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pneuma

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

gr. πνεῦμα, pneuma: ar, respiração, espírito, spiritus, sopro, alento. O sopro é constituído por uma mistura completa ou "total" de ar e de fogo, e ele se mistura aos elementos inertes que são a terra e a água. Ele penetra todas as coisas. O sopro é o veículo de deus, o princípio ativo ou logos; sua eficacidade requer que ele penetre todas as coisas. (Brisson  ).


Brisson

En d’autres termes, il faut que le feu et le souffle se retrouvent dans les facultés de l’âme, qui est un corps composé de ces deux éléments ; par conséquent, ces facultés psychiques sont aussi du feu et du souffle.


Agamben  

A origem da doutrina do pneuma deve ser muito antiga. A passagem de Aristóteles   a que os escritores medievais sempre se remetem está em De generatione animalium, 136b:

Há sempre no esperma aquilo que torna fecundos os espermas, ou seja, o assim chamado calor. Este não é nem o fogo, nem uma potência desta espécie, mas o pneuma armazenado no esperma e na espuma, e a natureza neste pneuma que é semelhante ao elemento astral.

A passagem parece pressupor a existência de uma teoria amplamente articulada e já contém dois elementos característicos da pneumatologia medieval: a natureza astral do pneuma e a sua presença no esperma. É provável que Aristóteles tivesse encontrado tal teoria em textos médicos mais antigos, e que provavelmente também fossem conhecidos dos estoicos, e as menções do pneuma no corpus hipocrático parecem confirmar tal suposição.[Cf. HIPPOCRATIS. De flatibus, 3; De morbo sacro, 16; Regimen I, IX, X.] O primeiro médico cuja doutrina pneumática podemos identificar com certa segurança é Diocles de Caristo, que Jaeger   [W. JAEGER. Diokles mn Karystos. Berlim, 1938.] situa no início do século III a.C., contemporâneo de Zenão  , fundador da Stoa; mas a pneumatologia, cujas linhas principais queremos agora delinear, é patrimônio comum de toda a medicina grega sucessiva, de Erasístrato até Galeno. Nesta teoria, é central a ideia de um pneuma, de um sopro quente que tem origem nas exalações do sangue ou, segundo outros, no ar externo de que é continuamente aspirado (ou em ambos, segundo Galeno). Tal pneuma, único em Diocles de Caristo, frequentemente aparece distinto (por exemplo, em Erasístrato) em um pneuma vital (ζωτικός [zotikos]), cujo centro está no ventrículo esquerdo do coração, e em um pneuma psíquico [158] (ψυχικός [psychikos]), localizado no cérebro. A partir do coração, o pneuma difunde-se pelo corpo, vivificando-o e sensibilizando-o, através de um sistema circulatório próprio que penetra em cada parte do organismo. Os canais desta circulação são as artérias, que não contêm sangue, como as veias, mas só pneuma. Artérias e veias comunicam-se com as extremidades, motivo pelo qual, quando alguém corta uma artéria e o pneuma invisível foge por aí, ele é seguido imediatamente pelo sangue que flui das veias.[Segundo Galeno, que critica tal teoria, o pneuma circula nas veias misturado com sangue.] As alterações da circulação pneumática provocam doenças: se o sangue é abundante demais e invade as artérias, rejeitando o pneuma próximo do coração, tem-se a febre; se, pelo contrário, é rejeitado e fica acumulado na extremidade dos vasos pneumáticos, tem-se a inflamação.

