Filosofia – Pensadores e Obras

indiscerníveis

Leibniz formulou, explicou e defendeu o princípio de idenidentidade dos indiscerníveis em numerosas ocasiões. O princípio em questão é consequência do princípio de razão suficiente. “infiro deste princípio de razão suficiente, entre outras consequências, que não há na natureza dois seres reais absolutos que sejam indiscerníveis, mas se os houvesse, Deus e a Natureza obrariam sem razão, tratando um de modo diferente do outro”. Seria absurdo que houvesse dois seres indiscerníveis; dados tais seres, um não importaria mais que o outro e não haveria razão suficiente para escolher um melhor que o outro. As diferenças externas não são suficientes para distinguir ou individualizar um ser: “é mister que, à parte a diferença do tempo e do lugar, haja um princípio interno de distinção, e embora haja várias coisas da mesma espécie, é, não obstante, certo que nunca há coisas perfeitamente semelhantes. Assim, embora o tempo e o lugar (quer dizer, a relação com o exterior) nos sirvam para distinguir as coisas que não distinguimos bem por si mesmas, as coisas deixam de ser distinguíveis em si; o necessário, o caraterístico da identidade e da diversidade não consiste, portanto, no tempo e no lugar, embora seja certo que a diversidade das coisas vá acompanhada da do tempo ou do lugar, porquanto acarretam consigo impressões diferentes sobre a coisa.” Em contrapartida, Kant criticou o princípio leibniziano da identidade dos indiscerníveis, manifestando que Leibniz confundiu as aparências com as coisas em si e, por consequência, com inteligíveis , ou objetos do entendimento puro. Se as aparências são coisas em si o princípio em questão, declarou Kant, é indiscernível. Mas as aparências são objetos da sensibilidade, a pluralidade e a diferença numérica são-nos dadas já por intermédio do espaço como condição das aparências externas. Intuir duas coisas em duas diferentes posições espaciais, é portanto, suficiente para as considerar numericamente diferentes.”A diferença dos lugares faz a pluralidade e distinção dos objetos, enquanto aparências, nãopossível, mas também necessária, sem que sejam mister outras condições”.

Entre os pensadores contemporâneos, o princípio dos indiscerníveis tem sido examinado sobretudo sob o aspecto lógico. Mas vários filósofos e lógicos têm discutido o sentido ou os sentidos em que o princípio pode ser ou pode não ser aceite. Alguns autores têm indicado que carece de sentido afirmar ou negar que duas coisas possam ter todas as suas propriedades em comum a menos que previamente se tenham distinguido. Outros assinalam que se se pode negar o princípio sem que a negação seja contraditória consigo mesma, o princípio carece de interesse. Outros assinalam que pode imaginar-se um universo radicalmente simétrico, no qual tudo o que sucede em qualquer lugar pode ser exatamente duplicado num lugar a igual distância do lado oposto do centro da simetria, em cujo caso haveria objetos numericamente distintos, embora indiscerníveis. Outros arguem que num universo semelhante seria possível a indiscernibilidade de dois objetos numericamente distintos apenas porque se introduz um ponto de observação em relação ao qual as duas metades do universo estão situadas em dois lugares diferentes. individuação – Chama-se “princípio da individuação” e também “principio da individualização” ao princípio que explica porque algo ‘é um indivíduo, um ente singular. O primeiro autor que se ocupou amplamente deste princípio e dos problemas por ele suscitados, foi Aristóteles, em particular ao tratar das noções de substância, forma e matéria. A questão: “em que consiste o princípio da individuação?”, está ligada à seguinte: “que é que faz que algo seja um indivíduo?”.

O princípio da individuação é constituído pela matéria (no sentido aristotélico deste termo). Embora não seja a única resposta que Aristóteles deu à nossa pergunta, foi uma das maus influentes. As razões para a sua adopção são várias. Antes de todas, esta: como a forma é universal, não pode explicar porque um indivíduo é um indivíduo. A forma é a mesma numa classe mesma de indivíduos. Sob o aspecto da forma, João, Pedro e António são o mesmo: todos eles são homens, quer dizer, animais racionais. Só fica a matéria como princípio individuante. Por exemplo, a matéria de todos os corpos naturais é a terra, o fogo, a água, o ar. A matéria dos astros e o éter. A dos corpos orgânicos, os tecidos. A dos seres humanos os órgãos. Dir-se-á que então há um princípio de individuação que se aplica apenas a tipos de seres e que, por conseguinte, não é suficientemente individuante. Nas podemos refinar a nossa concepção da “matéria qualificada” em vários sentidos. Tomemos, por exemplo, os homens. O tamanho (ser alto, gordo, etc), a cor (ser branco, amarelo, etc), as disposições corporais (estar de boa ou má saúde), as caraterísticas psicológicas (ser abúlico, inteligente) são todas as propriedades da matéria humana. Assim, podemos dizer que a concepção aristotélica da matéria, pelo menos ao nível do homem, é igual à concepção das circunstâncias humanas. O que permanece igual em todos os homens, de acordo com a concepção clássica, é ser um animal racional, o que é equivalente à propriedade de participar numa inteligência ativa, propriedade que se reconhece no fato de aceitar os princípios racionais. Mas o modo como tais princípios são reconhecidos é diferente em cada um dos homens. Com o que resolvemos a famosa dificuldade de que a matéria não pode ser o princípio de individuação pelo fato de não ser cognoscível. Mas isto é certo talvez para a “matéria pura”, mas não para a “matéria qualificada”. No entanto, com isso não resolvemos ainda a dificuldade que põe o fato de que com o fim de qualificar a matéria necessitamos de algum modo da forma, pois a forma é a qualidade de uma matéria dada.

