Filosofia – Pensadores e Obras

realidade

(in. Reality; fr. Réalité; al. Realitut, Wirklichkeit; it. Realtà).

1. Em seu significado próprio e específico, esse termo indica o modo de ser das coisas existentes fora da mente humana ou independentemente dela. A palavra realitas foi cunhada no fim da escolástica, mais precisamente por Duns Scot. Este a usou sobretudo para definir a individualidade, que consistiria na “última realidade do ente”, que determina e contrai a natureza comum ad esse hanc rem, à coisa singular (Op. Ox, II, d. 3, q. 5, n. 1). Duns e seus discípulos preferiram chamar essa realitas de haecceitas. Mais tarde, esse termo passaria a designar o esse in re da escolástica, p. ex. no sentido com que S. Anselmo pretendia passar, através da prova ontológica, do esse in intellectu (“Ente superior a tudo”) ao seu “esse in re” (Prosl. 2), ou então no sentido com que os escolásticos falavam do universal in re, “incorporado nas coisas”. Assim, o oposto de realidade é idealidade, que indica o modo de ser daquilo que está na mente e não pode ser ou ainda não foi incorporado ou atualizado nas coisas. A referência a coisas também evidente está em expressões como “definição real”, para indicar a definição da coisa, e não do nome, e “direitos reais”, para indicar os direitos pertinentes às coisas, e não às pessoas.

O problema suscitado diretamente pela noção de realidade é o da existência das coisas ou do “mundo exterior”. Esse problema nasceu com Descartes, ou seja, com o princípio cartesiano de que o objeto do conhecimento humano é somente a ideia. Desse ponto de vista, torna-se imediatamente duvidosa a existência da realidade a que a ideia parece aludir, mas sem provas, assim como uma pintura não prova a realidade da coisa representada. Para justificar a realidade das coisas, Descartes recorreu à veridicidade de Deus: em sua perfeição, Deus não pode enganar-nos, não pode permitir que haja em nós ideias que nada representem (Méd., IV). Mas Descartes chegou à existência de Deus não só reelaborando a prova ontológica como também admitindo o princípio de que “na causa eficiente e total deve haver pelo menos tanta realidade quanto no efeito”, princípio com base no qual a ideia de Deus, que é a ideia da máxima perfeição, deve ter como causa um ser que tenha tanta “realidade” quanto aquela que a ideia representa: Deus (Ibid., III). A evolução ulterior do problema levou à negação da realidade. O empirismo inglês, com Berkeley e Hume, reduzia a realidade das coisas ao ser percebido, negando-a, pois, como modo de ser autônomo. Por outro lado, com Leibniz, o racionalismo resolvia as coisas em elementos ou átomos (mônadas) de natureza espiritual, negando, também desse modo, o caráter específico de sua realidade (v. imaterialismo). Kant de algum modo reafirmou a realidade das coisas, mantendo na palavra realidade (Realität) a significação específica de realidade das coisas ou, como ele mesmo diz, “coisalidade” (Sachheit) (Crítica da Razão Pura, Analítica, II, cap. I), contrapondo-lhe a “idealidade” do espaço e do tempo, que são formas da intuição, e não das coisas (Ibid., § 3). Mas, para ele, o problema diz respeito à existência (Dasein) mesma das coisas. É o que ele examina em “Refutação do Idealismo”. A solução então proposta é que “a consciência de minha própria existência é ao mesmo tempo consciência da existência de outras coisas fora de mim”. A prova dessa asserção é que a consciência do tempo, isto é, da mudança, não seria possível sem a consciência de algo permanente; e esse algo permanente, não podendo ser dado pela própria consciência do tempo, pode ser dado apenas pela coisa exterior à consciência. Seja válida ou não essa demonstração, está claro que, por um lado, Kant julgava válido o primado da consciência estabelecido por Descartes, para quem a realidade das coisas é um problema que exige demonstração, e, por outro, tendia a destruir essa formulação, relacionando a consciência da existência com a existência das coisas. Ele nem sequer se propunha o problema do modo de ser específico das coisas, do tipo de existência que lhes é próprio. Contudo, esse problema está intimamente ligado ao da “existência” das coisas, e só uma resposta a ele (seja ela qual for) pode dar significado à sua solução positiva. Isto porque, se as coisas existem, surge imediatamente a pergunta: qual é o sentido de sua existência? Portanto, deve-se considerar que o problema da realidade é composto por esses dois problemas inseparáveis: o da existência e o do modo de ser específico das coisas. O idealismo pós-kantiano deteve-se mais no segundo que no primeiro desses problemas. Segundo Fichte, a realidade consiste em geral na atividade do Eu, que “põe o objeto limitando-se” e transporta para o objeto uma parte de sua atividade. “A fonte da realidade (Realität) é o Eu” — diz Fichte. “Apenas pelo Eu e com o Eu é dado o conceito da realidade. Mas o Eu é porque se põe, e se põe porque é. Portanto, pôr-se e ser são uma e mesma coisa. Mas o conceito de pôr-se e o de atividade em geral são, por sua vez, uma só e mesma coisa. Portanto, toda realidade é ativa e toda coisa ativa é realidade” (Wissenschaftslehre, § 4, E). Essa ideia de realidade como atividade passou a fazer parte da bagagem do Romantismo e influenciou o desenvolvimento posterior do problema. “Atividade é realidade propriamente dita” — dizia Novalis (Fragmente, 190). Schopenhauer afirmava categoricamente “que a essência dos objetos intuíveis é a sua ação —, que é na ação que consiste a realidade do objeto, e que a pretensão de uma existência do objeto fora da representação do sujeito e mesmo de uma essência da coisa real diferente da sua ação não tem sentido; ao contrário, é uma contradição” (Die Welt, I, § 5). Como se vê, na origem da redução de realidade a atividade está um sentido idealista. Todavia, ela serviu para abrir uma nova alternativa de solução para o problema: a realidade não seria simples objeto de conhecimento, mas um modo de ser que se revela melhor para outras formas de experiência. A noção de atividade, tão apreciada pelo Romantismo, representa o primeiro modelo dessa solução. Por outro lado, o sensacionismo de Condillac mostrara que a ideia de realidade derivava do sentido do tato; mas o sentido era entendido por Condillac de maneira ativa e dinâmica, como guiado e sustentado pela necessidade e por desejos (Traité des sensations, 1754,1, 3, 1; I, 7, 3; II, 5, 5). Mais tarde, Destut de Tracy relacionara a ideia de realidade com a experiência da resistência que as coisas opõem ao movimento (Idéologie, 1801, cap. 8). Na filosofia contemporânea, Dilthey defendeu ideia análoga (Contribuição à solução do problema da origem da nossa crença na realidade do mundo exterior, em Gesammelte Schriften, 1890, V, 1, pp. 90 ss.). A resistência definiria o modo de ser da realidade, isto é, das coisas; correspondentemente, a experiência dessa realidade seria mais volitiva e prática que cognitiva. Scheler aceitou esta interpretação da realidade (Die Wissensformen und die Gesellschaft, pp. 455 ss.). Tese substancialmente análoga foi apresentada por Santayana no livro Ceticismo e fé animal (1923), no qual ele mostrava que a crença na realidade é devida a experiências puramente animais (fome, luta, etc.) e só é justificável com base em tais experiências. O mesmo Santayana expusera essa noção de realidade em Essays in Critical Realism (1920), obra publicada por sete filósofos americanos (v. realismo).

