[I 3] “O
mundo é minha representação [Vorstellung].” Esta é uma
verdade que vale em
relação a cada
ser [Wesen] que vive e conhece, embora apenas o
homem possa trazê-la à
consciência [Bewußtseyn] refletida e abstrata. E de
fato o faz. Então nele aparece a clarividência filosófica. Torna-se-lhe claro e certo que
não conhece
sol algum e
terra alguma, mas sempre apenas
um olho que vê
um sol, uma mão que toca uma
terra. Que o
mundo a cercá-lo existe apenas como
representação, isto é, tão-somente em
relação a outrem, aquele que representa, ou seja, ele mesmo. — Se alguma
verdade [Wahrheit] pode
ser expressa
a priori, é essa, pois é uma
asserção da
forma de toda
experiência [Erfahrung]
possível e imaginável, mais
universal que qualquer outra, que
tempo,
espaço e
causalidade, pois todas essas já a pressupõem; e, se cada uma dessas formas, conhecidas por todos nós como figuras particulares do
princípio de
razão [Satzes vom Grunde], somente valem para uma
classe específica de representações, a
divisão em
sujeito e objeto, ao contrário, é a
forma comum de todas as classes, unicamente sob a qual é em
geral possível pensar qualquer,
tipo de
representação, abstrata ou
intuitiva, pura ou empírica.
Verdade alguma é, portanto, mais certa, mais
independente de todas as outras e menos necessitada de uma
prova do que esta: o que existe para o
conhecimento, portanto o
mundo inteiro, é [I 4] tão-somente
objeto em
relação ao
sujeito.,
intuição de
quem intui, numa
palavra,
representação. Naturalmente isso vale tanto para o presente quanto para o passado e o
futuro, tanto para o
próximo quanto para o distante, pois é aplicável até mesmo ao
tempo,
bem como ao
espaço, [43] unicamente nos quais tudo se diferencia. Tudo o que pertence e pode pertencer ao
mundo está inevitavelmente investido desse estar-condicionado pelo
sujeito, existindo apenas para este. O
mundo é
representação.
[…]
Portanto, apenas do lado indicado, apenas na medida em que é representação, consideramos o mundo neste primeiro livro. Todavia, [I 5] que semelhante consideração, sem prejuízo de sua verdade, seja unilateral, consequentemente produzida por uma abstração arbitrária, anuncia-se a cada um pela resistência interior com a qual aceita o mundo como sua mera representação. Aceitação a que, por outro lado, nunca pode furtar-se. A unilateralidade dessa consideração, entretanto, o próximo livro complementará mediante uma verdade que não é tão imediatamente certa quanto a verdade da qual partimos aqui e à qual só a investigação mais aprofundada, a abstração mais difícil, a separação do diferente e a unificação do [44] idêntico podem conduzir: tal verdade, que tem de ser deveras séria e grave para cada um, quando não terrível, e que cada um justamente pode e tem de dizer, soa: “O mundo é minha vontade” [Wille]. —
Até lá, contudo, portanto neste primeiro livro, é necessário considerar separadamente o lado do mundo do qual partimos, o lado da cognoscibilidade, e, por conseguinte, considerar sem resistência todo tipo de objeto existente, até mesmo o próprio corpo (como logo a seguir explicitaremos melhor) apenas como representação, designando-os mera representação. Aquilo do que se faz aqui abstração, como espero que mais tarde se tornará certo a cada um, é sempre a VONTADE, única a constituir o outro lado do mundo. Pois assim como este é, de um lado, inteiramente REPRESENTAÇÃO, é, de outro, inteiramente VONTADE. Uma realidade que não fosse nenhuma dessas duas, mas um objeto em si (como a coisa-em-si de Kant, que infelizmente degenerou em suas mãos), é uma não-coisa fantasmagórica, cuja aceitação é um fogo fátuo da filosofia.