Talvez seja melhor supor que a noção de indivíduo é susceptível de possuir diferentes graus. O próprio Aristóteles insinua uma solução semelhante, quando parece conceber a alma do homem como uma forma individual. Em tal caso, o princípio da individuação seria mais material em espécies de seres que possuíssem menos individualidade que outros, e mais formal no caso inverso. Por exemplo, enquanto a distinção entre a pedra x e a pedra y seria quase imperceptível no que toca à individualidade, a diferença entre João e Pedro seria muito notável.

Quanto mais elevada for uma realidade na hierarquia dos entes tanto mais terá a tendência para acolher a forma e não a matéria como princípio de individuação. Assim a controvérsia entre a forma e a matéria como princípios de individuação poderá resolver-se de acordo com as realidades correspondentes. Nos níveis inferiores da realidade, o princípio será a matéria; nos níveis superiores, a forma. E ni nível intermédio (por exemplo, no nível humano), o predomínio da forma ou da matéria dependerá do grau e perfeição na individuação de um homem dado. Desde Aristóteles podem compreender-se melhor as diversas posições adoptadas a esse respeito pelos escolásticos. Os seus trabalhos sobre o problema foram precedidos pelos comentaristas aristotélicos e pelos filósofos árabes; assim, por exemplo, já Avicena afirmou que o princípio de individuação é a matéria qualificada pela quantidade. Mas os escolásticos sistematizaram estas questões em certo número de posições que correspondem aproximadamente às atitudes adoptadas a respeito dos universais. Estas posições podem reduzir-se a três: 1) por um lado, os filósofos nominalistas extremos sustentavam que, existindo uma ideia separada da coisa, ou, se se quiser, não havendo mais realidade que “esta realidade determinada”, o princípio da individuação não é necessário, pois o problema põe-se melhor em relação aos universais, cuja razão se nos escapa, a menos que os consideremos como radicados na mente. 2) Segundo a tese tomista, o que constitui a individualidade das substâncias criadas sensíveis é a matéria; em contrapartida, as formas separadas ou subsistentes têm o princípio de individuação em si mesmas, quer dizer, podem ser, como as puras inteligências, simultaneamente individualidades e espécies. A matéria a que se refere s. Tomás como individuação não é a matéria pura e simples, mas a matéria que é considerada sob certas dimensões. 3) Duns Escoto assinalava que ainda esta quantidade da matéria não pode constituir uma individuação suficiente, pois a quantidade é um acidente. No caso do homem, a aptidão da alma para se unir a determinado corpo procederia da sua forma, e não da matéria. Daí a proposição de Duns Escoto: o princípio da individuação não é a pura essência nem tão pouco a matéria, nem acidente extrínseco à essência, nem um dos elementos constitutivos desta. É um princípio positivo, inerente à essência, por outras palavras, é uma modalidade da substância. Este princípio é a haecceidade, que poderia traduzir-se por estidade, de este, heac. Entre ela e a substância nãodistinção real, mas unicamente formal. Mas esta distinção formal não é uma pura criação do espírito, como suporia o nominalismo, nem tão pouco algo radicado na Natureza da própria coisa e suas distinções totais. A haeceidade é a particularização ou individualização da ESSÊNCIA e não a própria forma da coisa, pois esta subsiste fora do múltiplo. Em Suárez pode encontrar-se uma exposição pormenorizada das opiniões sobre este problema e uma crítica das mesmas. A exposição de Suárez e as ideias por ele mantidas influíram muito mais do que se costuma indicar sobre os filósofos modernos que têm tratado de modo explícito o problema do princípio da individuação. Entre estes destaca-se Leibniz. Para ele há três sentenças principais sobre o princípio da individuação: 1) todo o indivíduo se individualiza por toda a sua entidade. 2) O princípio da individuação consiste em negações. 3) o princípio da individuação é a existência. Pode afirmar-se que a opinião de Leibniz está próxima da de todos os que (como Suárez) baseiam a individuação do indivíduo na “própria entidade”. Em contrapartida, outros autores inclinaram-se em favor do espaço e do tempo como princípios de individuação. Assim, Schopenhauer, o qual, por motivos metafísicos derivados da sua doutrina acerca da vontade, estima que o espaço e o tempo singularizam o que é num princípio idêntico e pelos quais a unidade essencial do todo se converte numa multiplicidade. A maior parte das tendências filosóficas contemporâneas, com a excepção das neo-escolásticas, abandonaram quase totalmente as doutrinas que escolhem a matéria ou a forma como princípios de individuação e tendeu-se para algumas das seguintes soluções: 1) O individual fundamenta-se, por assim dizer, “em sisi mesmo”; a entidade individual existe como tal irredutivelmente. 2) A noção de indivíduo é uma construção mental à base dos dados dos sentidos. 3) A ideia de coisa como j”coisa individual” é determinada pela localização espacio-temporal. [Ferrarter]