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enunciação

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Qual é a possibilidade que temos de anular o efeito mimético dos enunciados filosóficos? De que forma podemos fazer que também com os enunciados de caráter filosófico possam estar sob um ponto de vista crítico? Como podemos nós aceder à coisa ela mesma, livrando-nos do ponto de vista da enunciação, uma vez que pode verificar-se a mesma situação que identificáramos no acolhimento dos enunciados miméticos em sentido estrito? Aí víramos que ter em vista o afeto alheio (ἀλλότριον πάθος [allotrion pathos]) nos fazia regozijar, e que a única possibilidade de acompanhar o verdadeiro sentido da situação seria estarmos nós nela, caso esse afeto (πάθος) se transformasse num cuidado (κῆδος [kedos]) que acontece a cada um de nós [República  , 605d7]. O mesmo se passa para os enunciados filosóficos. Eles são acolhidos na sua exterioridade (ἔξωθεν [exoden]) e não são apropriados por nós (ἔνδοθεν [endoden]) [1] através de uma preocupação séria (σπουδή [spoude]) que nos lembraria o seu verdadeiro sentido [Fedro  , 275a4]. Segundo as enunciações da Carta VII  , a convivência (συνουσία [synousia]) e a existência comum (συζῆν [syzen]) com a própria coisa (αὐτό τὸ πρᾶγμα [auto to pragma]) são as possibilidades que temos para anular a exterioridade da mera lembrança repetitiva (ὑπόμνησις [hypomnesis]) e de constituir uma verdadeira apropriação dos conteúdos, uma memória (μνήμη [mneme]). Esta é a preocupação constante em destruir no domínio da reprodução (μίμησις [mimesis]) a distância relativamente às coisas elas mesmas. [CaeiroArete:110]


LÉXICO: enunciação

Observações

[1Cf. T. G. Rosenmeyer, «Plato’s Prayer to Pan-Phaedrus, 279b8-c3», Hermes, 90, 1962: «More generally speaking the distinction between ἔνδοθεν and ἔξωθεν is of course that between ‘at home’ and ‘abroad’. The walls of the house are the most natural limit between ἔνδοθεν and ἔξωθεν. The limit becomes especially important where a distinction is made between the insiders and the outsiders» (p. 41).