Barbuy: ser unívoco e ser análogo II

Todo panteísmo encerra, de fato, a mesma contradição interna do sistema platônico e da qual Platão, em diversas passagens se deu perfeitamente conta, a saber: De que modo pode a multiplicidade participar da unidade da Ideia? De que modo pode uma Ideia determinada, sem deixar de ser ela mesma, participar da unidade do verdadeiro ser, vere ens? — Pois, como observa Etienne Gilson 1, se começamos por dizer que a Ideia é, porque é Una, (e o que é tem que ser idêntico a si mesmo), admitimos ao mesmo tempo que o Ser é Um. — A única saída para esta dificuldade é a afirmação de que o Um não é Ser, mas está acima do Ser. No entanto, como bem se vê nas Enneadas de Plotino, este Um reveste todos os caracteres do Ser Absoluto. E este Ser que no entanto fica abaixo do Um, é um desdobramento do Um, que por sua vez se desdobra em todos os seres.

Todos os seres serão portanto, nesta concepção, traduções de um único Ser e o universo se constituirá de uma só entidade (ou substância) sendo o mundo finito a modificação de um único Ser. E o infinito se manifesta assim, todo como finito, Deus como natureza, o Ser único, sob a forma de aparências variadas. Assim os estoicos e alguns medievais2 admitiam ser Deus a matéria do mundo ou a forma das cousas, ou a alma do Universo.

No entanto, a forma corrente da concepção unívoca do Ser se exprime no panteísmo emanatista, segundo o qual tudo parte de Deus, como difusão e expansão da sua própria realidade, e tudo, num movimento de retorno se resolve novamente em Deus; o Ser, do qual os seres são expressões transeuntes, se reabsorvem no Absoluto depois de percorrer uma processão circular3. É flagrante a contradição desta teoria: Porque, neste panteísmo, ou bem a realidade não é Ser, porque o Ser é único, ou bem o Ser deixa de ser, para vir-a-ser. — Mas, para corrigir esta contradição o panteísmo facilmente desliza para a teoria de que toda a realidade se constitui da evolução interna de uma substância divina, a qual se daria em virtude de uma lei interior e necessária, e o Ser não seria livre de se manifestar desta ou daquela maneira; obedeceria, em sua manifestação evolutiva, uma Lei. E então, para sanar a contradição anterior, o panteísmo incorre numa nova, qual seja: Se há essa lei, então o Ser não é absoluto (ab-solutum), antes é escravo da Lei4. — Mas, como pode esta “leiexistir acima do Ser (ou então declarar-se-á que está dentro dele, como se o Ser fosse espaço), sem que ela mesma seja?! Eis aqui, como se vê o Ser transformado numa “lei”. E de que modo se pode então afirmar o Ser, subtraindo-lhe atributos necessários (p. ex. a liberdade), sem os quais o Ser não é Ser, dado mesmo que o Ser e seus atributos são uma só e mesma cousa, que apenas a inteligência separa porque pensa abstrativamente?

Sob este aspecto, o panteísmo idealista alemão é bem mais consequente do que o panteísmo de Spinoza, para o qual a substância única se exprime realisticamente na extensão, formando a matéria do mundo — e no pensamento, formando os espíritos5: Neste panteísmo de Spinoza, nunca se saberia onde situar (por assim dizer), a evolução, a variação, a mudança, o vir-a-ser. Porque, se considerarmos que o Ser é uma substância que tem em si mesma a necessidade do seu desenvolvimento, tal como a pessoa humana, por exemplo, é uma substância que suporta a mudança, então, o panteísmo incorre no absurdo de atribuir a mudança não a uma substância particular, finita, como é a pessoa humana, mas à própria substância do Absoluto, ao Ser único, misturando o Ato Puro de ato e potência, de essência e existência e misturando o Ser de não-ser, e neste caso, que fará o panteísmo para iludir o princípio de identidade, sobre o qual entretanto pretendeu fundar a univocidade do ser?

Resta pois a solução de considerar a realidade do mundo como um conjunto de representações ideais de um Espírito Absoluto, o qual, pensando-se a si mesmo, produz transformações sempre novas da sua realidade. Tal por exemplo o idealismo transcendental de Fichte, Schelling, Hegel e nos correntes dias o idealismo de Croce e Gentile. — Aqui, simplificando, para não negar o princípio de identidade, a concepção unívoca do ser, nega a realidade do mundo como tal. — De fato, a ontologia hegeliana se define a si mesma como a doutrina das determinações abstratas da essência, e a única distinção, entre o Ser e os seres, consiste em que o Ser é indeterminado, não se deixa conceptualizar, e os seres são determinados, conceptualizados; isto distingue o Ser absoluto, Sein, do ser determinado, particular, Dasein. A realidade sendo um puro movimento dialético de passagem constante do ser ao não-ser e da unificação num terceiro momento do ser com o não-ser, tudo se passa como se a realidade não fosse mais do que um conjunto de conceitos. Afirma-se ao mesmo tempo o Ser, como Ser e como Nada, e deste Ser, que é ser e não é ser, se extrai conceptualmente uma realidade que é, e que não é. — Uma realidade, bem entendido que nada tem a ver com a existência, e que é realidade puramente ideal, segundo a conhecida fórmula hegeliana: Tudo o que é real é racional; tudo o que é racional é real.