Na filosofia mais recente o problema da realidade praticamente deixou de ser problema da “existência” das coisas para tornar-se cada vez mais problema do modo de ser específico das coisas. Suas formulações são feitas segundo a alternativa aberta pelas doutrinas que reconhecem o caráter não simplesmente cognitivo da experiência da realidade. Heidegger negou explicitamente o primado da consciência, do qual nascia o problema da existência das coisas. “Crer na realidade do ‘mundo exterior’ (com ou sem direito), demonstrar essa realidade (suficientemente ou não), pressupor essa realidade (explicitamente ou não), tudo isso são tentativas que pressupõem antes de mais nada o sujeito sem mundo, vale dizer, não consciente de seu mundo, que deve, portanto, começar por fundar a segurança de seu mundo” (Sein und Zeit, § 43, a). O problema da existência do mundo exterior ou das coisas desaparece por sisi mesmo uma vez que se elimine o pressuposto falaz do “sujeito sem mundo”, ou seja, pressuposto de que o homem não é já e sempre sobretudo um ser no mundo. Restabelecido este caráter fundamental do modo de ser do homem, que por isso é um “ser-aí” (em que aí indica sua relação com o mundo), o problema da realidade torna-se o problema do modo como as coisas do mundo se apresentam ao homem ou estão em relação com ele. Segundo Heidegger, esse modo de ser é a “simples presença”, uma vez que a existência é o modo de ser reservado ao ser-aí, ao homem. “Se a expressão realidade significa ser do ente (res) simplesmente presente no mundo (e de fato nada mais deve ser pensado dela) na análise desse modo de ser segue-se que o ente intramundano só é concebível ontologicamente se for esclarecido o fenômeno da intramundanidade. Mas este se baseia no fenômeno do mundo, que, por sua vez, enquanto momento essencial da estrutura do ser-no-mundo, pertence à constituição fundamental do ser-aí. O ser-no-mundo, novamente, é ontologicamente articulado na totalidade do ser do ser-aí, que se caracteriza como Cuidado (Cura)” (Ibid., § 43, b). Precisamente porque o ser do ser-aí (a existência humana) é Cuidado, os entes de que essa existência se ocupa, que são diferentes dela — as coisas (cujo modo de ser é a realidade) — caracterizam-se pela instrumentalidade. “O modo de ser desse ente é a instrumentalidade, que, no entanto, não deve ser vista como tendências de interpretação. (…) A instrumentalidade é determinação ontológico-categorial do ente como é em si” (Ibid., § 15). De tal modo, Heidegger destacou o caráter instrumental das coisas, em virtude do qual elas podem valer como meios para o homem. Mas Heidegger julga que esse caráter não pertence às coisas na medida de sua relação com o homem, mas constitui seu ser “em si”, sua essência. À parte essa pretensão, a análise de Heidegger pode ser considerada uma caracterização do modo de ser das coisas ou da “realidade”, entendida em seu significado próprio e específico. Por outro lado, essa mesma análise mostrou o caráter arbitrário do “problema da realidade”, no modo como foi entendido a partir de Descartes, como problema de uma realidade “exterior” à consciência. Mostrou que tal problema surge de um pressuposto filosófico infundado, representado pela tese do “sujeito sem mundo” ou, em outras palavras, de uma existência do homem que não consiste na relação com o mundo.

