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Gordon (IMA:2-4) – hierogamia

terça-feira 26 de setembro de 2023, por Cardoso de Castro

  

A hierogamia neolítica e o rito de separação, como origem do cosmo

tradução

A criação do mundo, por exemplo, não determinava nenhuma perplexidade. Nada parecia mais límpido. O grande ritual de criação partia, com efeito, ao final da era neolítica, de um homem e de uma mulher sexualmente acoplados: estava aí o céu e a terra, primitivamente confundidos, e não formando senão um só bloco; um terceiro oficiante, que representava o ser humano, intervinha de repente para separá-los; ele levantava por seus braços aquele dos dois primeiros atores sagrados que se encontrava sobre o outro; tinha-se assim, por causa do homem, uma cisão entre o céu e a terra; se a mulher, na união hierogâmica, ocupava a posição superior, alcançava-se ao Céu-Mãe e à Terra-Pai (tal como no Antigo Egito, onde Nout, a deusa do céu, é frequentemente figurada como desacoplada do deus terra, Geb, para o qual ela estende os braços e as pernas; é Shou, o espaço-atmosfera, que efetua a disjunção); quando, ao contrário, o lugar de cima era atribuído ao elemento masculino, o rito de separação conduzia ao Céu-Pai e à Terra-Mãe.

O problema do começo do mundo físico se encontrava desde então, graças a esta liturgia, totalmente elucidado. No princípio se encontrava o que se chamará mais tarde, por incompreensão, o Caos, que nada mais era, a princípio, que o universo do dinamismo — diríamos atualmente o universo da energia radiante — quer dizer um cosmos qualitativo, onde os seres e os objetos não aparecem como distintos uns dos outros. A violência do homem rompe esta unidade primordial e introduz a segregação espacial e temporal. Os seres foram doravante cindidos e parecem deter cada um uma parcela autônoma de existência. Eles não se integram mais em um só e mesmo Ser. Houve doravante um domínio divino e um domínio humano. O Céu e a Terra constituíram dois polos em aparência independentes, embora complementares. O primeiro homem tinha, verdadeiramente, feito nascer, por seu pecado, o mundo que temos sob os olhos; tinha-se aí a causa do universo.

Teríamos, certamente, nos equivocado muito em desdenhar estas concepções, pois não descobrimos nada melhor para explicar que o cosmos da energia radiante, que é o único real e eterno, seja apreendido pelo ser humano não em sua essência, mas sob o aspecto de um cosmos de mecanismos espaço-temporais e de matéria opaca. Ao final do neolítico estas visões ofereciam além do mais a vantagem de se associar estreitamente ao ritual fálico, o qual se propunha restabelecer, pela união sexual praticada de uma maneira santa, de como sacramento, a unidade primitiva do céu e da terra; a integração de um sexo no outro, efetuada em certas condições, suprimia o Múltiplo e elevava o casal humano à existência divina primordial. Tal é a significação, extremamente profunda e nobre, dos cultos fálicos, nos quais os historiadores das religiões veem tão tolamente, com desprezo, uma «magia da fecundidade»: aquilo que estas práticas só se tornaram ao cabo de muitos milênios, quando, a ascese iniciática tendo cedido, sua grandeza cessou de ser entendida.

Esta liturgia de criação punha em relevo, por outro lado, o papel de demiurgo que foi aquele do primeiro homem no advento do mundo apreendido como mundo físico - físico. Ela fez aparecer que este universo, em seu elemento inferior, quer dizer espaço-temporal, se encontra totalmente dependente do estado de decadência do pensamento humano, e que a restauração do potencial mental primitivo marca o retorno ao super-homem - estado sobre-humano, dito de outra maneira, à anulação do cosmos fenomenal. — Ela mostrou, por outro lado, que na origem de tudo se descobre o Amor: o amor total e integralmente unificador, no mundo de radiância; em seguida, por degradação, ao estado de decadência, no mundo espaço-temporal da separação, o amor-desejo. De tais noções não resultaram, repitamos, investigações especulativas. Elas foram a expressão direta das ritos - cerimônias rituais. Elas se referiam, como dissemos acima, à liturgia - experiência litúrgica. Eis aí o que lhes deu força, sua tenacidade, e também sua magnificência.