Em outras teorias (tal por exemplo, a de Krause), Deus e o mundo constituem uma só essência, mas o mundo é apenas uma parte da essência total. — De modo que Deus é o mundo, mas o mundo não é Deus: correlato este bem curioso da concepção pela qual a matéria é ideia, mas a ideia não é matéria. — Porque, se Deus é o mundo, mas o mundo não é Deus, então o Ser Absoluto é visto quantitativamente, exprime-se em partes e a soma dessas partes formam o Todo do Absoluto. — E como o Absoluto não pode constituir-se de partes, o Absoluto desse panteísmo incorre na flagrante contradição de afirmar que o absoluto é relativo.

Uma negação do princípio de identidade é ainda o panteísmo do Élan Vital, na metafísica de Bergson. A filosofia bergsoniana, substituindo o ser pela duração, pelo vir-a-ser, — e afirmando que o realmente real é precisamente o que não é, constitui uma negação frontal do princípio de identidade, ao qual o bergsonismo aliás não atribui nenhuma importância, desde que confunde a inteligência com as formas matemáticas da razão e destrói essa pseudo-inteligência em nome da intuição. Mas nem por isso a inteligência deixa de ficar bem viva para acusar o fato de que não se pode pensar sem o princípio de identidade. O Deus bergsoniano é um centre de jaillissement, de onde brota toda a realidade, constituída, no fundo, por um único Ser (que não é ser substancial, porque é vir-a-ser) e que não é outra coisa senão o Élan Vital que se dispersa, por um lado na matéria através de uma détente (e o que se distende se extende) e por outro, através duma alta tensão, no espírito. E Deus vem a ser ao mesmo tempo criador e criatura, não havendo já nenhuma distinção substancial entre o homem e a pedra; o Deus bergsoniano está em tudo, é ato e potência, é movimento e não imobilidade, é um Deus-universo, se faisant e não mais um Deus tout fait6.— E então, se Deus está se fazendo a si mesmo no devenir, se não é um Deus perfeito (perfectus), que espécie de Deus é? — Se Deus não é o Absoluto, mas o relativo, Deus é necessário ou contingente? Se Deus está se realizando no mundo (como também se realizava abstratamente a Ideia Absoluta de Hegel), é Deus indigência, impotência, imperfeição, matéria-prima, ou — Ato Puro?

Sabe-se precisamente que na doutrina tomista Deus é Ato Puro, o que exclui todo devenir, todo vir-a-ser, porque em Deus não pode haver mistura de ato e potência, o que é próprio somente dos seres criados, susceptíveis de aperfeiçoamento. — Em Deus não há composição de espécie alguma, desde que é a absoluta simplicidade, sendo o Ser por excelência, não o que tem o ser, mas o que é o Ser, o analogum analogans. Disto deriva a absoluta distinção de Deus e do mundo, a sua infinita transcendência.

Mas o Deus bergsoniano, é transcendente ou imanente? Aqui, o maior discípulo de Bergson, Le Roy, afirma ao mesmo tempo a imanência e a transcendência de Deus: “Se declaramos Deus imanente, é porque consideramos dele, o que Ele se tornou em nós e no mundo; mas para o mundo e para nós resta sempre um infinito devenir, um infinito que será creação propriamente dita e não simples desenvolvimento; e deste ponto de vista Deus aparece transcendente.”7 — Isto significa que Deus é imanente no que se tornou e transcendente no que vai vir a ser. No entanto, como pode ser transcendente um Deus que, em essência, não se distingue do mundo? Como pode ser Deus, um Deus que está se tornando, um Deus que não é? Neste caso, para a filosofia bergsoniana, Deus é o que não é — numa exata contraposição ao que diz a famosa passagem bíblica, que foi o ponto de partida da teologia augustiniana e medieval: Ego sum qui sum (Êx. III, 14). Para o bergsonismo Deus é precisamente o contrário e a verdade seria este paradoxo: Ego sum qui non sum. — Diga-se ainda que, no bergsonismo, o Deus realizado (devenu) somos nós mesmos, um Deus imanente; e o Deus transcendente a nós, é um Deus que ainda vai realizar-se, um Deus que ainda não é, um Deus em suma que não existe, a menos que se diga que Ele existe em nós mesmos como potência pura.

Toda esta teoria bergsoniana, contende diretamente a analogia do ser e afirma este último como unívoco: mas, em vez de proceder como outras teorias que afirmam a dupla realidade unívoca do ser e do vir-a-ser, ou em vez de afirmar a realidade do ser unívoco negando o vir-a-ser, este panteísmo afirma o vir-a-ser, negando o ser: Matéria, espírito, Deus, mundo, são uma só e a mesma cousa, uma duração, e nós somos substancialmente pedras e deuses, homens e vegetais, ou, por outra, nós não somos cousa alguma porque sempre estamos nos tornando, deixando de ser o que éramos para vir a ser o que não éramos.

Tal é um panteísmo que, à semelhança de outros, admite um Deus que em vez de absoluta simplicidade, é um composto divisível, e Bergson, se bem que muito mais profundo do que Spinoza e a despeito da radical distinção que estabelece entre a quantidade e a qualidade, toma o Absoluto quantitativamente, ou seja, como susceptível de um desdobramento, de uma explicitação, de uma realização no universo.

