Herakles

Excertos de Edith Hamilton, «MITOLOGIA»

O maior herói da Grécia foi Hércules, personagem proeminente mas a nível completamente diferente do de Teseu, o grande herói de Atenas. Em toda a Grécia, com excepção de Atenas, Hércules foi o mais admirado. Os Atenienses tinham outro espírito em relação aos restantes gregos, e o seu herói devia, portanto, possuir também características específicas. Teseu foi, naturalmente, o mais bravo dos bravos, como todos os heróis, aliás; mas, ao contrário dos outros, era tão compassivo quanto bravo e a sua grande inteligência estava em perfeito acordo com a sua imensa força física. Era de esperar que os Atenienses o tivessem escolhido como herói, porquanto valorizavam o pensamento e as ideias como nenhuns outros; Teseu era a própria encarnação do seu ideal. Hércules, porém, encarnava as virtudes mais valorizadas nas outras regiões da Grécia — os Gregos, de um modo geral, honravam e admiravam as suas qualidades, que, com excepção do ânimo indomável, não eram as que distinguiam Teseu.

Hércules foi o homem mais forte da Terra, senhor da suprema autoconfiança que a força física magnífica confere. Considerava-se igual aos deuses e com uma certa razão, pois haviam recorrido ao seu auxilio para combater os Gigantes. As flechas de Hércules desempenharam um papel muito importante na vitória final dos Olimpianos sobre os filhos abrutalhados da Terra. Tratava os deuses do mesmo modo que qualquer mortal. Uma vez, quando a sacerdotisa de Delfos não respondeu à pergunta que formulara, Hércules agarrou no trípode em que ela estava sentada e anunciou que ia levá-lo consigo para assim poder ter um oráculo à sua inteira disposição. Apolo, certamente, não admitiria, mas o herói estava disposto a lutar contra ele, e Zeus teve mesmo de intervir. A querela foi facilmente apaziguada, porém. Hércules não tinha más intenções nem pretendia discussões com Apolo, queria apenas uma resposta do oráculo. Se este desejo fosse satisfeito, o assunto, quanto a ele, ficaria resolvido. Apolo, por seu turno, ao enfrentar um indivíduo tão intrépido não pôde deixar de sentir admiração pela ousadia do herói, e obrigou a sacerdotisa a dar a resposta.

Hércules nunca deixou de estar convencido de que, fosse quem fosse que se lhe apusesse, sairia sempre vitorioso da luta, e os factos, aliás, encarregaram-se de confirmar esta convicção — quando se opunha a alguém, o resultado era já conhecido de antemão; só uma força sobrenatural seria capaz de o dominar, e Hera soube usá-la com efeitos terríveis para o herói, que, no fim, veio a ser vítima das artes mágicas. No entanto, nunca foi vencido» por nada que vivesse nem na terra, nem no mar, nem no ar.

A inteligência não desempenhou papel preponderante na sua conduta; com efeito, é notória e manifesta até a sua ausência. Certa vez, num estado de grande exaltação, Hércules apontou ao Sol uma das suas flechas, ameaçando-o de morte. Noutra ocasião, quando o barco em que seguia balançava com a agitação das ondas, prometeu castigar as águas caso não se acalmassem. O seu intelecto não era forte, as emoções, sim — eram susceptíveis de ser subitamente despertadas e facilmente descontroladas. Foi o que se verificou quando saiu do Argo e esqueceu os companheiros e a Demanda do Velo de Giro, na sua dor desesperada de perder o jovem escudeiro Hilas. Este poder do sentimento profundo coexistindo num homem com a sua tremenda força física era estranhamente cativante, mas também muito prejudicial. Tinha acessos de ira furiosa sempre fatais, a maior parte das vezes para os objetos inocentes. Depois de passado o acesso de raiva e de recuperada a calma Hércules mostrava-se um penitente, que desarmava todos com os seus modos e aceitava humildemente qualquer pena que lhe fosse proposta — só podia ser punido com o seu consentimento —, e, no entanto, nunca ninguém sofreu tantos castigos… Passou uma grande parte da vida expiando atitudes irrefletidas que tomara umas após outras, mas nunca se rebelou contra as exigências quase impossíveis que lhe eram feitas. Algumas vezes, quando os outros tencionavam poupá-lo, castigava-se ele a si próprio.

Teria sido absurdo pô-lo a chefiar um reino, como aconteceu com Teseu; já era muito ter de governar-se a si próprio… Ao seu espírito nunca teriam ocorrido ideias novas e grandiosas como as do herói ateniense; limitava-se apenas a descobrir a melhor maneira de matar um monstro que o ameaçava. Não obstante, tinha verdadeira grandeza de alma; não propriamente pela sua coragem, que se ‘baseava na força esmagadora, que não passa de uma mera questão de natureza física, afinal, mas pela tristeza que sentia em praticar o mal e pela vontade indômita de expiação. Se tivesse tido também grandeza de espírito bastante que o levasse pelos caminhos da razão, Hércules teria sido o herói perfeito.

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