Igualmente perturbadora é a aplicação da razão na compreensão da fisionomia: pois também esta tem de se dar imediatamente pelo entendimento: diz-se que a expressão do rosto, o significado das feições, deixa-se apenas sentir, vale dizer, é refratária aos conceitos abstratos. Cada pessoa tem a sua imediata e intuitiva fisiognomonia e patognomonia: embora uns possam conhecer mais claramente que outros essa signatura rerum [Assinatura das coisas]. Não está ao nosso alcance ensinar e aprender in abstracto uma fisiognomonia porque as nuances são aqui tão sutis que conceito algum tem flexibilidade para lhes corresponder. Consequentemente, o saber abstrato está para tais nuances como uma imagem de mosaico está para um quadro de Van der Werf ou Denner: assim como, por mais bem executado e primoroso que seja um mosaico, sempre permanecem espaços entre as suas pedras, impossibilitando a transição contínua de uma cor a outra, assim também os conceitos, com sua fixidez e limites acurados, por mais detalhados que sejam em sua determinação, mostram-se incapazes de alcançar as modificações sutis do que é intuível – que é justamente o ponto de que se trata quando tomamos a fisiognomonia como exemplo. [Por isso sou da opinião de que a fisiognomonia não pode avançar com segurança a não ser até o estabelecimento de algumas regras muito gerais, como por exemplo estas: na testa e nos olhos pode-se ler o que há de intelectual numa pessoa, já na boca e na metade inferior da face o que há de ético, as manifestações da vontade. Testa e olhos se explicitam reciprocamente: tomados isoladamente são apenas meio compreensíveis. O gênio nunca é sem uma testa alta, larga, belamente arqueada, mas a recíproca amiúde não é verdadeira. O espírito pode ser inferido de um semblante espirituoso tanto mais seguramente quanto mais feia for a face, e, de um semblante estúpido pode-se inferir tanto mais seguramente a estupidez quanto mais bela for a face; porque a beleza, enquanto correspondência com o tipo da espécie, já porca em e por si a expressão da clareza espiritual, o contrário ocorrendo com a fealdade etc.] [Schopenhauer, MVR1:107]