Ora, toda concepção unívoca do ser, nasce de que, se o Ser é o que é, tudo quanto é devenir, ou é uma ilusão, uma negação do ser, ou então é o Ser mesmo explicitando-se no universo. Esta premissa, insinua, no panteísmo, que os seres e o Ser absoluto devem ser uma só e a mesma substância, caso contrário, o mundo limitaria, pelo relativo e pelo finito, o absoluto e o infinito do Ser. — Mas esta conclusão’ é o resultado da tendência a subordinar a realidade do mundo existente às formas do pensamento e não o pensamento à realidade dos seres existentes.

De fato, se ao Ser absoluto e aos seres finitos convém o atributo do ser, não é o mesmo modo de ser que se atribui indiferentemente a todos, sendo que o ser das cousas creadas é um ser limitado por uma essência imperfeita e o Ser increado subsiste na sua infinita perfeição, como condição necessária da existência dos seres creados.

Não se pode dizer que um Deus distinto do mundo é limitado pelo mundo, pois que o Ser infinito encerra em si, pelo fato de ser infinito, todas as perfeições existentes ou possíveis no mundo. Essas perfeições creadas existem em Deus de maneira superior e é pela penetração dessas perfeições creadas que a inteligência chega analogicamente ao Ser de Deus, o qual no entanto não é conhecido senão como Incógnita: In finem nostrae cognitionis Deum cognoscimus tamquam incognitum. Porque todo conhecimento discursivo é mediato e só o conhecimento intuitivo é imediato, constituído pela identificação do sujeito com o objeto, ou seja, no caso, pela comunhão mística: a qual no entanto não é objeto da ontologia.

Se Deus não contivesse em si todas as perfeições encerradas no mundo, então Deus seria, como no bergsonismo, a própria evolução e neste caso seria um ser imperfeito e mutável e não um Ser absoluto.

Quanto à concepção unívoca do panteísmo idealista, a sua contradição é flagrante: este panteísmo estabelece que o Ser absoluto é uma substância única, existente, e por outro lado é também uma Ideia Abstrata, universal, indefinida. Ora, ser abstrato e concreto ao mesmo tempo, do mesmo modo, é impossível. Porque, ou bem o Absoluto é uma ideia abstrata e nada tem de concreto, não havendo pois realidade no mundo, porque o mundo será uma soma de representações, e nem realidade no absoluto, porque o absoluto será também uma ideia abstrata. Neste caso, não existe nada, nem o mundo, nem a Ideia Absoluta, nem eu, nem os outros, nada: tudo será pura abstração. — Ou então, essa Ideia Abstrata existe em alguma Inteligência Incriada e então a Ideia Abstrata já não será um ser único subsistente em sisi mesmo. Neste caso, a Ideia Abstrata será uma duplicação inútil do Ser, será ao mesmo tempo o Um e o múltiplo e então recairemos em todas as dificuldades conscientemente vividas pelo sistema platônico e pelo sistema hegeliano.

Ora, enquanto o Deus dos escolásticos é o Ser na sua mais absoluta plenitude, o Ser por excelênciaEns a se —, o Ato Puro, no qual são uma só e a mesma cousa a Essência e a Existência (diversamente dos outros seres em que a essência se distingue da existência atual) — ao contrário o Deus dos panteístas, particularmente o Ser Absoluto de Hegel, responde a uma noção que é a mais pobre de todas, porque é o indeterminado indeterminante e indeterminável, não tendo realidade alguma e sendo a realidade constituída pela pura determinação conceptual. — “Este ser puro — diz Hegel — é a Abstração pura e por conseguinte o negativo absoluto, o qual, tomado ele próprio de maneira imediata, é o Nada”. — 8 Deste Nada, como facilmente se vê, não pode sair nenhuma espécie de realidade.

A realidade pode sair do Nada desde que um Deus a crie. Mas se esse Deus mesmo é Nada, não poderá sair dele realidade alguma. E efetivamente, o mundo não tem realidade alguma no sistema hegeliano, principalmente se tomarmos a realidade como sendo a existência atual. O panteísmo se apresenta neste caso como a pura filosofia da abstração, que não toma conhecimento da existência e para a qual a realidade é um jogo de conceitos. — Para chegar a essa conclusão, começa-se por ver que as realidades são aquelas cousas cujas essências podemos determinar por meio de conceitos: e então, em vez de considerar como real a cousa que o conceito exprime, considera-se como realidade esse conceito mesmo e a transcendência do objeto conhecido se resolve na imanência do sujeito cognoscente. E assim a realidade aparece ao sujeito intelectivo como formada por uma série de conceitos; e como do Absoluto não podemos formular um conceito, toma-se o Absoluto como irreal. Por isso, no idealismo, pode tratar-se de uma realidade das essências reduzida a conceitos mas não se trata nunca das existências, que são as realidades entre as quais vivemos.

E quando acaso se admite a Consciência do Ser Absoluto, o qual evolui necessariamente, então neste caso: ou tem que desaparecer a minha consciência ou tem que desaparecer a Consciência Absoluta; porque, admitindo que o Eu trancendental, infinito, toma consciência de si mesmo na minha consciência, ou essa consciência é minha, ou é a consciência do Absoluto; e isto significa: ou bem a consciência é minha e eu sou uma negação do ser; existo mas não sou. Ou bem eu sou a consciência do Absoluto e quando eu tiver uma consciência absoluta de mim mesmo, eu serei o Absoluto: Eu serei mas não existirei. O ser que há em mim é a negação do meu existir.