É significativo observar que quase simultaneamente a essas análises de Heidegger o problema da realidade exterior era considerado um “pseudoproblema” de um ponto de vista totalmente diferente, do Círculo de Viena. Carnap (Scheinsprobleme in der Philosophie, das Fremdpsychische und der Idealismus-streit, 1928) e Schlick (Positivismus und Realismus, reed. em Gesammelte Aufsätze, 1938) rejeitavam tanto a tese da irrealidade do mundo exterior quanto da sua realidade tachando-as de pseudo-afirmações, porquanto nenhuma das duas se prestava a verificações experimentais. Mas o Círculo de Viena não apresentou qualquer solução do segundo aspecto — o mais legítimo — do problema da realidade: o modo de ser das coisas. A esse respeito, limitou-se (como fazem seus seguidores até hoje) a repropor a velha tese de Mach (Analyse der Empfindungen, 1900), segundo a qual as coisas são compostas pelos mesmos elementos últimos que compõem o eu (as sensações), e estes elementos últimos são neutros em si, ou seja, nem subjetivos, nem objetivos. Esta tese obviamente não dá conta do caráter específico da realidade das coisas, não explica por que um conjunto de tais elementos neutros assume, em cada caso diferente, as características de uma “coisa” ou de um “eu”.

Além do significado cujas interpretações estudamos até aqui, a palavra realidade também costuma ser usada nos outros significados abaixo, que devem ser considerados secundários porque são designados com mais propriedade por outros termos do vocabulário filosófico.

2. Em oposição a aparência, ilusão e outros semelhantes, realidade significa às vezes o ser em qualquer dos seus significados existenciais. Assim p. ex., na obra de Bradiey, Appearance and Reality (1893), a oposição anunciada pelo título é entre o aparecer e o ser, uma vez que ele não é limitado à realidade no seu sentido específico, vale dizer, ao modo de ser das coisas. Dewey empregou a palavra no mesmo sentido, mas com uma conotação crítica: “Na sua fórmula mais breve, a realidade torna-se existência, qual gostaríamos que fosse depois que analisamos seus defeitos e decidimos quais devem ser eliminados; a ‘realidade’ é aquilo que seria a existência se nossas preferências racionalmente justificadas estivessem tão completamente estabelecidas na natureza que esgotassem e definissem seu ser por inteiro, tornando, pois, desnecessárias a luta e a busca. O que é eliminado (uma vez que a perturbação, a luta, o conflito e o erro ainda existem empiricamente, algo é eliminado), sendo excluído por definição da realidade plena, é atribuído a um grau ou a uma ordem do ser que se afirma ser metafisica-mente inferior; essa ordem recebe varias designações: aparência, ilusão, espírito mortal ou puramente empírico, em contraposição ao que é, real e verdadeiramente” (Experience and Nature, cap. II, p. 54).

