Schopenhauer [FM:23-25] – lei

No entanto, queremos antes investigar o conceito de uma lei. O seu significado próprio e originário limita-se à lei civil (“lex”, “nomos”), uma instituição humana que repousa no arbítrio humano. O conceito de lei tem um significado segundo, tropologico (figurativo) e metafórico, quando aplicado à natureza, cujos modos de proceder, conhecidos em partea priori”, em parte dela apreendidos “a posteriori”, que se mantêm sempre constantes, nós os chamamos [23] metaforicamente de leis da natureza. É apenas uma parte bem pequena dessas leis da natureza que se dá a vera priori”, e é isto que constitui o que Kant isolou de modo perspicaz e excelente e reuniu sob o nome de Metafísica da natureza. Para a vontade humana existe também por certo uma lei, desde que o homem pertence à natureza, e mesmo uma lei estritamente demonstrável, inviolável, sem exceções, irrevogável, que não traz consigo uma necessidade “vel quasi” (de uma certa maneira) como o imperativo categórico, mas uma necessidade efetiva. É a lei da motivação, uma forma da lei causal, ou seja, a causalidade mediada pelo conhecimento. Esta é a única lei demonstrável da vontade humana, à qual esta, como tal, está submetida. Isto quer dizer que cada ação só pode dar-se como consequência de um motivo suficiente. Ela é, tal como a lei da causalidade em geral, uma lei da natureza. Em contrapartida, as leis morais, independentes de regulamentação humana, da instituição estatal ou da doutrina religiosa, não podem ser admitidas como existentes sem prova. Kant comete, portanto, com esta pressuposição, uma “petitio principii”. Ela se apresenta muito mais ousadamente quando ele, logo na página VI do Prefácio, acrescenta que uma lei moral deve trazer consigo necessidade absoluta. Mas tal coisa tem sempre como marca característica a inevitabilidade do resultado. Como se pode falar de necessidade absoluta para estas supostas leis morais – como exemplo, ele cita o “tu não deves (‘sollt’) mentir” – já que elas, reconhecidamente e como ele mesmo garante, na maioria das vezes e mesmo via de regra, não têm êxito? Para que se possa admitir numa ética científica leis para a vontade, tem-se de demonstrá-las e derivá-las segundo toda [24] a existência delas, isto se se pensa também em exercer na ética a probidade e não apenas em recomendá-la. Até que se proceda àquela prova, não reconheço nenhuma outra origem para a introdução na ética dos conceitos de lei, prescrição, dever, a não ser o Decálogo Mosaico. A ortografia “du sollt” [tu deves] revela até ingenuamente esta origem também no primeiro exemplo de Kant de uma lei moral, acima citado. Um conceito que não indica qualquer outra origem senão esta não pode no entanto impor-se sem mais na ética filosófica, mas deve ser dela expulso, até que seja confirmado e introduzido por meio de uma prova legítima. Em Kant temos neste conceito a primeira “petitio principii”, e ela é grande.

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