Schopenhauer (MVR1:043-045) – o mundo é representação

[I 3] “O mundo é minha representação [Vorstellung].” Esta é uma verdade que vale em relação a cada ser [Wesen] que vive e conhece, embora apenas o homem possa trazê-la à consciência [Bewußtseyn] refletida e abstrata. E de fato o faz. Então nele aparece a clarividência filosófica. Torna-se-lhe claro e certo que não conhece sol algum e terra alguma, mas sempre apenas um olho que vê um sol, uma mão que toca uma terra. Que o mundo a cercá-lo existe apenas como representação, isto é, tão-somente em relação a outrem, aquele que representa, ou seja, ele mesmo. — Se alguma verdade [Wahrheit] pode ser expressa a priori, é essa, pois é uma asserção da forma de toda experiência [Erfahrung] possível e imaginável, mais universal que qualquer outra, que tempo, espaço e causalidade, pois todas essas já a pressupõem; e, se cada uma dessas formas, conhecidas por todos nós como figuras particulares do princípio de razão [Satzes vom Grunde], somente valem para uma classe específica de representações, a divisão em sujeito e objeto, ao contrário, é a forma comum de todas as classes, unicamente sob a qual é em geral possível pensar qualquer, tipo de representação, abstrata ou intuitiva, pura ou empírica. Verdade alguma é, portanto, mais certa, mais independente de todas as outras e menos necessitada de uma prova do que esta: o que existe para o conhecimento, portanto o mundo inteiro, é [I 4] tão-somente objeto em relação ao sujeito., intuição de quem intui, numa palavra, representação. Naturalmente isso vale tanto para o presente quanto para o passado e o futuro, tanto para o próximo quanto para o distante, pois é aplicável até mesmo ao tempo, bem como ao espaço, [43] unicamente nos quais tudo se diferencia. Tudo o que pertence e pode pertencer ao mundo está inevitavelmente investido desse estar-condicionado pelo sujeito, existindo apenas para este. O mundo é representação.

[…]

Portanto, apenas do lado indicado, apenas na medida em que é representação, consideramos o mundo neste primeiro livro. Todavia, [I 5] que semelhante consideração, sem prejuízo de sua verdade, seja unilateral, consequentemente produzida por uma abstração arbitrária, anuncia-se a cada um pela resistência interior com a qual aceita o mundo como sua mera representação. Aceitação a que, por outro lado, nunca pode furtar-se. A unilateralidade dessa consideração, entretanto, o próximo livro complementará mediante uma verdade que não é tão imediatamente certa quanto a verdade da qual partimos aqui e à qual só a investigação mais aprofundada, a abstração mais difícil, a separação do diferente e a unificação do [44] idêntico podem conduzir: tal verdade, que tem de ser deveras séria e grave para cada um, quando não terrível, e que cada um justamente pode e tem de dizer, soa: “O mundo é minha vontade” [Wille]. —

Até lá, contudo, portanto neste primeiro livro, é necessário considerar separadamente o lado do mundo do qual partimos, o lado da cognoscibilidade, e, por conseguinte, considerar sem resistência todo tipo de objeto existente, até mesmo o próprio corpo (como logo a seguir explicitaremos melhor) apenas como representação, designando-os mera representação. Aquilo do que se faz aqui abstração, como espero que mais tarde se tornará certo a cada um, é sempre a VONTADE, única a constituir o outro lado do mundo. Pois assim como este é, de um lado, inteiramente REPRESENTAÇÃO, é, de outro, inteiramente VONTADE. Uma realidade que não fosse nenhuma dessas duas, mas um objeto em si (como a coisa-em-si de Kant, que infelizmente degenerou em suas mãos), é uma não-coisa fantasmagórica, cuja aceitação é um fogo fátuo da filosofia.

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