Ora, se depois disto voltarmos ao senso comum, muito longe de nos sentirmos como a Consciência do Absoluto, ainda que em simples potência, a verdade é que nos sentimos dotados de uma existência que afirma o ser pelo existir, de uma existência contingente, limitada por uma essência imperfeita e que sabemos que a nossa evolução é limitada pela nossa possibilidade de evoluir, que somos portanto ato e potência, suportados pela substância individual, finita, de cada um de nós. Disto é que resulta perfeitamente claro, para a minha consciência, a distinção que me separa do mundo; e igualmente que eu serei tanto mais eu, quanto mais eu me realizar como indivíduo, conquistando a existência sobre o nada. — A existência não pode ser outra cousa senão a afirmação do particular.

E assim, depois de tantos idealismos, que nunca tomaram conhecimento da existência real do mundo, levantou-se na filosofia contemporânea o compreensível movimento existencialista, que no entanto incorre no excesso oposto, qual seja o de conceber a existência como dado finito e único, opondo uma ontologia da existência às ontologias da essência. — Na verdade e segundo tudo indica (principalmente depois das críticas do conhecimento e da relevação dos valores vitais) somente uma doutrina do ser análogo, uma doutrina substancialista, poderá dar conta da crise do pensamento atual, redescobrindo as relações metafísicas entre a essência e a existência.

Mas o idealismo, destruindo a tríplice realidade substancialmente distinta, de Deus, do mundo e do ego e afirmando que Deus é o mundo e que o Ser é unívoco, ou tem que negar a Deus ou tem que negar o mundo: Porque, se afirma que Deus é o mundo, afirma a existência do mundo, mas nega a de Deus. E se afirma que o mundo é Deus, afirma a existência de Deus, mas nega a do mundo como tal, porque ao mundo faltam os atributos do Absoluto.

Além do que, se Deus é imanente ao mundo, não pode ser transcendente ao mundo: Porque, se o Ser é idêntico aos seres, não se vê de que maneira o Ser poderia ser transcendente aos seres.

Por isso também, no monismo bergsoniano, o Deus-movimento é sempre o mundo, é um Deus sempre imanente, porquanto a sua transcendência fica relegada ao devenir; mas quando esse devenir se tornar ele próprio realidade, a transcendência se resolverá na imanência: é pois um Deus sempre imanente, como existente, e cuja transcendência constitui antes uma negação da sua realidade atual.

De modo que, monismo materialista, idealista ou panteísta, é a consequência inevitável de toda concepção unívoca do ser. Porém esta concepção contende com a realidade do mundo das existências, porque, se o ser é unívoco, logicamente ou se nega o vir-a-ser ou nega-se o ser. Ou então, afirma-se o ser e nega-se o vir-a-ser, afirmando e negando o mesmo do mesmo e na mesma relação, o que significa buscar na irracionalidade a solução de dificuldades trazidas pelo princípio primeiro da Inteligência e em nome do qual se declara o ser unívoco, tendo depois que justificar essa univocidade com o irracional, pela negação daquele mesmo princípio.

Ainda, se não houvesse uma correlação entre o sujeito e o objeto do conhecimento, se o objeto fosse inteiramente determinado pelo sujeito, então o problema da univocidade ou analogia do ser, se resumiria no que os gregos chamavam “opinião” (doxa). Mas como o mundo exterior existe independentemente do sujeito que o conhece, ou bem este último rejeita a existência do mundo pela afirmação unívoca do ser, ou bem aceita a existência do mundo, com os seus seres diversos e finitos e reconhece a analogia do ser.

Que a situação é realmente esta, é o que se vê pela declaração de Kant, que encerra o nexo de toda a sua Razão Pura e segundo a qual: “O ser não é evidentemente um verdadeiro predicado, um conceito de alguma cousa que possa ser acrescentando ao conceito de uma cousa”. Proposição esta que significa, segundo a observação de Étienne Gilson, que não há diferença alguma entre a noção de uma cousa dada com a existência e a noção dessa cousa sem existência 9. — No desprezo completo da existência de uma realidade concreta trans-subjetiva, reside o erro fundamental do idealismo, que se aparta completamente da experiência vital, existencial.

Pois, o problema está em aceitar ou não a existência da realidade objetiva; aceita essa existência, a única ontologia que poderá sair de tal admissão, não é a ontologia das essências que desconhecem as existências, mas sim a ontologia da essência com a existência, ou seja, uma ontologia da realidade objetiva, onde a essência se apresenta atualizada na existência e onde o conhecer, subordinando-se ao ser, reconhece a analogia objetiva deste último.

Este primado do ser sobre o conhecer, supõe uma atitude inteiramente diversa daquela em que se colocou Descartes, de quem partiu todo idealismo, com a fórmula: Cogito, ergo sum. Ao que se pode repetir a observação corrente de que eu não existo porque penso, mas penso porque existo.

