Motiven
A VONTADE, como foi dito, dá sinal de si nos movimentos voluntários do corpo como a essência em si deles, isto é, aquilo que o corpo é tirante o fato de ser objeto de intuição, representação. Os movimentos do corpo não passam da visibilidade dos atos isolados da vontade, surgindo imediata e simultaneamente com estes, constituindo com eles [I 127] uma única e mesma coisa, diferenciando-se deles, no entanto, apenas pela forma da cognoscibilidade que adquiriram ao se tornarem representação.
Esses atos da vontade sempre têm um fundamento exterior a si nos motivos. Estes, todavia, só determinam o que eu quero NESTE tempo, NESTE lugar, sob ESTAS circunstâncias, não QUE eu quero em geral ou O QUE eu quero em geral, ou seja, as máximas que caracterizam todo o meu querer. Em virtude disso, a essência toda de meu querer não é explanável por motivos, já que estes determinam exclusivamente sua exteriorização em dado ponto do tempo, são meramente a ocasião na qual minha vontade se mostra. A vontade mesma, ao contrário, encontra-se fora do domínio da lei de motivação: apenas seu fenômeno em dado ponto do tempo é necessariamente determinado por tal lei. Assim, só ao fazer a pressuposição de meu caráter empírico é que o motivo é fundamento suficiente de explanação de meu agir. Se, contudo, abstraio o meu caráter e pergunto por que em geral quero isso e não aquilo, então resposta alguma é possível, justamente porque apenas o FENÔMENO da vontade está submetido ao princípio de razão, não ela mesma, que, nesse sentido, é para ser denominada [164] SEM-FUNDAMENTO. Acerca desse tema pressuponho em parte a doutrina de Kant sobre a diferença entre caráter empírico e inteligível, e as elucidações que lhe são pertinentes presentes no meu Problemas fundamentais da ética, p.48-58, e de novo p.178 ss. da primeira edição; em parte, porém, abordaremos detalhadamente o assunto no quarto livro da presente obra. No momento, porém, apenas gostaria de observar que o fato de um fenômeno ser fundamentado por outro (no presente caso o agir ser fundamentado por motivos) de modo algum coloca em questão sua essência em si como vontade, que, nela mesma, não tem fundamento, na medida em que o princípio de razão, em todas as suas figuras, é mera forma de conhecimento, estendendo sua validade apenas à representação, ao fenômeno, à visibilidade da vontade, não à vontade mesma que se torna visível.
Assim, se cada ação de meu corpo é fenômeno de um ato volitivo, no qual minha vontade mesma, portanto meu caráter, expressa-se em geral e no todo sob certos motivos, então o pressuposto e a condição absolutamente necessária daquela ação têm de ser também fenômeno da vontade, pois [I 128] o aparecimento desta não pode depender de algo que não exista imediata e exclusivamente mediante ela, que, portanto, seja-lhe simplesmente contingente: com o que seu aparecimento mesmo seria casual. Aquela condição, no entanto, é todo o corpo mesmo. Este, portanto, já tem de ser fenômeno da vontade, e relacionar-se com minha vontade em seu todo, isto é, com meu caráter inteligível, cujo fenômeno no tempo é meu caráter empírico, da mesma forma que a ação isolada do corpo se relaciona com o ato isolado da vontade. Logo, todo o corpo não tem de ser outra coisa senão minha vontade que se torna visível, tem de ser a minha vontade mesma na medida em que esta é objeto intuível, representação da primeira classe. — Em confirmação de tudo isso, recorde-se que toda ação sobre o corpo afeta simultânea e imediatamente a vontade e, nesse sentido, chama-se dor ou prazer, ou, em graus menores, sensação agradável ou desagradável; inversamente, todo movimento veemente da vontade, portanto todo afeto e paixão, abala o corpo e perturba o curso de suas [165] funções. — Sem dúvida, é possível fornecer uma explanação etiológica, embora bastante imperfeita, da origem e da conservação de meu corpo, e melhor ainda de seu desenvolvimento: neste caso se tem justamente a fisiologia. Só que a fisiologia explica seu objeto exatamente como os motivos explicam a ação. Por conseguinte, assim como a fundamentação da ação isolada a partir de motivos e de sua consequência necessária não coloca em questão o fato de que o agir em geral, segundo seu ser, é apenas fenômeno de uma vontade em si mesma sem-fundamento, assim também a explanação fisiológica da função do corpo pouco compromete a verdade filosófica de que toda a existência do corpo e a série total de suas funções é somente a objetivação daquela vontade, que aparece em ações exteriores desse mesmo corpo segundo motivos. [Schopenhauer, MVR1:164-166]