Provavelmente é dessa doutrina médica que os pensadores estoicos deduziram a noção de pneuma, tornando-a o princípio central da sua cosmologia e da sua psicologia. No pensamento de Zenão e de Crisipo  , o pneuma é um princípio corpóreo, um corpo sutil (λεπτότερον σώμα [leptoteron soma]) e luminoso, idêntico ao fogo, que invade o universo e penetra, mais ou menos, em todo ser, e é princípio de crescimento e de sensação. Este fogo “artista” (τεχνικόν [technikon]) e divino é também a substância do sol e dos outros corpos celestes, de tal modo que se pode afirmar que o princípio vital nas plantas e nos animais tem a mesma natureza dos corpos celestes e que um único princípio vivifica o universo. Este sopro ou fogo está presente em cada homem para lhe comunicar a vida: a alma individual não é senão um fragmento deste princípio divino. O pneuma não é, porém, introduzido no corpo a partir de fora, mas é “conaturado” ao corpo de cada um, o que permite que se explique tanto a reprodução, que acontece através de uma corrente pneumática que alcança os testículos e, no esperma, é transmitida à prole, quanto a percepção sensível, que se efetua mediante uma circulação pneumática que, partindo do coração, se dirige [159] às pupilas (ὁρατικόν πνεῦμα [oratikon pneuma], o espírito “visivo” da fisiologia medieval), onde entra em contato com a porção de ar situada entre o órgão visivo e o objeto. Tal contato provoca uma tensão no ar, que se propaga segundo um cone, cujo vértice está no olho e cuja base delimita o campo visual. O centro desta circulação reside no coração, sede da parte “hegemônica” da alma, em cuja sutil matéria pneumática se imprimem as imagens da fantasia, assim como os sinais da escritura ficam impressas na tabela de cera. Também a voz é um pneuma, que irradia a partir do hegemônico, e, através da laringe, põe em movimento a língua, de tal forma que a mesma circulação pneumática anima a inteligência, a voz, o esperma e os cinco sentidos. Após a morte, tal pneuma não cessa de existir, mas sobe, por sua leveza, até à região sublunar, onde encontra o seu lugar próprio e, assim como os astros, se nutre dos eflúvios que sobem da terra, imóvel e indestrutível.

No neoplatonismo  , o tema estoico do pneuma, seguindo os rastros de uma sugestão do Timeu   [41 e], é concebido como um veículo (ὅχημα [ochema]) ou corpo sutil, que acompanha a alma no seu romance soteriológico desde os astros até à terra. Assim, em Porfírio  , a descida da alma, através das órbitas planetárias até o seu destino terrestre, aparece como o seu revestir-se de uma envoltura etérea, de uma espécie de sutil corpo pneumático, cuja substância é formada pelos corpos celestes e que, no decurso do seu itinerário astral, acaba progressivamente obscurecido e umedecido. Depois da morte do corpo, se a alma soube abster-se do contato com a matéria, ela volta a subir ao céu junto com seu veículo pneumático; se, pelo contrário, não soube separar-se da matéria, o pneuma-ochema torna-se pesado, de tal forma que a mantém sobre a terra como uma ostra retida por suas valvas e a conduz ao lugar do castigo.[Sobre a teoria do pneuma-ochema no neoplatonismo, ver PROCLUS  . The Elements of Theology. Aos cuidados de E.R. Dodds. 2. ed. Oxford. 1963, ap. II.] Durante a vida terrestre, o pneuma é o instrumento [160] da imaginação e, como tal, é o sujeito dos sonhos, dos influxos astrais e das iluminações divinas na adivinhação (quando, segundo as palavras de Jâmblico  , “o veículo etéreo e luminoso circunfuso na alma é iluminado pela luz divina” e “os fantasmas divinos, movidos pela vontade dos numes, se apoderam de nossa imaginação”), e no êxtase, que é explicado por Jâmblico com a descida de um pneuma divino para dentro do corpo.[JAMBLIQUE. Les mystères d’Egypte. Texto critico e tradução de E. Des Places. Paris, 1966, p. 117.] A noção de pneuma intervém igualmente na demonologia neoplatônica: Porfírio, em passagem que certamente está na origem, embora mediada, da concepção dantesca do corpo aéreo das almas do Purgatório, afirma que o corpo aéreo dos demônios altera a sua forma de acordo com as suas fantasias, refletindo-se como se fosse em um espelho no ar circunstante, de tal maneira que eles aparecem em formas sempre diferentes; Jâmblico, por sua vez, fala mais frequentemente do pneuma luminoso dos demônios, dos heróis e dos arcontes que se manifestam na epopsia.