O primado idealista do conhecer sobre o ser, que é o primado do sujeito sobre o objeto, com a negação muitas vezes da realidade deste último, leva necessariamente à ontologia das essências, a qual vê no ser unicamente a essência, não reconhecendo realidade alguma fora da essência, a qual por sua vez, na realidade, não se dá sem a existência. — Porque se a existência não tem sentido sem a essência, a essência também nada é sem a existência, no mundo concreto. — Uma ontologia essencialista será sempre uma ontologia dos conceitos, separados da essência e da existência, enquanto ao contrário, todo realismo natural se funda na existência do objeto a que o conceito se refere, ou seja, no ser transcendente, no qual se fundem e ao qual se adequam, numa só verdade e numa só realidade, o juízo da existência e o conceito da essência. Por isso, conhecer — fieri aliud in quantum aliud — é penetrar um objeto, conhecendo o seu ser; conhecer é pois conhecer o ser; e não é porque o conhecemos que o ser é tal; mas o conhecemos porque é ser. E se todos os seres do mundo finito que nós conhecemos, são seres compostos de essência e existência (a menos que queiramos negar a objetividade transubjetiva da existência) como não havemos de compreender que a ontologia das essências não dá conta das existências, e que a ontologia da existência não dá conta das essências e que, uma ontologia fundada na realidade, deve inserir o essencial no existencial?

A noção de ser é a mais universal de todas as noções, o que se atribui a todas as cousas e o termo de toda análise. Tudo quanto se passa conosco, tudo quanto vemos, variação, mudança, tudo isto são seres, seres acidentais ou seres substanciais, mas sempre seres. E não é preciso esforço para verificar a realidade e a diversidade dos seres no mundo; não é também preciso esforço para verificar que existem seres objetivos e seres subjetivos e que todos esses seres do mundo concreto existem; — ao contrário, um idealismo, como o de Berkeley, ou como o de Kant, exige um esforço antinatural, e se afasta tanto mais da vida, quanto mais se distancia da experiência direta da realidade. — Nem por menos o senso corrente considera parodoxal a existência de filósofos que neguem o objeto do conhecimento, negando-se também a si mesmos, porque eles não se conhecem só como sujeitos, mas também como objetos. — E que outros afirmem não se poder afirmar o absoluto, porque tudo é relativo, afirmando assim o princípio absoluto de que tudo é relativo.

Ao contrário, uma inteligência que reconheça, antes de mais nada, que o “progresso” da filosofia não se faz como nas ciências e nas técnicas por substituição e sim por aprofundamento, admitindo com o senso comum a objetividade subjetiva e extra-subjetiva do ser, não terá dificuldade em pensar em termos filosóficos, sem afastar-se da experiência real e direta da vida. Por isso, existe uma philosophia perennis, a qual se pode aprofundar mas não substituir, sem afastar-se do ser e dos princípios da inteligência. E essa filosofia é perennis, porque se funda no senso comum, na experiência integral da existência, na totalidade da experiência vital, captando a realidade não só pela intuição intelectiva, mas também pela vontade e pela emoção. “Não é a inteligência que pensa — disse Santo Tomás — mas o homem”; não é a vontade que quer, mas o homem; não é o coração que sente, mas o homem. E é o conjunto de todas essas faculdades e de todos os sentidos, um “sensus comunis” ao todo dos sentidos e das faculdades, o ser substancial humano em suma, que tem da vida essa experiência integral que lhe diz que o mundo existe realmente fora dele, que nem todos os seres são seres do mesmo modo, e que ele é uma existência concreta, contingente, imperfeita, que depende de um Ser superior, existente, perfeito, absoluto. Esta filosofia, que repousa na totalidade da experiência e da inteligência no seu amplo sentido, é uma filosofia perennis porque fundada na realidade e que nem por menos é chamada “realismo”.

Tal uma realidade que a Inteligência capta desde o absoluto, desde o Ato Puro, descendo pela escala dos seres compostos de ato e potência, de essência e existência, de matéria e forma até os seres inorgânicos, nos quais a forma é simplesmente quantitativa e até a matéria-prima, que é pura potência. Assim, desde o Ato Puro, até a pura potência, existe uma hierarquia de seres, que são todos seres, mas aos quais se atribui o ser analogicamente10. Em primeiro lugar se reconhece o ser, porque a inteligência está imersa no ser e porque seria impossível pensar sem pensar o ser.

Pode-se imaginar que alguém pense o nada, mas o nada pensado é também um modo de ser: a simples ideia do nada já é uma ideia do ser e o nada só se pode afirmar com limitação; sem dúvida concebemos o nada, porque se não concebessemos o nada, o mesmo princípio de contradição seria impensável. Mas do nada, a inteligência não pode formular um conceito, porque do nada, nada se predica.11

Se, pois, não pensamos fora do ser e se toda realidade e ainda tudo quanto possamos pensar como irreal é de algum modo ser, se a nossa consciência nos diz que existem seres concretos e seres abstratos, seres objetivos e seres subjetivos, se estamos imersos num mundo de seres, como fugir ao problema capital da filosofia, que é reflexão sobre o ser, sobre a natureza do que é, para restringir o campo da atividade espiritual aos puros fenômenos, aos entes in alio, quando toda atividade cognoscente se subordina ao ser na sua amplitude? Ao ser enquanto ser na metafísica, ao ser no seu como na ciência, ao ser no seu porque e no seu para que, na metafísica geral e particular e na lógica? Restringir o pensamento do ser ao seu como, foi próprio do naturalismo científico que representou na história da cultura o máximo do empobrecimento espiritual.

