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Tourniac: Castelos Moradas Céus

sexta-feira 29 de dezembro de 2023, por Cardoso de Castro

  

JEAN TOURNIAC   — VIDA PÓSTUMA E RESSURREIÇÃO NO JUDEU-CRISTIANISMO
A CONSTITUIÇÃO DO SER HUMANO NO JUDAÍSMO
Comparação entre tradições judaica e cristã

As precisões sobre as “camadas de alma concêntricas” poderão surpreender o leitor cristão habituado a não considerar senão uma “Unidade” anímica. No entanto a noção de uma “fina ponta” da alma é estrangeira à teologia de Eckhart   e a sua posteridade?

Que dizer dos castelos e moradas, ou “céus”, de outros teólogos tanto franciscanos quanto dominicanos ou carmelitas? Particularmente, neste último caso, como não sonhar às diferentes moradas da alma de santa Teresa de Ávila  ?

Para a santa, a alma é “uma” certamente, pois ela é todo o “castelo interior” e suas moradas. Trata-se logo de uma designação genérica como aquela de Neschamah em certos “esoteristas” judeus e Teresa é também neta de notável judeu convertido de Toledo. Ela assim se explica: “Podemos considerar nossa alma como um castelo, feito de um único diamante ou de um cristal perfeitamente límpido e no qual há muitos apartamentos, como no céu há muitas moradas”.

Além do mais, e como no universo concêntrico anímico indo do psiquismo vital ao espiritual, divino, encontramos também, no centro do castelo interior, o “ponto de junção” com o Eterno pela oração.

Há portanto uma “via interior” partindo do limiar até às quatros últimas moradas onde, contrariamente às três primeiras moradas, é Deus que “toma a iniciativa da oração e é Ele que introduz a “alma”, em sua própria morada”. Aí é o “abismo profundo”, objeto de uma manifestação na alma da Trindade pela “visão intelectual”. Tal é a visão luminosa própria à sétima “morada” da alma. Teresa a exprimirá como segue:
“Assim que a alma é introduzida nesta morada, as três pessoas da Santa-Trindade se mostram a ela por uma visão intelectual, à luz de uma chama que esclarece a princípio seu espírito, como uma nuvem de um incomparável esplendor. Ela vê que estas três pessoas são distintas; pois, por um conhecimento admirável que lhe é dada, ela compreende com a mais completa certeza que estas três pessoas são uma única substância, um só poder, uma só sabedoria e um só Deus”.

É a princípio no livro do “Castelo Interior” que a santa do Carmelo introduz um símbolo próprio à Escritura e à Patrística, mas relativo precisamente à “deiformidade” progressiva da alma no Cristo: aquele da “transformação do bicho-de-seda em borboleta”. É portanto o “lugar” metafísica onde vai se operar a “metamorfose”, a passagem além desta forma mesma, a qual é o elemento sutil e individual.

Já São Basílio se exprimia em termos semelhantes buscando na transformação do bicho-de-seda em borboleta o que considerava “uma clara ideia da ressurreição”.

É então a “Ressurreição dos Corpos” que se impõe como única promessa do Filho de Deus e Filho de Israel — não a imortalidade da alma, deve-se dizer uma vez mais? — Glória da carne glorificada, ou corpo glorioso, de luz, que aparece a Teresa como “sempre a carne glorificada”.

No entanto antes de abordar o “caso cristão” nos estados póstumas, adicionaremos ainda algumas reflexões concernindo a tradição egípcia. Encontra-se com efeito neste último de longos comentários sobre o destino póstumo no “Livro dos Mortos Egípcios”. Eles são interessantes sob vários aspectos:

  • denotam uma certa similitude com a concepção das “camadas de almas” do esoterismo hebraico, o que faz que se poderia pensar que a tradição, através da tradição de Moisés, herdou mistérios da civilização faraônica, como já fizemos observar.
  • atualmente também alguma semelhança com a constituição do ser sutil e espiritual descrita no islã xiita com os dois “jismes” e “jasads” (vide Henry Corbin  ).
  • têm em comum, com o Bardo Todol tibetano, a errância anímica durante “um ano” mas no entanto com uma perceptiva final diferente, como se verá, e que aproxima-se do conceito cristão.

Aí também veremos aparecer a dificuldade de “definir” o Espírito para o distinguir das “almas” ou corpo anímico. Certamente o hebreu “clássico” com o ternário Gouf, Nephesh e Ruah, — o que se encontra em Paulo Apostolo — é mais simples mas difícil de discernir do Neschamah, a alma superior e de Ruah, o Espírito. Mas marcante é a distinção entre Ruah, o “sopro”, literalmente, e “Nephesh a alma animada pelo Ruah”.

A princípio Nephesh designa igualmente o pescoço por onde passa:

  • o alimento sólido, cuja ausência determina a morte ao final de alguma semanas
  • o líquido cuja ausência determina a morte ao final de alguns dias
  • o ar cuja ausência determina a morte ao final de alguns minutos,

e é Nephesh que dá o “ultimo suspiro”.