Se na pneumatologia estoica e neoplatônica pneuma e fantasia aparecem muitas vezes assimilados em uma convergência singular, é no De insomniis de Sinésio   que eles acabam se fundindo sem resíduos na ideia de um “espírito fantástico” (φανταστικόν πνεῦμα [phantastikon pneuma]), sujeito da sensação, dos sonhos, da adivinhação e dos influxos divinos, sob cujo signo se cumpre a exaltação da fantasia como mediadora entre o corpóreo e o incorpóreo, entre o racional e o irracional, entre o humano e o divino. A fantasia é, para Sinésio, “o sentido dos sentidos”, e o mais próximo do conhecimento do divino, porque

o espírito fantástico é o sensório mais comum e o primeiro corpo da alma. Ele esconde-se na interioridade e governa o ser vivo como se o fizesse a partir de uma cidadela. A natureza, realmente, construiu em volta dela toda a fábrica da cabeça. O ouvido e a visão não são de fato sentidos, mas instrumentos do sentido, ministros do senso comum e quase porteiros do ser [161] vivo, que relatam ao senhor o que percebem no exterior... O espírito fantástico é, por sua vez, um sentido perfeito em cada uma de suas partes... sem intermediários, é o mais próximo da alma e certamente o mais divino.[De insomniis (Patrologia graeca, 66,1290).]

Precisamente por ser, ao mesmo tempo, o sentido mais perfeito e o primeiro veículo da alma, o espírito fantástico é “o intermediário entre racional e irracional, corpóreo e incorpóreo, e quase o termo comum através do qual o divino se comunica com aquilo que está mais longe de si”. Neste entrelaçamento cada vez mais carregado de temas soteriológicos e psicológicos, recorrendo a uma imagem feliz que viria a exercer influência duradoura e da qual talvez possamos vislumbrar um eco na “pequena nave do engenho” de Dante  , Sinésio compara a fantasia a uma baixela sobre a qual a alma primigenia desce das esferas celestes para unir-se ao mundo corpóreo.[De insomniis (Patrologia graeca, 66,1294).] Tendo em conta que esse elogio à fantasia está presente em uma obra sobre os sonhos (“na vigília” — escreve Sinésio — “o homem é sábio, mas no sonho é um deus”), convém recordar que, mesmo para Sinésio, o espírito fantástico é, antes de mais nada, o sujeito dos sonhos e o órgão da adivinhação.[Quando Dante (Conatio II 8), ao falar das “adivinhações dos nossos sonhos”, se pergunta se o órgão que recebe tais revelações era “corpóreo ou incorpóreo” (“e digo corpóreo ou incorpóreo por causa das diferentes opiniões que encontro sobre isso”), ele devia estar-se referindo às disputas sobre a natureza corpórea ou incorpórea do pneuma fantástico.] Nesta função, com uma imagem que viría a ter uma sorte duradoura, ele é comparado a um espelho (o espelho de Narciso   é, pois, um espelho pneumático) que recebe os “ídolos” que emanam das coisas e no qual, estando devidamente purificado, será possível discernir no vaticínio as imagens dos acontecimentos futuros. Além disso, de acordo com a tradição neoplatônica, esse espírito, durante a existência terrena, pode ficar mais sutil e tornar-se etéreo, ou então obscurecer-se e ficar pesado; nesse caso, ele se torna o simulacro (εἴδωλον [eidolon]) no qual a alma cumpre seu castigo. [162] [AgambenE:158-162]


PNEÛMA (souffle, esprit) [grec]

subs. nt.

De pnéo je souffle, j’inhale, je respire : le pneûma en est le résultat, et peut être air en mouvement, comme le souffle du vent ou celui de la respiration. Une citation d’Anaximène (D.K. 13 B, 2), dont les termes sont contestés, dit que « tout comme notre âme qui est air nous commande, ainsi le kosmos (v. ce mot) dans son entité est-il enserré par le pneûma et l’air ». Pareille analogie cosmobiologique se trouve chez les pythagoriciens, pour qui « le Vide entre dans l’univers du souffle infini, l’univers étant supposé inhaler le Vide, qui tient séparé les différentes choses » (Ar., Phys. IV 6, 213b 22ss). Elle inspire le rôle du pneûma dans l’embryologie d’Aristote, pneûma qui, enserré dans le sperme (v. thermon), est source de la démarcation des organes et instrument de la phénoménologie sensorielle. Dans le système stoïcien, le mélange du Feu artiste (v. thermon) et de l’air produit le pneûma qui pénètre l’univers jusque dans ses moindres parties. Le matérialisme de la conception stoïcienne du pneûma sera battu en brèche par les adversaires de l’école : Philon   (De opific. 135) fera du « pneûma divin » partie de la nature divine et Noûs (Esprit). (M. Roussel)