A inteligibilidade dos seres é o que faz também a sua analogia, a sua polivalência. A noção de ser vale para todas as cousas, mas a títulos diversos, a partir do ato do conhecimento, em que se afirma um sujeito e um objeto (ob-iectum) e pela diversidade das essências, que fazem com que um homem seja um homem e uma árvore, uma árvore; o ser, que em tudo se encontra, se encontra sempre de modo diverso, uma série de existências limitadas pelo campo das essências, caso contrário, se o ser não fosse análogo, um homem poderia ser uma árvore e uma árvore um homem. A universalidade dos praedicabilia supõe a analogia dos seres. De fato, para que o ser fosse unívoco, seria preciso que uma só essência fosse a essência de todos os seres, quando, em substância, os seres se distinguem por uma diversidade essencial de estrutura12. Quer dizer que o ser implica a analogia da sua concepção lógica, como respondendo a uma verdade ontológica.

De fato, a essentia, — ontos on — é o que faz com que uma cousa seja o que é. A essência foi pelos escolásticos denominada quidditas, o que ao mesmo tempo implica o significado de uma substância essencial, dada com a sua existência. É pela essência dada com a sua existência e não apenas pelos acidentes que uma pedra se distingue de uma árvore. E se os seres se distinguem essencialmente, o ser só se pode dizer analogicamente dos seres em essência e em existência. As propriedades dos seres, mesmo as propriedades essenciais, não constituem o ser, mas apenas o caracterizam, decorrem da essência, não são a essência. Uma cousa não é o que é em virtude das suas propriedades (se bem que pelas propriedades seja conhecida) senão que, essas propriedades são como são, por causa de uma determinada essência.

De fato, uma essência se distingue das suas propriedades e dos seus conceitos: as propriedades são seres em outrem, estão na essência e os conceitos se predicam da essência. A qualidade é o que se afirma como existente num ser e o conceito é o que a minha inteligência, adaptando-se à inteligibilidade do objeto, afirma de um ser. O que existe não é assim o archétypo, — homem em geral — mas sim este ou aquele homem em particular. O conceito universal, o que se predica de alguma cousa está presente nos sujeitos particulares, que são as realidades existentes. Se pois, a realidade não é o predicável, mas sim a substância da qual se predica, logo se vê que a realidade não poderia ser um conjunto de acidentes, nem um conceito, nem uma ideia. A realidade é uma realidade substancial.13

Se a realidade fosse um conceito, então o supremo resultado da sabedoria, seria a redução do mundo a uma fórmula qualquer físico-teórica (v. g. a fórmula da relatividade geral). Mas essa fórmula, — parafraseando Karl Jaspers, — está no mundo e não é o mundo; e quantas fórmulas queiramos inventar, essas fórmulas sempre estarão no mundo e nunca serão o mundo, porque o mundo não é somente essência separada da existência, mas é existência atual da essência.

E ainda que o mundo fosse apenas essência sem existência, as fórmulas poderiam — talvez — exprimir a essência, mas não seriam a essência. E é por este motivo também que as ciências nunca esgotarão a realidade e ficarão sempre na superfície dos progressos por substituição e tenderão sempre a falsificar a realidade, separando aspectos abstraídos do ser, isolando-os do ser e querendo depois apresentar esses aspectos como sendo o mesmo ser.

Mas o ser é uma substancialidade irredutível, que não se confunde com os seus aspectos; o ser é um mistério insondável e por isso o caminho da sabedoria é também o aprofundamento da realidade e lá onde a inteligência não chegue não há outra alternativa, senão escolher entre a e o desespero. Mas esta última escolha supõe que não se tenham acompanhado os princípios da inteligência até suas últimas consequências, porque, onde a inteligência cessa, o caminho que transpõe os arcanos já foi traçado.

Todos os seres finitos, todos os seres contingentes, entes ab alio, são dados na realidade como compostos de essência e exsistência, quer dizer, que não existem por força da sua essência, mas não podem existir sem ela. Assim a essência se define id in quo res constituitur in specie seu id quod res est quod est. E a existência: id quo res exsistit seu id quo res constituitur extra causas et extra nihilum.

Ora, se nós somos seres finitos é justamente porque não temos a nossa existência por força da nossa essência, desde que poderíamos existir e não existir. Se a nossa existência fosse dada por força da nossa essência, então não seríamos contingentes, mas necessários, não finitos, mas infinitos. Não seríamos seres dominados pela “angústia existencial”: seríamos o Ser Absoluto, porque em nós coincidiriam a essência e a existência como em ato puro. Ora, se somos contingentes, finitos, sujeitos à mudança, ao devenir, é precisamente porque somos ato e potência e existências recebidas em essências.14 Existir é o ato, a operação da atualização da essência na existência, porque a essência é potência com relação ao ato da existência. Existir não é ser um conjunto de qualidades, nem um conceito, mas sim, para nós, uma substância vital, causa das mudanças e fonte do vir-a-ser, pelo que Aristóteles denominava frequentemente a substânciaenergeia. — que quer dizer Ato.

Uma ontologia verdadeira haverá de entender assim a existência como um ato de perfeição da essência, retornando à experiência total da vida, tão completamente abandonada pelos idealismos, pelos materialismos e pelos racionalismos, que se divorciaram da realidade existente, eliminando a transcendentalidade do ser e com ela o fato fundamental do existir. Filosofia da pura potência e da pura essência, quando no ser a potência só é para o ato e a essência para a existência. E principalmente uma ontologia integral há de restituir ao ser a sua totalidade, devolvendo a aseidade ao absoluto, a ab-aleidade ao finito, a perseidade à substância, a in-aleidade ao acidente.