Original

La création du monde, par exemple, ne déterminait aucune perplexité. Rien ne semblait plus limpide. Le grand rituel de création partait, en effet, à la fin de l’ère néolithique, [3] d’un homme et d’une femme sexuellement accouplés : c’était là le ciel et la terre, primitivement confondus, et ne formant qu’un seul bloc; un troisième officiant, qui représentait l’être humain, intervenait tout à coup pour les séparer; il soulevait à bout de bras celui des deux premiers acteurs sacrés qui se trouvait sur l’autre; l’on avait ainsi, à cause de l’homme, une scission entre le ciel et la terre; si la femme, dans l’union hiérogamique, occupait la position supérieure, l’on aboutissait au Ciel-Mère et à la Terre-Père (tel était le cas en Égypte, où Nout, la déesse ciel, est fréquemment figurée comme désaccouplée du dieu terre, Geb, vers qui elle tend les bras et les jambes; c’est Shou, l’espace-atmosphère, qui effectue la disjonction); quand, par contre, la place de dessus était attribuée à l’élément masculin, le rite de séparation conduisait au Ciel-Père el à la Terre-Mère.

Le problème du commencement du monde physique se trouvait dès lors, grâce à cette liturgie, totalement élucidé. Au principe se rencontrait ce qu’on appellera plus tard, par mécompréhension, le chaos, qui n’était rien d’autre, tout d’abord, que l’univers du dynamisme —· nous dirions actuellement l’univers de l’énergie radiante — c’est-à-dire un cosmos qualitatif, où les êtres et les objets n’apparaissaient point comme distincts les uns des autres. La violence de l’homme rompit cette unité primordiale et introduisit la ségrégation spatiale el temporelle. Les êtres furent désormais scindés et parurent détenir chacun une parcelle autonome d’existence. Us ne s’intégrèrent plus dans un seul et même Être. Il y eut dorénavant un domaine divin et un domaine humain. Le Ciel et la Terre constituèrent deux pôles en apparence indépendants, quoique complémentaires. Le premier homme avait, en toute vérité, fait naître, par son péché, le monde que nous avons sous les yeux; l’on tenait là la cause de l’univers.

Nous aurions, certes, grand tort de dédaigner ces conceptions, car nous n’en avons pas découvert de meilleures [4] pour expliquer que le cosmos de l’énergie radiante, qui est le seul réel et éternel, soit saisi par l’être humain non dans son essence, mais sous l’aspect d’un cosmos de mécanismes spatio-temporels et de mati  ère opaque. A la fin du néolithique ces vues offraient en outre l’avantage de se souder étroitement au rituel phallique, lequel se proposait de rétablir, par l’union sexuelle pratiquée d’une manière sainte, et comme sacrement, l’unité primitive du ciel et de la terre; l’intégration d’un sexe dans l’autre, effectuée dans certaines conditions, supprimait le Multiple et haussait le couple humain à l’existence divine primordiale. Telle est la signification, extrêmement profonde et noble, des cultes phalliques, dans lesquels les historiens des religions voient si sottement, avec mépris, une « magie de fécondité » : ce que ces usages ne sont devenus qu’au bout de plusieurs millénaires, quand, l’ascèse initiatique ayant fléchi, leur grandeur cessa d’être entendue.

Cette liturgie de création mettait, d’autre part, en un relief saisissant, le rôle de démiurge qui fut celui du premier homme dans l’avènement du monde appréhendé comme physique. Elle faisait ressortir que cet univers, dans son élément inférieur, c’est-à-dire spatio-temporel, se trouve totalement suspendu à l’état de déchéance de la pensée humaine, et que la restauration du potentiel mental primitif marque le retour à l’état surhumain, autrement dit l’annulation du cosmos phénoménal. — Elle montrait, en outre, qu’à l’origine de tout se découvre l’Amour : l’amour total et intégralement unificateur, dans le monde de radiance; puis, par dégradation, à l’état de déchéance, dans le monde spatio-temporel de la séparation, Y amour-désir. De telles notions ne résultèrent pas, répétons-le, de recherches spéculatives. Elles furent l’expression directe des cérémonies rituelles. Elles se référaient, comme nous l’avons dit plus haut, à l’expérience liturgique. C’est là ce qui fit leur force, leur ténacité, et aussi leur magnificence.