores do conhecimento, é apenas no conhecimento metafísico que é pleno e totalmente realizável.

A consequência imediata disso, é que conhecer e ser nada mais são que uma só e mesma coisa; são, por assim dizer, dois aspectos inseparáveis de uma realidade única, aspectos que não poderiam mesmo ser mais distinguidos verdadeiramente lá onde tudo é "sem dualidade". Isso basta para tornar completamente vãs todas as "teorias do conhecimento" com pretensões pseudo-metafísicas que têm um lugar tão grande na filosofia ocidental moderna, e que tendem por vezes, como em Kant  , por exemplo, a absorver todo o resto, ou pelo menos a subordiná-lo; a única razão de ser deste gênero de teorias é em uma atitude comum de quase todos os filósofos modernos, e a princípio advinda do dualismo cartesiano, atitude que consiste a opor artificialmente o conhecer ao ser, o que é a negação de toda verdadeira metafísica. Esta filosofia chega também assim a querer substituir a "teoria do conhecimento" ao conhecimento ele mesmo, e eis aí, de sua parte, uma verdadeira declaração de impotência; nada é mais característico a este respeito que esta declaração de Kant: "A maior e talvez a única utilidade de toda filosofia da razão pura é, sobretudo, exclusivamente negativa, posto que ela é, não um instrumento para estender o conhecimento mas uma disciplina para limitá-lo" (Kritik der reinen Vernunft, ed. Hartenstein, p. 256). Tais palavras só vêm dizer simplesmente que a única pretensão dos filósofos deve ser de impor a todos os limites estreitos de seu próprio entendimento. Eis aí, no mais, o inevitável resultado do espírito de sistema, que é, repetimos, antimetafísico ao máximo.

A metafísica afirma a identidade profunda do conhecer e do ser, que não pode ser posta em dúvida (a não ser por aqueles que ignoram seus princípios mais elementares); e como esta identidade é essencialmente inerente à natureza mesma da intuição intelectual, ela não a afirma somente, ela a realiza.