O universo de seres em que estamos imersos não se explicaria sem o ato creador, sem a creação contínua pela qual somos tirados extra-nihilum, do nada para a experiência singular do existir; e na penetração do ser até os limites da última inteligibilidade está o significado da atividade espiritual, quando não restrita aos horizontes estreitos em que a quis confinar o racionalismo e quando não limitada ao esquematismo das fórmulas que pretendem ser o mundo, quando nada mais são do que abstrações que estão no mundo.

Matéria e forma, potência e ato, essência e existência, reintegrados na ontologia da realidade, explicarão de que modo a vida, a vivência, esta única, inefável experiência que temos de existir, tríplice experiência de nós, do mundo e de Deus, e na qual vivemos, não só no mundo, mas em vários planos de mundos, compreende ao mesmo tempo o ser e o vir-a-ser, a essência do que é, e a existência do que está vindo a ser e de que maneira a causa final do ser, dando um sentido à atividade do viver, constitui a vocação da vida para se conquistar a si mesma sobre o nada. O ato de existir adquirirá então uma importância capital e o valor da vida existente — da vida de cada um — se restaurará no seu misterioso significado, neste sobrenatural em que nós vivemos e que vive em cada um de nós, quem quer que sejamos ou como quer que pensemos.

Quando se chega à conclusão necessária de que a experiência do existir nasce duma creação extra-causas e extra-nihilum, longe da imobilidade da ontologia das essências, a filosofia do ser integral deve revelar-nos como o existir é o ato supremo da creação, este ato pelo qual somos a negação do nada e como a existência tem um sentido e uma vocação que é atualização da sua mesma essência finita, sem a qual a existência não teria significado. Realizamos a missão essencial da existência e a missão existencial da essência.

O divórcio entre o ser e o existir se operou pela depreciação da metafísica, cuja restauração implica a reinserção do existir no ser e do ser no existir. Ao passo que nas ontologias essencialistas quanto mais uma realidade é, tanto menos existe, numa ontologia autêntica, quanto mais uma realidade existe, tanto mais é. O existir é o ato do que é. Nem por menos na hierarquia dos seres, desde a pura potência, até o Ato Puro, há uma hierarquia de realidades que tanto mais são quanto mais existem, sendo a existência finita ato misturado de potência e o Ser absoluto Ato Puro, sem mistura de potência, Essência coincidindo infinitamente com a Existência.

Assim a ontologia realista apresenta uma escala inversa à da ontologia das essências sem existência, inserindo a existência na essência, como ato de perfeição, em escalas sucessivas, até fundir no absoluto o que existe no que é.

Na escala gradativa dos seres finitos, cuja existência conquista a realidade sobre o possível e sobre o nada relativo, a liberdade cresce nessa conquista e neste sentido a experiência vivente é uma experiência da liberdade e na qual a liberdade cresce na proporção em que a essência se atualiza na existência. Assim se vê porque o ser permanece através do vir-a-ser, porque o vir-a-ser é potência e o ser é ato e como a experiência vital, o fluxo contínuo, a mobilidade, supõe a estabilidade do ser, o qual se realiza permanecendo no vir-a-ser e sem o qual o vir-a-ser não teria sentido.

E eis então o extraordinário significado da experiência indizível de existir e da angústia com que nos surpreendemos a nós mesmos como seres subtraídos ao nada. Se não tivéssemos esta íntima experiência de havermos saído do nada, não se explicaria a angústia da finitude e da morte que é o terror de voltar ao nada. Porém, se somos uma negação do nada e se nós mesmos não somos a causa do ser que temos, se a matéria em nós não nos constituiria sem a forma, se esta forma substancial se revela espiritual, então o mistério que nos arrancou ao nada de existir, também não nos devolverá ao nada. Com a corrupção da matéria, porque se havia de corromper a forma que não é matéria? O milagre do existir, implicando uma causa eficiente e uma causa final é também o milagre da liberdade, que consiste em buscar a paz ou fugir à missão da vida buscando o desespero. Mas tanto o desespero não é a vocação da vida, que se a vida não fosse esperança não subsistiria; em todos os sentidos, há uma verdade incontestável que nos diz que a vida é um ato de fé.