3. Em oposição a possibilidade, potencialidade e às vezes também a necessidade, essa palavra significa atualidade, efetividade ou aquilo que se atualizou ou efetivou e possui existência de fato. O termo alemão Wirklichkeit, diferente de Realität, tem esse sentido específico, embora os filósofos nem “sempre se atenham estritamente a essa distinção. Nesse sentido, a palavra designa uma das categorias da lógica de Hegel. “A realidade é a unidade imediata, que se produziu, da essência e da existência, ou do interno e do externo” (Enc., § 142): com isso, Hegel pretende dizer que a realidade é a essência que se atualizou como existência, ou o interno que se manifestou efetivamente no externo. Quem insistiu na distinção entre Wirklichkeit e Realitäte foi Lotze (Mikrokosmos, III, p. 535). N. Hartmann, por sua vez, utilizou a distinção, descobrindo na efetividade (Wirklichkeit) o sentido primário do ser (Möglichkeit und Wirklichkeit, 1938) (v. Ser). [Abbagnano]


Na hodierna terminologia filosófica, o termo “real” designa, via de regra, o ente, o existente, em oposição tanto ao meramente aparente quanto ao puramente possível. Portanto, em primeiro lugar, denomina-se real (1) o que não é só representado, imaginado, pensado, o que não tem só “ser ideal”, existe em si, independentemente de nossa representação e de nosso pensamento. Atendendo ao segundo aspecto do vocábulo, ou seja, enquanto oposto a meramente “possível”, real (2) equivale a “atual”.

Segundo o exposto, “realidade” significa o estado do ser-real nas duas acepções indicadas, opondo-se, por um lado, a ilusão e, por outro lado, a possibilidade. Empregando o termo no primeiro sentido, falamos, p. ex., da realidade do mundo exterior. Realidade (atualidade), em oposição a possibilidade, é sinônimo de existência. Tendo em conta a sua forma linguística, o termo abstrato “realidade” designa propriamente o ser-real como estado do ente; mas, por vezes, emprega-se também como termo concreto (equivalente então a “algo real”) — designativo de um ente particular (“uma” realidade) e, com maior frequência, da totalidade do real (“a” realidade). O idealismo epistemológico, para o qual o ente-em-si é incognoscível, deve dar outro sentido ao termo “realidade”, se é que pretende conservar uma realidade cognoscível que não deva ser mera ilusão; real é, para ele, p. ex., o fenômeno legitimamente formado, enquanto tal; Kant atribui-lhe “realidade empírica”, apesar de sua “idealidade transcendental”. — De Vries. [Brugger]


O predicado “é real” (e o substantivo realidade”) são definidos por vezes de modo negativo e por vezes de modo positivo. No primeiro caso, afirma-se que o ser real só pode ser entendido como um ser contraposto ao ser aparente, ou ao ser potencial, ou ao ser possível. O que se disser acerca das noções de aparência, potência e possibilidade permite compreender em tal caso a natureza do ser real. No segundo caso, afirma-se que “é real” equivale a “é atual” ou a “existente” (e “realidade” equivale a “ser, atualidade, a existência”). Em tal caso é preciso saber o que se entende pelas noções de ser de existência, de ato com o fim de estabelecer o que se vai significar por “é real” ou por realidade.

Ambas as maneiras de definir o que se entende pelo ser real têm as suas vantagens e os seus inconvenientes: a maneira negativa permite pôr em relevo que nem de tudo o que falamos podemos dizer que é real – pois em tal caso referir-se a algo e à sua realidade seriam exatamente a mesma coisa e o conceito de realidade tornar-se-ia completamente inútil. Mas ao mesmo tempo impede de dar uma noção suficientemente positiva da realidade. A maneira positiva proporciona esta noção. Mas, simultaneamente, obriga a referir o conceito de realidade a outros conceitos, e neste caso também o conceito de realidade se torna inútil. Em vista disto, pode-se propor dois métodos: um consiste em usar simultaneamente as definições negativas e positivas; o outro consiste em tentar uma série de caraterísticas – diferentes do ser, da existência ou da atualidade – que permitam estabelecer em cada caso se aquilo de que se fala é real.

