Schopenhauer (ACSM): desprezo ao humano

“It’s safer trusting fear than faith” [é mais seguro temer os homens do que confiar neles]. Sempre ter em mente que não me encontro em minha pátria, nem entre seres iguais a mim mas, por conta de um destino especialmente duro, aliviado apenas pelo conhecimento, tenho de viver entre pessoas que me são mais estranhas do que os chineses são aos europeus ou, entre os pássaros, os bípedes, os “hombres que no lo son” [homens que não o são]1. O conhecimento da sentença de Plauto, “homo homini lupus” [o homem é o lobo do homem]2, para muitos algo acidental, no meu caso baseia-se num instinto necessário. E assim como há aqueles que temem bestas ferozes, sem as odiar, assim se passa comigo em relação aos seres humanos. Não μισ άνθρωπος [alguém que odeia os homens], mas καταϕρον άνθρωπος [alguém que os despreza] é o que quero ser. Para poder desprezar, como é justo, todos aqueles que o merecem, ou seja, cinco sextos da humanidade, a primeira condição é não odiá-los. Não se deve permitir que o ódio tome conta de nós, pois aquilo que se odeia não se despreza suficientemente. Em contrapartida, o meio mais seguro contra o ódio ao homem é justamente o desprezo ao homem. Mas um desprezo deveras profundo, consequência de uma visão clara e nítida da inacreditável miséria de sua disposição moral, da enorme limitação de seu entendimento, e do egoísmo sem limites de seu coração, que origina injustiça gritante, inveja e maldade tacanhas, que às vezes chegam às raias da crueldade.

[Excerto de SCHOPENHAUER, Arthur. A Arte de Conhecer a Si Mesmo. Organização e ensaio de Franco Volpi. Tr. Jair Barboza e Silvana Cobucci Leite. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2009 (epub)]
  1. Expressão de Baltasar Gracián, cf. Parerga und paralipomena, vol. II, p. 86.[]
  2. Cf. Plauto, Asinaria, II, 495: “lupus est homo homini, non homo, quom qualis sit non novi” [para o homem, o homem que ele não conhece é um lobo, não um homem]. Cf. também Plínio, Historia naturalis, VII, 1; Sêneca, Epistulae, 103, 1.[]

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