  1. L’Être et l’Essence, pág. 32, 33[]
  2. Além de Johannes Scotus Erigeno, David de Dinant para quem Deus é o princípio intrínseco constitutivo do mundo; Amalarius Carnutensis para quem Deus era a existência do mundo. — Igualmente, em certo sentido, Meister Eckhart, principalmente quando afirmava a possibilidade da divinização dos santos, com a proposição de que os santos se absorvem na divindade, transformando-se em Deus.[]
  3. Tal é o panteísmo de muitas correntes hindus, tão bem expresso pelos Vedas e pelo Bhagavadgita, sendo que este poema representa um esforço de fusão das várias correntes do panteísmo hindu e, em muitas passagens, nega mesmo o panteísmo. (Vide tradução parcial, direta, por Annibal Melo de Noronha e Faro, Edições Cultura, S. Paulo, 1943).[]
  4. Note-se que esta concepção de “lei”, no seu sentido corrente e científico nada tem de semelhante com o que os antigos queriam dizer com o mesmo termo. A concepção moderna de “lei” nasce do espírito geométrico do racionalismo, é uma concepção linear, horizontal. Mas para os antigos a “lei” do movimento obedecia um processo circular, ou seja, o movimento cósmico, de processão e de ascensão do absoluto e para o absoluto, era um movimento circular, formado de momentos heterogêneos, que se sucedem com valores diferentes.[]
  5. Veja-se por exemplo, Eth., vol. I, parte I., onde Spinoza, partindo de que não se pode conceber o Ser senão como existindo, porque se alguma substância houvesse fora de Deus, ela deveria ser explicada por algum atributo de Deus, e logo só Deus é, ou tudo é Deus — confundindo a essência e a existência, pelo simples fato de que só chegamos à noção da essência pela existência, Spinoza não se apercebe de que nega a existência, para afirmar a univocidade da essência. (I, Def. VI., prop. XI, XIV, XV, XVI).[]
  6. Sabe -se que Bergson, apesar da sua teoria, não era intencionalmente panteísta. Vide a este respeito as cartas do grande filósofo, citadas por J. Maritain, La Philosophie Bergsonienne, 3a. ed. pág. 40, epigr. — págs. 195 e 196.[]
  7. ”Revue de Métaphysique et Morale”, julho de 1907[]
  8. Hegel, Encyclopédie, trad. Véra, art. 87[]
  9. L’Essence et l’être, pág. 8[]
  10. Ens a se (Ser absoluto), ens ab alio (seres creados), ens per se, (substância), ens in alio (acidente): na escala dos seres, cada qual encerra o seu ato (e a existência é ato em relação à essência) e é tanto mais inteligível quanto maior é o predomínio do ato sobre a potência; assim o Ser absoluto é o supremo inteligível, e a pura potência da matéria-prima o menos inteligível dos seres. O que não significa que o supremo inteligível seja captado inteiramente pela inteligência humana, a qual, estando relacionada com a matéria, arrasta o peso dessa matéria e cujo conhecimento abstrativo não. é senão o conhecimento da forma despojada das notas individuantes. O Ser Absoluto é o supremo inteligível, mas a inteligência humana não tem a suprema intelecção e por isso: In finem nostrae cognitionis Deum cognoscimus tamquam incognitum.[]
  11. Inadmissível é a teoria bergsoniana, segundo a qual, na ideia de um objeto concebido como inexistente, concebemos esse objeto como existente e ainda, por acréscimo, temos a representação da sua exclusão da realidade. (Évolution Créatrice, págs. 298-325). Se este argumento bergsoniano fosse exato eu poderia conceber o nada como algo que encerrasse a existência de uma cousa e mais a sua inexistência. Quando em verdade a inexistência bergsoniana é o nada, e não podendo formar um conceito do nada, não se vê o que é que acrescentamos à ideia de um objeto inexistente, depois de ter pensado a sua inexistência, como existindo. Toda a argumentação bergsoniana se funda no falso pressuposto de que há um conceito do nada.

    Quando o dogma religioso afirma que o mundo foi creado do nada, nem por isso pensamos o nada absoluto, porque antes do mundo havia o Ser absoluto. Se houvesse um conceito do nada, o nada já seria ser e se eu pudesse afirmar que o nada é o nada, começaria por afirmar que o nada é. O mundo foi creado do nada, mas foi creado pelo Ser.[]

  12. O ser é análogo, justamente porque o gênero é unívoco. E o gênero não é senão o que se predica de alguma cousa. O gênero “árvore” se predica univocamente de todas as árvores, mas a multiplicidade das árvores não se resolve na unidade da essentia “árvore”. Quando digo de uma série de objetos que são árvores, digo desses objetos o que eles são, i.é., “árvore” é o predicado da substância de cada árvore particular, que é a realidade, a essência com a existência. Nos universais, um duplo movimento se distingue: o que o conceito universal contém, que é a matéria — e a forma, que é a universalidade. A forma está no intelecto, mas a matéria nas cousas singulares. S. Tomás, Metaph. I. 7, lect. 13: Animal communc vel homo communis non est aliqua substantia in rerum natura. Sed hanc communitatem habet forma animalis vel hominis secundum quad est in intellectti, qui unam formam occipit ut multis communem, in quantum abstrahit eam ab omnibus indiviauantibus.
    Assim também, os praedicabilia gentis, differentia, species, proprium, accidens não poderiam ser unívocos, ou antes, não teriam sentido como unívocos se os transcendentais res, aliquid, unum, verum, bonum, não fossem análogos.[]
  13. A realidade ontológica pois, longe de se constituir dos aspectos do ser, é uma realidade substancial, ontológica e ôntica, uma realidade essencial, que surpreende o todo na unidade do ser e na variedade dos seres, penetrando o núcleo fundamental das operações e dos acidentes. A substância é assim o núcleo fundamental, o suporte dos acidentes e neste sentido foi definida pelos medievais: Substantia est. . . quod non indiget extrinseco fundamento, in quo sustentetur, sed sustentatur in seipso, et idco dicitur subsistere quasi per se et non in alio exsistens. Aliud vero est, quod est fundamentum accidentibus, sustentons ipsa, et pro tanto dicitur substare. (S. Thomas, De pot. q. 9 a 1).[]
  14. O existencialismo contemporâneo nunca poderá explicar de que modo é que a existência pode preceder a essência, ou de que modo é que a nossa existência é dada por força da nossa essência. Porque, se não podemos conceber a existência sem a essência, por outro lado podemos muito bem, como disse St. Tomás, conceber a essência sem a existência (De ente et essentia, cap. V). Além disso, um ser que tivesse essência e existência coincidindo, esta por força daquela, e que portanto não tivesse sido creado, seria um ser causa de si mesmo.[]

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