Ambos os métodos foram usados pela maior parte dos filósofos. Quase todos eles, além disso, consideraram que o problema da realidade é um problema de índole metafísica. Como tal, obrigou a ligar o exame do problema da realidade com os problemas da essência e da existência. Alguns supuseram que apenas a essência é real; outros proclamaram que a realidade corresponde unicamente à existência. Outros, finalmente, assinalaram que somente uma essência que implicasse a sua própria existência é verdadeiramente real e todos os restantes entes são formas menos plenas ou mais imperfeitas da realidade. Em todos estes casos a ideia acerca do que é real depende de prévias suposições metafísicas e tende a equiparar a realidade com o que transcende necessariamente a experiência.

Certos filósofos, em contrapartida, fizeram constar que só em relação com a experiência podemos adquirir uma ideia justa acerca do que é a realidade. O real é dado, como sugere Kant, no limite da experiência possível e por isso “o que concorda com as condições materiais da experiência da sensação é real”.

Como noção, a realidade pode converter-se numa das categorias ou conceitos puros do entendimento: “o postulado para o conhecimento para a realidade das coisas – escreve Kant – exige uma percepção; por conseguinte, uma sensação acompanhada de consciência do próprio objeto cuja existência há-de conhecer-se, mas é preciso também que este objeto concorde com alguma percepção real segundo as analogias da experiência, as quais manifestam todo o entrelaçamento real na experiência possível”. O problema de todas estas concepções é não poder distinguir entre as espécies ou formas do real. Com o fim de galgar este obstáculo podem adoptar-se várias atitudes.

Uma consiste em declarar que o ser real é o que é comum a todas as espécies de realidade que se podem descrever e em proceder à classificação destas espécies. Temos então a realidade articulada em real subjectiva, objetiva, experimentável, ideal, etc.

Equivale substancialmente a erigir uma teoria dos objetos e a encontrar por indução o que é comum a estes na qualidade de objetos.

Outra baseia-se na ideia de que o conceito de realidade não é unívoco e de que há, além disso, uma série de entidades que são do menos real ao mais real. Usualmente é preciso adicionar a esta concepção uma metafísica que comece por descrever a realidade máxima a certas, que podem ser o material, o pessoal, o temporal, o transcendente, o espiritual, etc.

A realidade é uma das maneiras primárias do ser. É necessário distinguir antes de tudo esta forma de todas as que aderem equivocadamente a ela. Por este motivo, uma ontologia crítica descritiva deve estabelecer claramente distinções entre os diferentes conceitos de realidade: a realidade lógica, a realidade cognoscitiva, etc, evitando aplicar uma forma de realidade categorial que corresponda exclusivamente a outra. A realidade como existência pode ser, sob este aspecto, um dos momentos do ser; a realidade como algo diferente ou oposto à idealidade; uma das formas do ser; a realidade como atualidade, um dos modos do ser. Todas as análises anteriores do conceito de realidade têm uma linha comum: é a de admitir que a expressão “é real” é uma expressão significativa. Os empiristas lógicos e ainda alguns neo-realistas negam esta suposição. Em seu entender, não pode enunciar-se com sentido se certas entidades como a matéria, o eu, etc, são ou não reais. Portanto, o problema do conceito de realidade é para eles um pseudoproblema; realidade é um termo que não deve ser hipostasiado numa entidade. Em muitos casos os autores citados compreendem “é real” como equivalente a existente e existe como equivalente a “está quantificado”, logicamente falando. Esta concepção tem, não obstante, dois inconvenientes: o primeiro é que dentro dela torna-se impossível dilucidar se há ou não há diferentes formas de realidade. O segundo é que nela não são admissíveis expressões tais como “o homem está voltado para realidade”, “o homem está implantado na realidade”, etc, que, segundo alguns pensadores, permitem compreender a estrutura da vida humana e, com ela, a estrutura do conhecimento objetivo. É difícil, portanto, que o problema da realidade possa ser desligado do da filosofia. Alguns creem, pelo contrário, que este problema é o problema filosófico por excelência. Um dos problemas mais importantes que se põem acerca da realidade é o dos modos de expressão da mesma. Este problema costuma ser conhecido sob o nome de realidade e linguagem. Trata-se de saber como é possível falar acerca do real e quais são os limites linguísticos mais adequados para este propósito. Antes de poder dar uma resposta à questão em referência, é necessário uma dilucidação do problema da linguagem. [Ferrater]